Fórmula 1: Afinal para que serve o lubrificante na Fórmula 1?

Por a 27 Abril 2018 12:15

Por José Manuel Costa

Na madrugada do quarto Grande Prémio da temporada 2018, continuam a surgir estilhaços de controvérsia sobre uma das mudanças mais drásticas do regulamento técnico para esta temporada. Que, afinal, não passa de uma clarificação sobre o que é, na realidade, a função do lubrificante. É verdade que a FIA dedica um artigo, em exclusivo (o Artigo 20), à definição do que é, do que deve fazer e como deve ser utilizado o lubrificante.

Naturalmente que os resultados menos conseguidos da Mercedes – ainda não ganhou este ano! – contribuem para que observadores, seguidores, curiosos e simples adeptos mais ou menos informados, apontem a nova regra sobre o consumo de lubrificante como a causa para as dificuldades dos monolugares alemães.

Olhemos, então, para aquilo que está em causa. Primeiro, percebendo o que diz o já famoso Artigo 20 do Regulamento Técnico da Fórmula 1 2018.

Para os mais ciosos destas coisas, o artigo em causa está nas páginas 88 e 89 das 105 páginas que compõem o regulamento. E o primeiro ponto é claro! “O propósito deste artigo é assegurar que o óleo utilizado nos motores de fórmula 1 seja óleo de motor tal como o termo pressupõe. A função de óleo é lubrificar partes móveis, melhorar a eficiência global do motor, reduzindo a fricção e reduzir o desgaste. O óleo também é um agente de limpeza, inibe a corrosão, melhora a função vedante e refrigera o motor levando consigo o calor gerado para longe das peças móveis. O lubrificante não deve melhorar as qualidades do combustível nem energizar a combustão. A presença de qualquer componente que não possa ser, racionalmente, associado com a definição acima exposta como função de um óleo do motor, será julgado inaceitável.”

Não vale a pena ir mais longe, pois o resto do artigo 20 esclarece os limites dos componentes do óleo e procedimento para homologar o lubrificante que será usado em cada fim de semana de Grande Prémio, antes de cada fim de semana e que será usado em todos os motores da mesma marca.

Como é que chegámos a este ponto?

Como referi acima, a ideia de usar o lubrificante como aditivo para o combustível não é original, tendo surgido pela mão da BMW quando a casa bávara e Paul Rosche, nos anos 80 do século passado, criaram o fabuloso motor 1.4 litros sobrealimentado.

O brilhante engenheiro alemão descobriu, lendo registos de experiências feitas pelos engenheiros militares da Luftwaffe (Força Aérea Alemã), a utilização do lubrificante e de outros componentes no combustível criado para os motores dos aviões da Segunda Guerra Mundial.

O combustível usado pela BMW no seu motor pouco tinha a ver com aquilo que hoje conhecemos como gasolina, aproveitando o facto dos regulamentos da época não exigirem que o fosse. O bloco sobrealimentado da BMW usava uma mistura de benzina (éter de petróleo de baixo peso molecular, é um solvente que causa cancro subcutâneo), xileno (solvente usado no alcatrão) e tolueno, sendo que este último era o componente principal (85%). Porquê? Porque tinha um índice de octanas de 121, enquanto o combustível dos aviões (Avgas, o mais usado na F1) tinha “apenas” 100 octanas. Além disso, é um poderoso anti-detonante.

Este combustível acabaria por não ser usado durante muito tempo, já que o tolueno (um solvente, sem cor e não solúvel na água que todos conhecem como “cola de sapateiro e que funciona como a cocaína, quando inalado) é altamente cancerígeno e a FIA acabou por exigir que o combustível usado estivesse mais perto da gasolina comercial.

Isso acabou por colocar muitos problemas aos utilizadores de motores turbo, pois não havia a possibilidade de controlar o efeito “knocking” ou detonação. Ou seja, era impossível aumentar para valores absurdos a pressão do turbo sem que a mistura de combustível e ar dentro dos pistões fosse inflamada fora de tempo ou sem ser pela faísca da vela – devido à temperatura demasiado elevada dentro da câmara de combustão. A onda de choque faz aumentar a pressão no cilindro e com o desacerto da explosão, os danos podem ser catastróficos.

Ora, as equipas mais apetrechadas perceberam que as características do combustível estavam limitadas, mas o óleo não tinha nenhuma limitação ou regra. Além disso, é absolutamente normal que algum óleo escape para a câmara de combustão seja pela menor eficácia dos segmentos dos pistões, seja por uma fuga nas guias das válvulas.

Com motores sobrealimentados com turbocompressor, é mais fácil levar o óleo usado para lubrificar o veio da turbina, através de uma fuga deliberada, diretamente para a câmara de combustão. Qual é o efeito?

A pressão do turbo pode ser aumentada que o óleo vai diminuir a temperatura da câmara de combustão e anular o efeito “knocking” ou detonação. Não levou muito tempo até que fossem adicionados ao lubrificante aditivos que tornassem o óleo cada vez mais “frio” e adequado a reduzir a detonação. E com a vantagem de tudo ser legal. Foi mais um exemplo de como o legislador foi “apanhado” pela capacidade dos engenheiros.

Esta utilização do lubrificante como aditivo do combustível esteve hibernada até 2014, quando chegou a era das unidades de potência híbridas com os seus turbocompressores. Estava na hora de recuperar o uso do óleo como aditivo do combustível. Com uma diferença que mais aguçou o interesse dos engenheiros por esta técnica: o limite de fluxo de combustível, limitado a 100 kg/hora, qualquer coisa como 28 gramas de combustível por segundo. Com isto, a FIA quis limitar a energia disponível através desta limitação de fluxo. Contas feitas, se adicionar mais combustível ao limitado fluxo, será oferecido igual aumento de potência desde que a eficiência do motor seja a mesma.

Ora, se cada quilograma de combustível gera, mais ou menos 43 megajoules de energia, se adicionar um por cento a cada quilograma ficaremos com cerca de 44 megajoules de energia. No total, os 100 quilos que geram 4300 megajoules transformar-se-iam em 4400 megajoules. Como adicionar esse um por cento de combustível? Através de aditivos colocados no lubrificante que, depois, iria parar dentro da combustão de uma forma controlada. Desta forma, os engenheiros conseguiram aumentar o valor calorífico e energético disponível e controlavam a detonação de forma perfeita com estes aditivos. E, nem de propósito, as regras dizem que a admissão de ar para o motor deve ser feita através de uma caixa de ar colocada por cima do motor, o que ofereceu uma rota perfeita para canalizar o óleo para a câmara de combustão através de um injetor separado.

O ano passado foi quando este conceito foi levado ao extremo, pois o regulamento era omisso sobre a definição química do lubrificante e o consumo de óleo estava limitado a “abundantes” 1,2 litros por cada centena de quilómetros, ou seja, 0,06 litros por volta (quase 4 litros por corrida). A FIA descobriu a marosca e depois de ter reduzido esse consumo no final da temporada passada, para 2018, estabeleceu regras muito claras para a composição química do lubrificante, baniu as válvulas ativas dentro das admissões de ar para o motor e instalou um sensor que mede a temperatura da câmara de combustão que tem de estar sempre 10 graus acima da temperatura do ar exterior.

Fica por saber quem conseguiu ultrapassar estas barreiras colocadas pela FIA, sendo certo que a Ferrari está com ótima saúde conforme mostram as velocidades máximas já exibidas esta temporada e a Renault, apesar do défice de 10 a 15 CV que tem face à Ferrari e, julga-se, face à Mercedes, conseguiu já uma vitória. Quando a Fórmula 1 regressar à Europa com o GP de Espanha, veremos em que pé está o desenvolvimento dos motores de 2018.

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