Walter Rohrl: Precisão germânica

Por a 12 Fevereiro 2023 15:11

Para muitos considerado o melhor piloto de ralis de sempre, pelo menos até à era Loeb, para outros detestado pela sua habitual frieza e absoluta sinceridade. Na verdade, Walter Röhrl não deixa nenhum adepto de ralis indiferente. A sua longa carreira produziu dois Campeonatos do Mundo e 14 vitórias em ralis, mas também um sem fim de performances absolutamente fabulosas. Eis a sua história…

Natural de Regensburg, na Baviera, Walter Röhrl nasceu a 7 de março de 1947, sendo o filho mais novo de um pedreiro local, que se separou da sua mãe quando o piloto tinha ainda 10 anos de idade. Assim, Walter cresceu num meio modesto e, após deixar a escola, fez estudos comerciais no Seminário de Regensburg, passando a trabalhar como motorista para a companhia encarregue de gerir as finanças do Bispado de Regensburg, assim como de outros seis na Baviera. Deste modo, aos 16 anos, Walter começou a fazer uma média de 120.000 quilómetros pelas estradas bávaras para levar os seus patrões a visitarem as propriedades da diocese. Diz-se muitas vezes que ele era o motorista pessoal do Bispo, e que ficou famoso pelas suas proezas a conduzir um Fiat Abarth em marcha-atrás pelas ruas de Regensburg, mas estas histórias são maioritariamente apócrifas.

Certo é que Röhrl rapidamente demonstrou interesse pela condução e pela velocidade, e o dinheiro que conseguiu trabalhando como motorista, assim como instrutor de esqui – modalidade na qual se iniciou bastante cedo – lhe permitiu financiar o seu primeiro carro de ralis, um Fiat 850 Coupé, que inscreveu em provas locais à revelia da sua família, já que um dos seus irmãos havia falecido pouco tempo antes num acidente de viação.

Rapidamente Walter demonstrou velocidade e muito talento, trocando o Fiat por um BMW 2002 e depois por um Alfa Romeo 1750, tendo mesmo conduzido um Porsche 911. Competindo essencialmente a nível local ou regional nestes primeiros anos, Röhrl deu o seu grande salto em 1971 quando comprou um Ford Capri 2600 de Grupo 1, com o qual rapidamente se tornou na força dominante naquele grupo no Campeonato Alemão, sendo convidado pela Ford Alemanha a trocar para um modelo semelhante de Grupo 2, com o qual não tardou a vencer o Rally Weisbaden, a contar para o Europeu de Ralis. A partir daqui tornou-se piloto de fábrica e continuou a espalhar magia pelas estradas do seu país, destacando-se em 1972 com um segundo lugar no Rali da Polónia e uma exibição fenomenal no Olympia Rally – uma maratona por toda a Alemanha com término em Munique, sede dos Jogos Olímpicos desse ano – que tristemente terminou a poucas especiais do fim com o motor quebrado. Prestações que definitivamente estabeleceram o jovem piloto como uma das maiores promessas do automobilismo alemão, o que lhe valeu um contrato com o reputadíssimo preparador Günther Irmscher para pilotar os seus Opel em 1973, deixando assim o seu trabalho para a Igreja. Nesse ano, estreou-se no WRC no Monte Carlo, a prova que sempre sonhou vencer desde a sua juventude, ao volante de um Commodore GS/E, mas abandonou.

Porém, ao longo dessa temporada, dividindo-se entre a condução do Commodore e do Ascona 1.9 SR, tanto no Campeonato Alemão como no Europeu, Röhrl deixou excelentes indicações, vencendo no ERC o Rali Vltava, Danúbio e o Munique-Viena- Budapeste, demonstrando assim a sua capacidade para se bater com os melhores volantes internacionais, se bem que no WRC a sorte tenha sido deveras aziaga.

Foi no Europeu que Röhrl conquistou o seu primeiro título. Nesse ano, a Irmscher preparou um programa dirigido a esse campeonato, embora a equipa oficial, que tinha sido organizada a partir de uma junção de esforços dos preparadores mais fortes, o convidasse para uma primeira prova, em Portugal, mas que se saldou por um abandono. No entanto, no ERC, Röhrl esteve praticamente imbatível, vencendo o Rally Firestone em Espanha, depois o Rali das Tulipas e o Hessen, desistiu por acidente na Bulgária e foi apenas oitavo em Ypres, mas recomeçou a série vitoriosa na Checoslováquia, no Rally Vltava, vencendo de seguida o Danúbio e o Rallye de Lugano para se sagrar Campeão Europeu, com mais do dobro dos pontos do segundo classificado, o austríaco Klaus Rüssling. Como recompensa, foi novamente chamado à equipa oficial da Opel para disputar o RAC, conseguindo um espetacular quinto lugar numa prova pelo qual o alemão nunca viria a ‘morrer de amores’, já que se tratava de um evento com percurso secreto – o que, mantendo o seu habitual copiloto Jochen Berger, só valoriza a sua performance na estreia na prova britânica.

Ironicamente, 1975 seria um ano de altos e (muitos) baixos. O Opel Ascona estava no limiar do seu desenvolvimento e o programa de Röhrl, que misturava o WRC com o ERC, acabou não raramente com problemas mecânicos, salvando-se mesmo assim uma espetacular performance no Rali da Acrópole, que lhe deu a sua primeira vitória no WRC. De seguida, no Sanremo, a Opel Euro Händler estreou o novo Kadett GT/E, mas o modelo, apesar de mais rápido, deu inúmeros problemas de fiabilidade desde o início, arrastando–se por toda a época de 1976. Na verdade, ainda não existia um verdadeiro departamento de competição, e o facto de a equipa principal ser um agregado de preparadores e, ao mesmo tempo, seriamente subfinanciada, interferia muito no esenvolvimento de um carro que tinha, sem dúvida, muito potencial. De 1976 apenas se salvou o quarto lugar no Monte Carlo e a vitória nas 24 Horas de Ypres, já que em quase todas as restantes provas do WRC e ERC em que o germânico competiu, os problemas mecânicos, nomeadamente a nível de transmissão, deixaram-no apeado. Ainda assim, Röhrl continuou a competir no Kadett GT/E, agora na sua versão de 16 válvulas, em 1977, ao mesmo tempo que fazia algumas provas do campeonato alemão com um Porsche 911 SC. Os resultados foram opostos – na Opel, somaram-se abandonos, na Porsche vitórias e resultados honrosos.

A formação de Rüsselsheim estava à beira de perder a homologação do motor de 16 válvulas devido à mudança regulamentar que iria entrar em vigor em 1978 – o Kadett GT/E alinhava no Grupo 2 – por isso Walter aceitou um convite da equipa Fiat para disputar alguns ralis com o novo 131 Abarth. Ironicamente, aparte a prova de estreia em San Martino di Castrozza, onde foi quarto, Röhrl abandonaria no Québec e no Sanremo, mas o que tinha experimentado deixou-o por demais convencido para assinar com a marca de Turim para 1978, despedindo-se da Opel com (mais) um abandono no RAC.

Os tempos da FIAT

A Fiat e a Lancia iriam correr pela primeira vez definitivamente sob a mesma direção, com Cesare Fiorio ao comando, já que o Grupo Fiat estava interessado em promover a imagem do 131 Abarth como carro de estrada, já que o Lancia Stratos não passava de um protótipo disfarçado de modelo convencional para ser homologado no Grupo 4. Além disso, uma das grandes vantagens do Stratos era o seu motor de 24 válvulas que, tal como acontecera com o Kadett GT/E, fora banido para 1978. Deste modo, a Fiat tinha incorporado a equipa da Lancia, mantendo o Stratos para alguns eventos apenas.

Quanto a Röhrl, foi nomeado para disputar algumas provas do WRC com o Fiat, enquanto tomaria o gosto ao Lancia – sem dúvida uma das mais belas criações da história do automóvel – no Campeonato Alemão. Neste campeonato, as suas prestações saldaram-se por cinco vitórias, enquanto no programa parcial no WRC Walter não deixava créditos por mãos alheias: quarto no Monte Carlo, voltou a desistir em Portugal, apenas para vencer em seguida na Acrópole e no Québec, desistindo no Sanremo e fazendo sexto no RAC, o que lhe valeu o sexto lugar na Taça FIA de Pilotos, predecessora do Mundial de Pilotos.

A Fiat foi, no entanto, surpreendida pela clara superioridade do Ford Escort MkII em 1979, cuja equipa de luxo integrava nomes como Hannu Mikkola,

Björn Waldegård e Ari Vatanen, daí que Röhrl não teve oportunidade de lutar pelo primeiro título de pilotos no WRC. Além disso, tal como em 1978, o seu programa era parcial, disputando provas na Alemanha – vencendo quatro das cinco em que alinhou – e algumas provas no WRC: desistiu no Monte Carlo, foi oitavo na sua estreia no Safari, segundo no Sanremo e oitavo no RAC. Contudo, a Ford, vitoriosa nos Pilotos com Waldegård e nos Construtores, decidira abandonar o WRC (embora mantendo uma equipa semioficial gerida por David Sutton), deixando o caminho à Fiat, que tinha como pontas de lança Walter Röhrl e Markku Alén.

O alemão, além de quatro vitórias em quatro ralis no Campeonato Alemão, cilindrou o seu colega de equipa e toda a restante oposição para conseguir o seu primeiro título mundial. Desde sempre que Röhrl assumiu que a sua motivação era vencer provas e não campeonatos, aliás, o germânico desvalorizava bastante estes, mas em 1980 esteve simplesmente imparável. Ora vejamos, a época abriu com uma vitória esmagadora no Monte Carlo – ‘dando’ mais de dez minutos a Bernard Darniche e cumprindo o seu sonho de juventude – seguindo-se nova vitória em Portugal – voando no nevoeiro de Arganil – um quinto lugar na Acrópole, vitória na Argentina, segundo lugar na Nova Zelândia e mais duas vitórias, no Sanremo e na Córsega, que dispensavam a sua presença no RAC, obtendo quase o dobro dos pontos de Hannu Mikkola, que tinha dividido a época entre a Ford e a Mercedes. Röhrl sabia que o 131 Abarth estava ‘em fim de linha’ e não tardou a procurar outras paragens, sendo convidado para testar pela Audi, que iria arrancar o programa de ralis em 1981 com um tal de Quattro.

Campeão do mundo… e desempregado

Efetuado o teste, o piloto alemão mostrou-se claramente desagradado com a tendência subviradora do carro, assim como com o peso superior e tecnologia complicada que as quatro rodas motrizes implicavam, rejeitando a oferta, o que deixou Walter Treser, manager da Audi, deveras vexado. Röhrl tinha, no entanto, uma perspetiva melhor em vista – a Mercedes. Depois de se ter destacado nos grandes ralis africanos e transcontinentais com as suas monumentais berlinas 280 SE e 450 SLC, a marca de Estugarda tinha decidido ampliar o programa com o 500 SLC em 1980, e avançar com um modelo ainda mais curto e leve para 1980, o 500 SL. Para tal, haviam contratado Waldegård e Vatanen, e persuadiram também Röhrl a assinar por cinco anos, contra uma generosíssima maquia.

O alemão estava motivado, principalmente porque, para as novas regras do Grupo B, a equipa tinha ainda nos seus planos um modelo totalmente novo a estrear em 1983. Infelizmente, tudo não passou de um erro de casting. Logo nos primeiros testes, tendo em vista o Monte Carlo de 1981, a Mercedes conseguiu evidenciar um andamento claramente superior à concorrência no asfalto seco, mas num teste – supostamente secreto – na neve austríaca, Röhrl teve um acidente com um camião, que rapidamente chegou aos ouvidos da imprensa.

O acidente chamou a atenção para o desenvolvimento do carro e também irritou o departamento de marketing da marca, por isso os alarmes já estavam no vermelho quando um dos diretores decidiu ligar a Röhrl algumas semanas depois, questionando se o 500 SL estaria apto para ganhar o Monte Carlo. Com a sua típica franqueza, Röhrl disse-lhe, a seco, que estariam certamente nos cinco primeiros, mas na neve seria difícil entrarem no top 10. Três dias depois, o diretor da Mercedes, o Professor Breitschwerdt, anunciava o cancelamento total do programa de ralis da marca. Röhrl via-se assim campeão do mundo… e desempregado.

Novamente a Opel

Os lugares nas principais equipas já estavam preenchidos e, depois de terminar o contrato com a Mercedes, Walter voltou-se para as provas de pista ao volante de um Porsche, ao mesmo tempo que iniciava uma ligação com esta marca nos ralis – o seu amigo Konrad Schmidt tinha uma equipa a correr no Campeonato Alemão, com um Audi para Harald Demuth, mas estava fora de questão inscrever outro carro de Ingolstadt depois da ‘nega’ de Röhrl meses antes. Deste modo, Schmidt contactou Manfred Jantke, da Porsche, e chegaram a acordo para promover o 924 Carrera GTS nos ralis, com um programa nacional. Diga-se de passagem que os começos do desenvolvimento deste modelo se traduziram em muitos motores partidos, daí que o anúncio de Röhrl teve o impacto de apressar radicalmente a ordem de trabalhos, estreando-se o binómio em maio, com um brilhante segundo lugar no Metz Rallye.

Embora o motor não ajudasse muito devido à estreita faixa de obtenção de potência, Röhrl viria a vencer quatro dos cinco ralis seguintes, só não estando na luta pelo nacional porque decidira correr com licença austríaca, para não prejudicar o principal piloto da Porsche no Campeonato Alemão, Manfred Hero. Mas, ao mesmo tempo, Roland Kussmaul estava a ultimar o desenvolvimento de um 911 SC de Grupo 4 para Walter correr, e este de imediato correspondeu: no seu regresso ao WRC, no Rali de Sanremo, Röhrl esteve simplesmente implacável, dominando toda a fase de asfalto perante uma oposição muito forte.

Na terra, a tração superior dos Audi permitiu a Michèle Mouton assumir o comando, mas o alemão não estava longe e tinha esperanças sinceras de recuperar o comando na segunda fase de asfalto, quando o motor partiu. É impossível não pensar o que poderia Röhrl fazer se a Porsche se dedicasse a tempo inteiro ao WRC. Depois deste interregno, Walter demonstrou que ‘bom filho à casa torna’ e, com o seu antigo copiloto Berger, diretor de operações da Opel, que tinha entretanto desviado o patrocínio da Rothmans dos Ford de David Sutton, o alemão assinou de novo com a Opel para 1982.

Claro está que o Opel Ascona 400 era um Grupo 4 convencional, que em teoria teria muitas dificuldades em bater-se com o Audi Quattro, mas atravessava-se um ano charneira na mudança de regulamentos e a equipa de Rüsselsheim parecia ser a única interessada em lutar taco-a-taco pelo WRC, e Röhrl queria ‘ajustar contas’ com a Audi, depois das críticas de Treser. Depois de um ano quase parado ao mais alto nível, Röhrl pediu um programa completo à Opel. A estreia correu bem, com mais uma vitória brilhante no Monte Carlo, aproveitando-se da pouca neve que surgiu nas estradas alpinas. De seguida, houve uma clara aposta na regularidade – Walter foi terceiro na Suécia, bateu em Portugal, foi segundo no Safari, quarto na Córsega, segundo na Acrópole, terceiro na Nova Zelândia, segundo no Brasil e terceiro no Sanremo. No entanto, os Audi de Mikkola e Mouton não conseguiram igualar este registo, pelo que, a duas provas no fim, apenas a francesa estava na luta pelo título e Walter decidiu-se a ir à Costa do Marfim, ciente de que, se vencesse o duríssimo rali africano, poderia ser Campeão.

Então a rivalidade com Mouton já tinha crescido e alimentado muitíssimo a imprensa desportiva. Antes da Acrópole, Röhrl levou como ‘pendura’ o esquiador Werner Grissmann – um amante dos ralis que viria em breve a pilotar para a Audi Austríaca – para uma demonstração e, quando o austríaco lhe perguntou se alguém poderia ser mais rápido, Röhrl respondeu-lhe que apenas ‘um macaco num Quattro’. Claro está que muitos levaram esta afirmação como insultuosa relativamente a Mouton, sabendo que Röhrl não se mostrava propriamente agradado por estar a perder para uma mulher, e que achava que qualquer piloto num Quattro teria uma superioridade natural, o que acirrou o debate e muito contribuiu para a imagem fria e arrogante que muitos têm do alemão.

Certo é que Mouton, apesar do luto pela morte do seu pai, estava a dar uma luta feroz a Röhrl na Costa do Marfim quando teve um acidente e foi forçada a desistir, entregando de imediato o título ao germânico. Apesar de tudo, Röhrl nem chegou a correr o RAC. Na verdade, o ambiente na Opel estava envenenado desde o início da época, porque Röhrl não ‘alinhava muito’ nos compromissos promocionais da Rothmans, queixando-se que estes interferiam com o seu descanso e devida preparação para as provas, gerando-se um conflito com Tony Fall, que culminou com a ausência de Walter de um evento que visava comemorar os títulos da marca em 1982 – WRC (Röhrl), ERC (“Tony” Fassina) e o British Open (Jimmy McRae) – na véspera do RAC, resultando no despedimento imediato do alemão.

Regresso ao grupo FIAT

Livre para procurar outras paragens, Röhrl regressou ao Grupo Fiat para disputar a temporada de 1983 com o fabuloso Lancia 037, depois de uma temporada de desenvolvimento árdua. Com ou sem compromissos promocionais, Röhrl cedo demonstrou estar bem mais à vontade na marca italiana, mesmo se isso implicava o renovar de uma rivalidade interna com Markku Alén mas, fiel ao seu espírito livre, o seu programa para 1983 visava os ralis em que o piloto se sentia mais à vontade, havendo mais ênfase por parte de Walter e da Lancia em garantir o título de Construtores. Dito e feito. Mais uma vez, Röhrl esteve brilhante no Monte Carlo, aproveitando a falta de neve e uma gestão perfeita de pneus por parte da Pirelli para vencer, na frente de Alén, seguindo-se um terceiro lugar em Portugal, segundo na Córsega, vitórias na Acrópole e na Nova Zelândia, e mais um segundo lugar no Sanremo para terminar em segundo no Mundial, dois pontos à frente de Alén e não muito longe do campeão, Hannu Mikkola, no seu Audi Quattro.

Apesar da limitação das duas rodas motrizes, se Röhrl tivesse investido num programa como em 1982, não teria conseguido uma terceira coroa? É uma questão que dá que pensar. Porém, os ventos eram mesmo de mudança e nem a Lancia ignorava que o 037 tinha tido um curto apogeu, estando em fim de vida já em 1984, principalmente com o desenvolvimento do novo Quattro e a chegada da Peugeot, ambos com tração total. Assim, foi um Röhrl já esquecido das discussões com Walter Treser que assinou pela Audi em 1984. Supostamente, o mestre da tração total era Stig Blomqvist, e para contrariar a subviragem do Quattro Walter viu-se obrigado a mudar o seu estilo de condução, habituando-se a travar com o pé esquerdo, tal e qual os Finlandeses Voadores. Nunca foi um tipo de condução que agradou ao alemão, mas este tornou–a rapidamente eficaz, já que, num Monte Carlo marcado por uma queda de neve copiosa, não tardou a que Röhrl igualasse e depois batesse Blomqvist, para assegurar uma grande vitória, na frente do sueco e de Hannu Mikkola. De salientar que Röhrl igualou o recorde de vitórias no Monte Carlo, com a particular nuance de ter conseguido vencer com quatro carros de marcas distintas. No entanto, a restante temporada de 1984 não foi favorável ao alemão.

Em Portugal, Walter foi apenas sexto, e a introdução do brutal Quattro Sport na Córsega não trouxe senão abandonos no seu programa parcial – o líder para 1984 seria Blomqvist, depois do apoio deste a Mikkola em 1983. Ainda assim, ficaram na retina algumas boas performances e, aproveitando-se da superioridade na primeira metade da época, a Audi conquistou o seu segundo título de Pilotos com Blomqvist, e também o segundo nos Construtores, depois de haver vencido em 1982. Em teoria, 1985 seria o ano em que a Audi apostaria em Röhrl para o título, e o alemão esteve perto de conseguir uma quinta vitória no Monte Carlo, depois de um erro de controlo de Terry Harryman, navegador de Ari Vatanen, mas uma má escolha de pneus deixou-o à mercê da recuperação absolutamente espetacular do finlandês.

E, nas provas seguintes, ficou bem patente que era o Peugeot 205 Turbo 16 que tinha assumido a hegemonia no WRC. Röhrl bem tentou, mas as provas seguintes foram marcadas por altos e baixos – abandonos na Suécia, Córsega e Acrópole, e o terceiro lugar em Portugal e na Nova Zelândia. Porém, quando a Audi estreou a sua última arma, provavelmente o Grupo B mais brutal de todos, o Sport Quattro E2, no Rali Sanremo, Röhrl esteve simplesmente excecional, e numa prova marcada por uma luta feroz com os Peugeot e até com os ‘velhinhos’ Lancia, Walter triunfou – seria a última vitória da sua carreira – abandonando no RAC devido a acidente. Röhrl continuou na Audi em 1986, embora a marca estivesse já a pensar no Grupo S, mas foi apenas quarto no Monte Carlo, deixando bem claro que tanto o Lancia Delta S4 como o 205 Turbo 16 Evo2 eram os carros a bater.

E, infelizmente, a época terminou mais cedo para a marca germânica quando se deu a tragédia da Lagoa Azul no Rali de Portugal. Walter, tal como todos os pilotos de fábrica, abandonaram o Rali após a ronda de Sintra em protesto contra a incapacidade da organização em lidar com o público que ladeava a estrada aos magotes, e a Audi optou por retirar-se temporariamente da modalidade, considerando que os acidentes crescentes atribuídos aos Grupo B seriam negativos para a sua imagem. Ainda pior, a morte de Henri Toivonen na Córsega só veio dar razão aos homens de Ingolstadt, mas a decisão da FISA em banir os Grupo B no final do ano e cancelar o regulamento de Grupo S foi um golpe fatal nas ambições da Audi em continuar nos ralis.

Com os Grupo A como categoria principal, a Audi ainda tentou investir no WRC em 1987 com os pesados e compridos Audi 200 Quattro, e tanto Röhrl como Mikkola permaneceram na equipa. No entanto, cedo se viu que os Lancia Delta HF 4WD estavam ‘muitas milhas’ à frente, e que a frágil oposição mais facilmente viria dos pequenos carros com tração às duas rodas do que dos Audi, que se focaram apenas nas provas mais duras – no Safari conseguiram a dobradinha, com Mikkola na frente de Röhrl, com o alemão a desistir depois na Acrópole. Mas a Audi estava já de olho no seu programa de pista, destinado ao campeonato IMSA e Trans-Am, e decidiu deixar de vez os ralis. Apesar dos seus começos complicados, Röhrl tornou-se num fiel homem de Ingolstadt, e decidiu abandonar a modalidade com a marca, obtendo uma última vitória em casa no ADAC- 3 Städte Rallye, para se dedicar à pista.

Mas, ainda antes de deixar de vez as competições de estrada, Röhrl levou uma versão ‘vitaminada’ do Sports Quattro S1 E2 a Pikes Peak, para bater o

recorde da mítica rampa americana, sendo o primeiro a cumprir o traçado em menos de onze minutos. Walter Röhrl era um homem bastante complexo. Por detrás de toda a sua frieza e polémica, estava um piloto que tinha um talento ímpar e a consciência das suas capacidades, mas que sonhava com a perfeição. Assim, todo o seu imenso trabalho tinha como objetivo maximizar essas capacidades, e para tal, Röhrl preferia de longe especializar-se nos ralis em que se sentia mais à vontade do que disputar calendários completos.

Aliás, isto era muito normal no WRC até ao início dos anos 90, mas Walter ficou conhecido pela sua tradicional aversão a algumas provas, a começar pelos ralis africanos e a acabar no RAC – que era disputado com percurso secreto e, consequentemente, favorecia os pilotos locais – nunca fazendo também os 1000 Lagos por este último motivo. Era também um indivíduo que detestava perder tempo com operações de marketing e relações públicas, preferindo de longe acabar o seu trabalho dentro do carro e partir de imediato para a sua Alemanha natal, para esquiar e descansar junto da sua mulher.

Tudo isto tornava-o numa pessoa algo inacessível e mais distante para o público que os seus contemporâneos, o que, aliado à franqueza das palavras, lhe conferiu uma fama de arrogância. Um adjetivo por demais exagerado. Röhrl passou para as páginas da história – tanto para adeptos, como jornalistas e membros de equipas – como um dos melhores pilotos de ralis de todos os tempos.

Walter Rohrl e as pistas

Só nos anos 70 é que os pilotos de ralis se começaram a especializar nas provas de estrada. Até lá, era bastante comum ver as maiores estrelas da disciplina a competir também em turismos e sport-protótipos, e não foram poucos os pilotos que fizeram parte da sua formação nas pistas e em rampas. No entanto, Röhrl cresceu exclusivamente nos ralis e só em 1975 é que fez a sua estreia em circuitos, correndo ao volante de um Opel da Irmscher nas 24 Horas de Spa, ao lado do seu então colega de equipa ocasional, o finlandês Rauno Aaltonen – cuja carreira, aliás, tinha sido imensamente versátil desde a adolescência. Ainda com a Opel, Röhrl faria parte da temporada de 1976 do Campeonato Alemão de Turismos (à época, DRM), e em 1977 repetiria o programa, desta vez com um BMW 2002 Turbo. Mas o grande salto para os principais palcos nos circuitos deu-se depois de assinar com a Fiat quando, em 1979, Cesare Fiorio o convidou para um programa parcial no Mundial de Endurance ao volante dos possantes Lancia Beta Montecarlo de uma equipa semioficial, e Walter não desapontou, obtendo como melhor resultado um quinto lugar nas 6 Horas de Brands Hatch, partilhando o carro com Patrese. A sua enorme capacidade de adaptação fê-lo tornar-se parte integrante da equipa oficial na temporada seguinte, quando o WEC estava entregue a uma luta entre a Porsche e a Lancia. Röhrl fez quase toda a temporada e estreou- se a vencer em Brands Hatch, novamente ao lado de Patrese, e foi também segundo em Mugello, terceiro em Monza e quarto em Silverstone e Mosport.

Quando se ligou à Porsche em 1981, Röhrl rapidamente apontou também às pistas, já que não tinha programa no WRC. Ao volante de um Porsche 935 da Vegla Racing, Röhrl venceu as 6 Horas de Silverstone, juntamente com Harald Grohs e Dieter Schornstein, estreando-se nesse mesmo ano nas 24 Horas de Le Mans com um 944 da equipa oficial, correndo com Jürgen Barth e terminando em sétimo e primeiro na sua classe. Com o regresso a full-time ao WRC em 1982, a carreira de Röhrl nas pistas ficou definitivamente parada até à saída da Audi do Mundial de Ralis em meados de 1987. A equipa estava em vias de desenvolver uma espetacular versão do 200 Quattro para o campeonato Trans-Am, estreando-o em 1988, e Walter venceu de imediato duas provas, em Niagara Falls e St.Petersbourg. E, no ano seguinte, a Audi apresentou o modelo 90 Quattro destinado às provas de IMSA, na classe GTO. De imediato o modelo demonstrou capacidade para andar na frente e, embora Röhrl tivesse sido essencialmente piloto de desenvolvimento, venceu uma das poucas provas que fez, os 500 Km de Watkins Glen. Para 1990, o alemão regressou à Europa para, sempre ligado à Audi, fazer o conceituado campeonato DTM com a Schmidt Motorsport, mas os resultados não foram tão espetaculares, e no final de 1991 Röhrl abandonou aquele campeonato e a sua longa ligação à Audi, passando, no entanto, para uma marca do mesmo grupo – a Porsche. A partir daqui, Walter correu ocasionalmente nas provas da Supercup e na Endurance, brilhando brevemente na IMSA em 1992 antes de regressar a Le Mans em 1993 com um Porsche 911 Turbo SLM de fábrica, tendo desistido.

De destacar a sua performance nas 24h de Nürburgring em 1992 quando, mediante um nevoeiro cerrado, Röhrl rapidamente se assumiu como um dos mais rápidos em pista, já que adorava aquelas condições, comportando-se como um digno herdeiro do Niebelmeister (Mestre do Nevoeiro) Bernd Rosemeyer, até que o agravamento das condições forçou a interrupção da prova. No final de 1994, Röhrl deixou de vez as competições para se dedicar ao seu papel de embaixador e piloto de desenvolvimento da Porsche, posição que ocupa até aos dias de hoje.

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