Entrevista Chip Ganassi: “O desporto motorizado é como uma droga”

Depois de vencer tudo o que havia para ganhar nos Estados Unidos, Chip Ganassi quer agora arrebatar o panorama europeu devolvendo mais vezes a Ford aos triunfos nas 24 Horas de Le Mans. O AutoSport falou com ele…

Chip Ganassi

À sua frente está apenas Roger Penske, com cinquenta anos de um percurso incrivelmente vitorioso. Mas Floyd ‘Chip’ Ganassi, Jr. conta com menos duas décadas no desporto motorizado, e desse modo está mais do que a tempo de recuperar o ‘terreno’ perdido. De visita à Europa, o ‘big boss’ de Pittsburgh falou em exclusivo com o AutoSport sobre esta presença europeia, as diferenças entre o automobilismo dos dois países, e aquilo que mais gosta e o atraiu para o desporto. Revelou ainda que este tipo de corridas está nas suas origens de quando era piloto, tendo participado nas 24 Horas de Spa em 1980:

Teve uma carreira de enorme sucesso e em cada programa em que se envolve o objetivo é sempre o mesmo: vencer. Haverá outra razão?

Qualquer proprietário, em qualquer desporto – não me interessa o desporto – irá dizer-te que não existe outra razão para fazer parte dele. É tudo o que tu retiras daqui: as vitórias, um troféu ou um anel de vez quando em vez. Não o fazes por causa do dinheiro. Feliz ou infelizmente, o desporto motorizado é uma droga. Pode ser a droga mais poderosa do mundo. Como tu sabes, pode levar-nos ao mais alto e ao mais baixo dos patamares. E é isso o que nos fascina. É o seu carácter competitivo. Alguém uma vez disse que os jogos mais competitivos atraem as equipas mais competitivas. É por isso que estamos aqui.

Falou em drogas. Lembra-se da primeira vez em que ficou realmente viciado nas corridas? O que o trouxe para este universo em primeiro lugar?

Eu era uma criança pequena, talvez com quatro ou cinco anos, e o miúdo que vivia do outro lado da rua tinha um kart. As nossas estradas intercalavam-se e eu costumava ficar no passeio a olhar para os carros enquanto ele passava para cima e para baixo. E eu ficava a salivar com aquilo, para aquela imagem dele com o seu kart. Nesses dias nem sequer se usava capacete. Via o cabelo dele a esvoaçar à medida que ele ia depressa… Era apenas o resultado do que se passava no mundo nessa altura, no início dos anos 60. As pessoas queriam era saber de carros. E eu acabei por me tornar no homem mais sortudo do mundo. Comecei com karts, passei para motocross, motas de neve, veículos de TT e depois para os fórmula. Estava a correr com eles pela altura em que tinha 18 anos, o que foi bestial.

Então sabia já nessa altura que era o que queria fazer da sua vida?

Sabes, as pessoas vêm ter comigo constantemente e dizem-me: “Podes falar com o meu filho?” E eu digo: “Sim, claro. O que se passa?” “Bom, ele não sabe o que quer fazer da vida. E eu gostaria que tu lhe desses uma palavra.” E eu digo: “Sabes, ele não vai querer falar comigo, porque eu nunca estive numa posição em que não sabia o que queria fazer da minha vida. Desde o início que eu sabia exatamente o que queria.” E sabes que mais? Estou a fazê-lo.

Falou nos anos 60. E nos anos 60 obviamente que houve um entusiasmo muito grande quando a Ford disse que queria ir a Le Mans bater os Ferrari. Alguma vez imaginou que cinquenta anos depois iria estar a liderar a equipa rumo a esse objetivo, que concretizou?

Claro que me lembro, embora há cinquenta anos eu tivesse apenas sete ou oito anos. Mas por outro lado nunca poderia tê-lo imaginado. Ninguém poderia.

Mas imagino que retire um enorme prazer por estar a liderar a equipa…

A satisfação que eu retiro sucede quando em apercebo que estou a realizar um objetivo e a fazê-lo com pessoas em que acredito. Tenho a sorte de ter grandes indivíduos junto a mim que tornam tudo mais fácil.

Foi duplamente atraente para si pensar em vencer Le Mans e bater a Ferrari?

Sabes, isso era apenas uma questão para a Ford. Eu sou apenas um corredor. Para mim os adversários ou concorrentes são apenas isso: concorrentes. Não interessa se são vermelhos, amarelos ou verdes. Obviamente que é bom ter um conhecimento da história e uma rivalidade. É o que torna o desporto tão entusiasmante. Mas eu não olhei apenas para a Ferrari pois temos que os bater a todos.

Não foi um problema para si estar envolvido com um grande construtor numa competição e com outro [Honda, na Indycar] noutra?

Existem muitos concessionários que fazem isso (risos). Gosto de pensar que sou frontal e honesto com todos, e que não lhes escondo nada quanto aos meus planos.

Muitas pessoas falam sobre as diferenças na competição nos EUA e na Europa, sobretudo na ligação com os fãs. Reconhece o WEC como um campeonato muito profissional que também está a evoluir nesse aspeto?

Bom, o WEC é certamente um campeonato de muito sucesso. Mas penso que nos EUA as coisas são mais simplificadas. Durante quantos anos tiveste na Europa os ingleses contra os franceses, os alemães, os italianos? Cada um tinha o seu sabor de carro e havia muito nacionalismo à conta disso. Portanto tinhas um desporto que, me parece, foi desenvolvido com muito nacionalismo, e com a mentalidade de ‘o nosso carro é melhor do que o vosso carro’. Era um desporto potenciado e motivado pela indústria. Nos EUA, as corridas eram motivadas pelos fãs, porque éramos apenas um mercado. Não tínhamos esta situação de ‘nação contra nação”’. Partilhávamos uma identidade comum, portanto tínhamos que pôr um ‘show’ em movimento para que as pessoas quisessem olhar para o desporto. As corridas europeias, embora populares nos EUA, nunca foram assim tão populares até se juntarem nos anos 70 com os tipos das ovais, começando a realizarem-se em lugares que tinham muitas pessoas. Foi realmente isso o que trouxe as corridas para a era moderna, chamemos-lhe assim. Portanto, as corridas nos EUA sempre tiveram como base os fãs, enquanto na Europa era a indústria. Isso é evidente aqui a um certo nível. Olha para todo este envolvimento de fábrica… É ótimo. É muito bom. Só que nos EUA é substituído pelos fãs. Ambos alimentam o desporto. Então precisamos dos dois.

Quais são os grandes desafios das duas filosofias?

Como proprietário de uma equipa, a única coisa que eu peço é um tipo de competição que esteja nivelada, que seja igual para todos. Portanto, esta era do Balance of Performance – BOP em que nos encontramos é ainda algo a que tenho de me habituar um pouco mais. Algo que preciso de compreender. Para mim é um grande desafio. Mas como disse anteriormente, os jogos mais competitivos atraem as equipas mais competitivas. Portanto está tudo bem.

Houve muitas eras douradas das corridas de endurance. Descreveria que esta se enquadra nessa caracterização?

Sim. Penso que estamos à beira de um período em que os construtores de automóveis chamaram para si o protagonismo se concordares que são elas que estão a alimentar o negócio em oposição aos produtores de tabaco ou de bebidas alcoólicas. Penso que estamos numa fase em que esses fabricantes disseram: “queremos correr com carros construídos por nós e com as tecnologias em que estamos envolvidos”. É o que estamos a ver agora e é por isso que tens os construtores de automóveis aqui. Portanto é algo positivo para o desporto.

Há alguma disciplina que goste mais?

Se me perguntares quais são os meus interesses dir-te-ei que é da bandeira verde à bandeira de xadrez. Gosto de perceber todos os pequenos detalhes. Quase que o caracterizaria como colocar uma tarte no forno. A minha mãe costumava fazer tartes e para isso tinha que juntar todos os ingredientes e depois de certa forma colocava a tarte no forno, aumentava a temperatura e tinha que esperar para ver o que acontecia. É um pouco o que as corridas são para mim. Trabalhas muito para juntares esses componentes, sejam motores, pneus, engenheiros ou pilotos. Juntas estas coisas e esperas para ver o que acontece. Esse é o meu interesse e existem muitas semelhanças nas três ou quatro fórmulas em que estamos inseridos como equipa. Penso que a filosofia é a mesma.

É por isso que é um crítico do BOP?

Não é nenhum segredo que quando apareces aqui e estes carros são apenas 0,3s segundos mais rápidos do que um GT3 numa corrida de 24 Horas isso acaba por ser um pouco parvo. Portanto podes dizer que todos estão a jogar um jogo de uma forma ou de outra. Penso que é uma grande perda de energia. Tem que haver uma forma melhor.

Qual é a sua opinião do percurso tecnológico que as corridas europeias têm seguido, com os híbridos e a profusão de sistemas elétricos?

É uma boa questão. Mas não sei se tenho uma boa resposta para ti. Penso que muitos dos que se encontram aqui crescemos numa era em que só havia um ou dois tipos de veículo que podíamos conduzir. Um gasolina e um Diesel. E é óbvio que nos próximos dez anos as opções serão outras: hoje já tens elétricos, híbridos e veículos a gás. Dentro de alguns anos terás dez ou doze tipos de veículos, e todos terão algo específico que fazem bem, enquadrando-se num nicho de mercado. Estamos todos à espera que um ‘dispare’.

Esta era tecnológica é algo que o atrai?

Deixa-me dizer-te o seguinte: penso que é algo que vai afetar toda a gente neste paddock. E todos neste desporto. Temos que ter muito cuidado em não adotar algo que depois não seja aceite por fãs e construtores. No entanto, acredito que estamos numa fase muito interessante ao nível dos organizadores, construtores e público.

Mas do ponto de vista romântico, preferiria ter as coisas mais simplificadas? Só gasolina ou Diesel?

Se começares a pensar do ponto de vista romântico sobre as corridas vais ficar para trás muito depressa. “Ah, eu gostava de voltar atrás, tirar toda a aerodinâmica ou voltar a pneus com sulcos…” Esses dias há muito que ficaram no passado.

Com isso em mente acredita que as políticas estão melhores ou piores?

Estão cada vez mais complexas, e é assim em toda as facetas da vida, está cada vez mais complexas. Eu e o Mike Hull [responsável programa Indycar] tentamos apenas abordar um dia de cada vez e fazer o melhor que conseguirmos com o que nos dão para trabalhar. Essa é a nossa atitude.

A Ford antes corria com um V8 e agora fá-lo com um V6 turbo. Qual é o seu sentimento em relação a isso?

Certamente que em alguns circuitos gostaria de ter um V8. Noutros não é um problema. Novamente, esse não é o meu departamento. A minha função é preparar e inscrever os carros, e extrair o máximo deles. O que a fábrica me der para correr é aquilo com que eu vou para as provas. Depois, quantos V8 estão aqui parados [no paddock ou nos parques atrás das bancadas] em comparação com os outros modelos?

Deduzo nesse caso que não é o tipo de pessoa que olha para o passado…

Digo sempre às pessoas que estes são ‘os bons velhos tempos’.

O que o atrai mais: vencer ou o desafio?

São certamente os desafios. Desde os cinco anos de idade que corro em alguma coisa, portanto às vezes até sinto que não há muito mais que eu pudesse fazer. Tenho a certeza que há e que se dedicasse apenas metade do esforço a outra atividade seria bem-sucedido. Mas isto é o que eu gosto de fazer. Tenho aqui toda esta equipa e funcionários, e de alguma forma estou numa pista de corridas todos os fins de semana. Mas sinto que nunca trabalhei um dia nesta indústria. Adoro-a. É uma paixão.

No futuro não iremos vê-lo num campo de golf, retirado?

Não acredito.

Qual foi a decisão mais difícil que teve de tomar enquanto dono de equipa?

Foi uma decisão fácil, mas difícil de implementar. No fundo foi ter a atitude, a meio dos anos 90, de que iríamos ter dois carros nº1 e não um piloto nº1 e um nº2. E que nesses carros iríamos ter dois motores exatamente iguais, quando tínhamos a hipótese de ter um motor de fábrica da Honda Japão num dos carros e um motor americano da Honda no outro. Disse-lhes: “Deem-me apenas dois motores iguais, não quero saber de onde vêm.” Ao que me responderam que só tinham um japonês, e que aquele era o melhor. “Podes dar essa a outra pessoa então”, respondi. Eu não queria ter uma equipa bifurcada. Queria ter uma equipa. E a única forma de consegui-lo era ter dois carros com o mesmo motor. Então ficámos com dois motores americanos e ganhamos o campeonato na mesma. Terminamos em primeiro e segundo, com o Alex Zanardi e o Jimmy Vasser, e batemos o piloto que ficou com o motor japonês, o [Gil] de Ferran, que terminou em terceiro.

O Alex Zanardi tem-no em grande consideração e do que percebi o sentimento é mútuo. De todos os pilotos com quem trabalhou ele é aquele que mais o surpreendeu na vontade de vencer?

Penso que não é tanto surpresa. Só de conhecê-lo ao longo dos anos… Dizer que o Alex Zanardi é apenas um piloto de corridas não faz justiça ao homem. Olhas para algumas pessoas como pilotos, para outras como bons pilotos e para outros como grandes pilotos. E o mesmo com o seu carácter. Existem boas pessoas e grandes pessoas. E eu claramente colocá-lo-ia no ponto mais alto da categoria das pessoas. Não é mesmo sobre as suas capacidades enquanto piloto. É sobre o tipo de pessoa que ele é.

Para terminar, qual foi o momento que lhe deu maior satisfação nestes 30 anos ao serviço do desporto motorizado?

Provavelmente o ano de 2010. Penso que tínhamos sete pilotos em diferentes categorias e todos eles venceram. As pessoas que olharem para 2010 vão dizer que eu fui o único tipo a vencer as Daytona 500 e as Indianapólis 500 no mesmo ano, e apenas o segundo a fazê-lo atrás do [Roger] Penske. E depois vencemos as Brickyard 400 e as 24 Horas de Daytona, tudo no mesmo ano. Nunca ninguém fez isso. Mas o mais importante para mim é que todos os nossos pilotos encontraram a ‘victory lane’ nesse ano. Diz mais sobre a minha equipa do que vitórias individuais.

Chip Ganassi (2)

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