Nelson Silva: Cair, levantar e vencer

Por a 2 Março 2022 09:30

Foco, determinação, superação. Ouvimos muitos atletas de alta competição referir estes termos como essenciais para o sucesso. Muitas vezes chegamos a desvalorizar o que realmente significam de tanto ouvirmos falar deles. Afinal, são componentes essenciais para chegar ao topo. Mas o desporto mostra-nos vezes sem conta que a determinação e a superação não têm forçosamente que dar taças ou títulos. Por vezes, bem mais importante que o ouro, prata ou bronze é o exemplo que fica. 

Homens e mulheres muitas vezes mostram-nos que o ser humano é capaz de coisas espantosas. Num mundo cada vez mais sombrio, é bom relembrar que há exemplos, por vezes aqui tão perto, que nos provam que a fórmula acima mencionada não é usada apenas pelos grandes campeões da TV… é usada pelos grandes campeões da vida. 

Nelson Silva é um desses campeões da vida. Era apenas mais um jovem que vivia a sua paixão pelos motores e pela velocidade de forma intensa. Habituado desde pequeno ao mundo dos karts e da velocidade, fez da alta rotação o seu modo de vida, até que em 2007, um acidente de moto lhe virou o mundo do avesso. Com duas pernas partidas, a recuperação da perna direita complicou-se e não restou mais nenhuma solução senão a amputação. Mas Nelson manteve uma postura positiva, encarou a vida de frente, sem medos, sem lamentações, ainda mais determinado em cumprir alguns sonhos, não se atemorizando com a dificuldade extra. Era apenas mais um desafio, dos muitos que pretendia enfrentar. 

A amputação não lhe roubou a paixão pelas corridas. A vontade de viver um pouco mais rápido que os restantes falou sempre mais alto e apostou nos Karts. O começo não foi fácil e encontrar a adaptação ideal à sua limitação demorou algum tempo, mas a sua perseverança, com a ajuda de terceiros, permitiu-lhe encontrar a fórmula certa para poder ir para a pista. Mas a ambição de Nelson Silva foi crescendo e em 2022 vai tentar fazer o que muitos consideravam impossível. Vai competir no Campeonato de Portugal Rotax. O AutoSport falou com ele e quis saber um pouco mais sobre o projeto.

Quisemos saber primeiro de onde vem a vontade de correr nos karts e entendemos que a competição é uma espécie de negócio de família:

“O meu tio correu em 88 e 89 nos karts e desde muito pequeno que acompanhei essa etapa do meu tio. Sempre gostei muito de motos e o meu acidente foi de moto. Mas hoje em dia gosto cada vez mais de motores e de todo esse mundo. O cheiro a gasolina é o meu oxigénio. Em 2008 comprei o meu primeiro Kart e desde essa altura que dou umas voltas ao fim de semana. Competi pela primeira vez em 2011, num troféu feito em Palmela.”

Antes de se dedicar aos Karts, tentou saciar a sede de corridas de outras formas, mas depressa teve de se aventurar nas pistas:

“Depois do acidente, comecei por carrinhos telecomandados e cheguei a fazer algumas provas, mas depois surgiu a vontade de fazer alguma coisa diferente e foi então que comprei o primeiro Kart. O acidente trouxe uma espécie de motivação para fazer um pouco mais de tudo. Antes do acidente era comissário de pista no Estoril e já nessa altura acompanhava corridas de todo o tipo, mas após o acidente fiquei mais motivado para fazer coisas difíceis e quero superar cada obstáculo, para mostrar às pessoas  que é possível e para me sentir bem também. Uma das primeiras dificuldades que tive de enfrentar foi como conduzir o kart com a minha limitação. Que tipo de adaptação fazer para poder estar confortável em pista e poder usufruir do que estava a fazer. Comecei por colocar um acelerador na mão, vários tipos de manetes até chegar à solução que tenho hoje que é um tubo que serve de extensão do acelerador, trazendo para junto do travão, para com um pé conseguir acelerar e travar.”

Com esses desafios superados, eram necessários novos para a lista de Nelson, que começou a querer fazer mais do que apenas provas pontuais. A vontade de fazer uma competição a tempo inteiro falou mais alto:

“Já há muitos anos que gostava de participar numa prova oficial. Desde 2018 que essa ideia ganhou mais força, quando participei num troféu de Baltar, na categoria 125cc, de caixa. Na altura foi muito complicado pois conduzir um kart de caixa na minha condição e ser competitivo não foi fácil, mas consegui fazer um pódio na minha categoria, superando até as minhas expectativas. E desde essa altura que quis fazer algo mais a sério. Assim, este ano pretendo fazer o Campeonato de Portugal Rotax na categoria DD2 Master. Ainda ponderei fazer o campeonato de 125 caixa, mas de momento a minha preparação física não me permite ser minimamente competitivo, pois é um esforço muito grande. Ainda assim, continua a ser um grande desafio físico e psicológico. “

Com este projeto, Nelson quer atingir dois objetivos. O primeiro passa por mostrar às pessoas com algum tipo de limitação que é possível chegar onde querem:

“O objetivo é, acima de tudo, mostrar às pessoas que têm um problema físico ou mental que é possível fazer as coisas, com muito esforço, dedicação e insistência. Quero mostrar a essas pessoas que é possível e que apesar das dificuldades conseguimos chegar onde queremos. Eu sempre gostei de andar de bicicleta e na altura toda a gente dizia que ia ser muito complicado voltar a uma bicicleta, mas ao fim de semana faço cerca de 40km e felizmente nunca caí. Sei que pode acontecer, mas estou preparado para isso e não é isso que me impede de fazer o que quero.”

O segundo objetivo do Nelson passa por prestar homenagem ao seu pai que fundou a AlbaKarting, equipa amadora de karting:

“O segundo objetivo passa por prestar uma homenagem ao meu pai, que fundou a nossa equipa de kart  e que faleceu em 2016. Quer mostrar-lhe que conseguimos fazer algo, o que não foi possível com ele ainda vivo.”

O projeto está em andamento, já vai tendo alguns apoios, mas Nelson procura ainda mais para poder fazer a época completa, algo que ainda não tem assegurado:

“Este projeto pretende ser ´low-cost´, já tenho muita coisa definida, mas ainda faltam alguns apoios. No entanto, se surgirem esses apoios, não vou mudar o plano. Irei seguir exatamente o que tenho delineado, gastando o menos possível e se sobrarem verbas, pretendo doar o dinheiro a instituições ou então proporcionar que pessoas com dificuldades físicas e que queiram experimentar os karts possam ter essa experiência. Neste momento tenho verba para fazer duas provas, mas pretendo fazer o campeonato todo, sempre com a mesma filosofia de gasto mínimo, independentemente dos apoios que venha a ter.”

Aos poucos, Nelson vai mostrando o projeto, e um dos grandes objetivos começa a ser cumprido. Dar visibilidade à sua ideia e, aos poucos, chegar a outras pessoas que possam estar a enfrentar desafios semelhantes e, quem sabe, poder motivá-los a tentar algo diferente ou até experimentarem os karts:

“Já tive o contacto de uma pessoa que gostava de experimentar um kart adaptado e já lhe disse que vou disponibilizar o material para ele o poder fazer. Não será já, pois o tempo agora é pouco, uma vez que a competição está a apenas um mês, mas vou colocar tudo à sua disposição para ele poder ter essa experiência.”

No final da entrevista, fez questão de agradecer aos patrocinadores que já se associaram ao seu projeto: “Quero desde já agradecer à Patarekices, Seguros Gamboa, Baterias da Cidade, Auto Guerra e Filho, Lda., Costura Urbana e Raiz Cubica, Centro de aprendizagem – estou muito entusiasmado com este projeto. E espero que outras empresas e pessoas se associem a ele, para chegarmos ao final da época e dizermos que conseguimos fazer algo inédito em Portugal. Será o meu maior feito, tentar que este projeto chegue ao fim. Pelo esforço físico e mental. Pelo meu Pai. Agradeço à minha esposa e à minha filha, assim como restante família (mãe e irmão) e amigos. E o meu muito obrigado ao Filipe Cairrão, ao Pedro Neto e tantos outros…”, sublinha Nelson Silva.

Não é um projeto de fácil execução. Além de ter de ir para a pista, com todas as dificuldades que isso implica, Nelson Silva tem de tratar da logística, além de conciliar a sua vida profissional e pessoal. Mas não é mais difícil do que já enfrentou até aqui. Não se atemoriza com a tarefa a que se propôs. Apenas espera que possa levar a sua ideia a bom porto e possa inspirar outras pessoas a fazer o mesmo, além de sensibilizar outras instituições a apoiar a sua ideia, para que mais pessoas possam ser ajudadas. No entanto, é já um projeto vencedor. O exemplo que nos dá é suficiente. Certamente que terá em mente um objetivo específico quanto à sua posição na classificação final, mas este projeto vai para lá das corridas. É uma porta que se abre a outras pessoas em condições semelhantes, que querem experimentar a velocidade e provar também que conseguem. E isso vale mais que qualquer taça.

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