LMDh: O sonho cada vez mais perto de ser realidade

Por a 13 Maio 2020 15:30

O ACO e o IMSA deram mais um passo rumo à convergência entre as competições. Já há mais pormenores sobre os regulamento e já há interessados. Tudo parece encaminhado para que uma nova era no endurance comece.

Depois de anos à espera, os fãs do endurance finalmente terão a solução desejada pela maioria… um conjunto de regulamentos que permita ao mesmo carro correr em Le Mans, Daytona, Sebring, Spa e Petit Le Mans. 

A nova plataforma LMDh, proposta pelo ACO e pelo IMSA reúne, em teoria, todos os ingredientes para o sucesso. Era uma solução desejada, necessária para revitalizar o mundo do endurance e atrair as marcas que se afastavam cada vez mais.  

O ACO precisava de uma solução para compensar a falta de interessados na regulamentação Le Mans Hypercar ( apenas Toyota, Aston Martin e Scuderia Cameron Glickenhaus avançaram para o projeto e a Aston já desistiu) e, finalmente, virou-se para os EUA onde encontrou um campeonato IMSA cada vez mais forte, com cada vez mais marcas interessadas e com uma fórmula de sucesso.

Como os actuais DPi estão a entrar no fim de vida competitiva, os planos para a nova geração de DPi já eram discutidos há algum tempo. Com esta junção de forças os DPi passam a LMDh (Le Mans Daytona hybrid), que usarão a mesma fórmula de sucesso das máquinas de primeira geração: um chassis LMP2 modificado para incluir pormenores estéticos típicos das marcas, liberdade para usar o motor da respectiva marca e (a grande novidade) um sistema de recuperação de energia no eixo traseiro.  

O acordo anunciado no início do ano irá permitir que carros LMDh que compitam no IMSA possam correr no WEC. Ou seja, os Hypercars que foram apresentados no ano passado irão para a pista, com o conjunto de regulamentos técnicos já apresentados (protótipos ou adaptações de carros de estrada, com uso de sistema híbrido opcional), embora com adaptações de última hora, para tornar a convivência em pista com os “americanos” LMDh mais equitativa.

A proposta deveria ter sido apresentada em Sebring, mas a pandemia da Covid-19, que paralisou o desporto motorizado, adiou o anúncio que já foi feito pelas partes interessadas.

Mais pormenores sobre os novos LMDh?

A base regulamentar para os LMDh foi publicada há alguns dias e mostra um pouco do que poderemos esperar destas novas máquinas. A descrição global da plataforma LMDh corresponderá aos seguintes pontos:

  • O LMDh é um carro comum criado pelo ACO-IMSA e capaz de competir tanto no WEC quanto no IMSA
  • O LMDh é baseado num carro com limite de custo establecido e terá a mesma espinha dorsal (espinha dorsal = carro completo sem carroçaria, motor e sistema híbrido) da próxima geração de LMP2
  • Somente os principais fabricantes de automóveis (associados a um dos quatro construtores de chassi – Oreca, Dallara, Ligier, Multimatic) podem homologar um carro LMDh

Os carros terão:

  • Carroçaria com marca e estilo do fabricante
  • Um motor de marca do fabricante
  • Um sistema híbrido comum (igual para todos) de tração traseira
  • Pelo menos período de homologação de cinco anos

A base dos regulamentos conjuntos para governar a nova categoria LMDh é composta pelos seguintes pontos:

  • Peso mínimo do carro em 1030 kg
  • Pico de 500 kW (670 cv) de potência combinada (soma da potência resultante do motor de combustão interna e do sistema híbrido)
  • Um pacote de carroçaria com desempenho aerodinâmico idêntico
  • Fornecedor de pneus individuais (por exemplo, Michelin)
  • BOP global para harmonizar o desempenho geral dos carros LMDh e LMH

Somente os “principais fabricantes automóvel” poderão homologar um carro e devem-se associar a um dos quatro construtores licenciados. A carrocaria será única o que implica que acabarão os kits aerodinâmicos de alto e baixo arrasto, uma forma de poupar dinheiro. Os motores utilizados pelas máquinas da regulamentação DPi atual, podem vir a ser elegíveis na regulamentação LMDh, graças a um ‘compromisso’ perante o ACO e o IMSA.

Os motores terão uma potência combinada de 670 cavalos de potência, entre o motor de combustão interna e o sistema híbrido. Sendo que a unidade de combustão interna deve estar nos valores de 630cv, os motores usados atualmente têm performances semelhantes.

De referir que mais de uma dúzia de fabricantes colaboraram com a ACO, IMSA e os construtores na concepção dos regulamentos o que é um claro sinal de intersse por parte dos mesmos.

Alterações aos Hipercarros

Também os hypercars dos “principais fabricantes” (como a Toyota) deverão poder competir no IMSA. Pelo regulamento proposto a Glickenhaus não deverá poder correr no IMSA. A performance dos dois tipos de carros será equilibrada com um Balance of Performance. Para que os hypercars tenham uma “convivência” salutar com os LMDh foram introduzidas algumas alterações técnicas nos últimos dias, com a diminuição do peso e da potência inicialmente previstos (1100kg e 750cv respetivamente), passando os hypercars a ter valores de peso e potência iguais aos dos LMDh. Também a aerodinâmica dos hypercars será revista de forma a ficar mais em linha com o conjunto de regulamentos do LMDh. De forma indireta é o ACO a virar-se completamente para o LMDh, não desperdiçando o trabalho feito pelas marcas já com carros em avançado estado de desenvolvimento. É claro que a fórmula que mais interessa é o LMDh, e que é a solução que mais faz sentido económicamente, mais ainda na situação atual de crise pandémica.

Os interessados nos LMDh

Se no caso da apresentação dos LMH poucas marcas mostraram interesse e ainda menos avançaram com a ideia, no caso dos LMDh, o cenário foi completamente diferente. Desde logo a Cadillac e a Mazda afirmaram que irão estudar a fundo os novos regulamentos assim que a versão definitiva for publicada (espera-se que seja por altura das 24h de Le Mans).

Nelson Cosgrove da Mazda afirmou que “obviamente seria ótimo trazer de volta a Mazda às 24h de Le Mans com um programa de fábrica. Os LMDh são uma grande oportunidade para voltar, se fizer sentido. Mas ainda há muito trabalho a fazer para perceber isso.”

“Agradecemos a entrega do projeto de regulamentos LMDh ”, disse o diretor de corridas da GM, Mark Kent, cuja marca Cadillac venceu dois dos três campeonatos IMSA DPi realizados até o momento. “Estamos a rever esses regulamentos e forneceremos nosso feedback, conforme solicitado, à IMSA e ao ACO”.

A Ferrari mostrou algum interesse inicialmente, mas lamentou o facto de não poder fazer o seu próprio chassis. No entanto a Scuderia não comentou nesta fase se estes novos elementos aguçaram o apetite dos italianos.

Antonello Coletta, responsável pelo programa GTE disse na altura da primeira apresentação dos LMDh, que esta poderia ser uma via a ser usada pela marca:

“Francamente, diante de nós, temos um momento estratégico importante, porque ter a mesma plataforma para o WEC e IMSA é uma boa oportunidade”, disse ele. “Mas precisamos entender exatamente as novas regras desportivas e técnicas. A questão mais importante que temos agora é a mesma plataforma e a redução dos custos em relação aos Hypercar”, disse Coletta. “O orçamento que precisamos para fazer uma temporada com LMDh será mais ou menos o mesmo que gastamos nos GTE. Isso é perfeito para nós [porque] os Hypercar são mais caros.”

“Se pegarmos em todas as partes dos DPi, os custos serão baixos porque são os mesmos travões, o mesmo sistema híbrido, a mesma suspensão. Mas poderia ser uma oportunidade para fazer um chassi. Mas não sabemos se isso é possível…”

A McLaren afirmou claramente que tem interesse nos LMDh, mas a situação económica atual poderá ser um travão para a entrada a curto prazo da equipa.

“Acho que as regras são ótimas”, disse Zak Brown. “Houve uma grande reunião técnica [no fim de semana passado] entre o ACO, a FIA e o IMSA e eles chegaram a um entendimento ideal. Então, parabéns por conseguirem um conjunto unificado de regras que eu acho extremamente atraente.”

“A McLaren entrar em novas formas de automobilismo não é um tema que iremos abordar agora por causa do que está a acontecer. Esquecendo isso, as regras tornam-se muito mais atraente para a McLaren e para o nosso desejo de querer voltar às corridas de sportscar.”

A Porsche anunciou que irá estudar a regulamentação e a BMW também foi referida quando a convergência foi anunciada, mas para já não parece estar tão interessada quanto as marcas acima referidas. Pascal Zurlinden, chefe do desporto motorizado de fábrica da Porsche, confirmou que a estrutura está a avaliar os regulamento LMDh para participar no WEC e no IMSA WeatherTech.

“Michael Steiner [responsável pelo desporto motorizado como chefe de pesquisa e desenvolvimento] pediu-nos um estudo para ver o que é possível”, disse Zurlinden. “A Porsche está a estudar seriamente, mas ainda não há decisão.”

A Peugeot está numa situação diferente de todas as marcas referidas até agora. Os franceses anunciaram que iriam regressar ao endurance com um projeto conjunto com a Oreca, mas o anúncio dos LMDh fez a Oreca abandonar a parceria e a Peugeot ficou a aguardar por mais pormenores. A marca do leão está a fazer os estudos necessários e afirmou que quer estar em pista na época 2022, mas ainda não se comprometeu com qualquer uma das regulamentações.

Jean-Marc Finot, diretor para o desporto motorizado da PSA, explicou que a Peugeot continuou o desenvolvimento de seu programa WEC de fábrica nos últimos meses, apesar de ter interrompido a produção de carros de competição para clientes devido a problemas na cadeia de fornecimento.

Finot explicou que a Peugeot ainda está na fase de projeto com “cálculos” e “projeto de computador” que se encaixam bem no período atual de trabalho remoto. “O projeto de resistência tem avançado na direção certa. O impacto da crise no nosso calendário para o projeto está atualmente em fase de análise. O objetivo ainda está lá em 2022.”

“Seguimos com grande interesse a evolução dos regulamentos LMDh e a convergência entre os dois regulamentos”, disse ele. “Estamos satisfeitos com este anúncio da ACO / IMSA / WEC e, principalmente, com a confirmação dos dados técnicos relacionados com o BoP, que garantirão uma equidade desportiva entre as duas categorias. Era essencial ter regras conjuntas sobre parâmetros como peso, potência e aerodinâmica, e isso foi alcançado.”

Do lado dos privados começa também a haver movimentações. A WRT mostrou interesse nas regulamentações LMDh, através do chefe de equipa, Vincent Vosse. A equipa belga está agora a avaliar as suas opções depois da Audi ter anunciado que vai sair do DTM no final de 2020.

Vosse disse que a plataforma LMDh é algo que a WRT vê com muito interesse: “Estamos a trabalhar nos LMDh há algum tempo. Mas, claro, ainda temos de esperar para ver tudo. Este produto (LMDh) é uma cópia dos GT3, o que significa que temos muitas razões para sermos bem sucedidos. E ter a possibilidade de correr em Le Mans, Daytona ou Sebring é excelente. Esta plataforma atrai diferentes fabricantes e, claro, a WRT está interessada.”

Conclusão: Endurance tem tudo para regresar aos bons velhos tempos

O cenário antes da crise da Covid-19 era muito positivo para o endurance mundial. A regulamentação LMDh permite o que muitos fabricantes queriam, que é fazer Daytona, Sebring e Le Mans com o mesmo carro. Veremos se a crise não afeta em demasia esta revolução.

Para os americanos é um passo rumo a eletrificação. É um passo pequeno pois o contributo do sistema híbrido é também pequeno, mas já é o suficiente para exigir mais investimento por parte das equipas. Em entrevista ao AutoSport, João Barbosa avisou que a mudança tem de fazer sentido a nível financeiro e que as equipas não se podem dar ao luxo de gastar muito mais. Resta saber se esse pormenor foi acautelado. O futuro o dirá.

Do lado do WEC é um retrocesso. Se compararmos a teconologia de um LMP1 para a de um LMDh, podemos dizer com confiança que se tratam de dois mundos diferentes. Os LMP1 eram máquinas fantásticas, quer na tecnologia, quer no seu desempenho. O problemas é que os gastos eram muito elevados, até para grandes marcas, o que deixou os privados sem hipótese, e o campeonato à mercé das vontades volateis dos interesses das marcas, com os resultados que estão à vista e um campeonato moribundo. A tentativa de misturar híbridos com não-híbridos falhou redondamente e os Hypercars, embora já sejam uma versão simplicada dos LMP1, não convenceram. Perde-se um pouco do espirito de inovação que está tão presente em Le Mans, mas o ACO apostou (e bem) no espetáculo ao invés da tecnologia, para salvar o campeonato. Ainda temos sistemas híbridos é certo, mas é quase uma formalidade para que o passo atrás não seja tão pronunciado.

No entanto se tivermos muitas marcas e muitos carros em pista, a solução poderá ser considerada um sucesso. O mundo do automobilismo terá de cortar muito nos custos e esta solução é a ideal nesta fase, quer para o IMSA, para dar um pequeno passo para a eletrificação, quer para o ACO, para chamar de volta os fãs. Esperemos que a teoria se reflita na prática.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas Autosport Exclusivo
últimas Autosport
autosport-exclusivo
últimas Automais
autosport-exclusivo
Ativar notificações? Sim Não, obrigado