Neste dia, há 38 anos: 5/03/1986, Dia Negro para o Rali de Portugal e automobilismo

Por a 5 Março 2024 17:45

Foi neste dia, há precisamente 38 anos, o primeiro dia do resto da vida do Mundial de Ralis. Depois do acidente da Lagoa Azul, as mortes de Henri Toivonen e Sergio Cresto na Córsega, dois meses depois, foram a gota de água e o ponto de partida para uma série de mudanças que marcaram a história da disciplina. 30 anos depois, vamos recordar em detalhe o que ali se passou, visto por diversos intervenientes na ação, cada um deles em pontos distintos da Serra de Sintra.

O dia 5 de março de 1986 ficará para sempre marcado na história do Mundial de Ralis, como um ponto de viragem fulcral na história da modalidade. O ano de 1986 tinha tudo para ser épico, mas uma série de acontecimentos que teve início no Rali de Portugal e epílogo na Córsega, deixou uma marca irreparável. Quando a FISA pensou nos regulamentos do Grupo B, nunca pensou que a escalada de tecnologia e potência dos carros atingisse o nível a que chegou e se para os espectadores a emoção proporcionada por aqueles autênticos monstros era pura adrenalina, ao mesmo tempo em que a potência dos motores disparava, o público queria envolver-se cada vez mais com a ação, deixando ainda menos espaço para que os pilotos ‘domassem’ as suas máquinas bestiais. Até 1985 os principais Grupos B andavam ‘tresmalhados’, em testes, iam a algumas provas, outras, não, e só no Rali de Monte Carlo de 1986 o plantel se alinhou quase todo em perfeita sintonia. Com os pisos cheios de neve e gelo, o Monte Carlo não foi o rali em que os pilotos tiveram mais problemas, pois havia público, mas andava-se globalmente devagar. Muito menos na Suécia, com as suas estradas cheias de neve e os adeptos lá bem longe. Foi na primeira etapa do Rali de Portugal de 1986 que tudo o que os pilotos temiam se ‘conjugou’. Troços de asfalto em que os poderosos Grupos B poderiam colocar no chão toda a potência dos seus imponentes motores, e público a balizar a estrada, como nunca se tinha visto na história do Mundial de Ralis. O perigo era eminente e o inevitável veio mesmo a acontecer…

A PREVISÍVEL TRAGÉDIA

Desde que em 1980 a Audi introduziu o Quattro que o mundo dos ralis depressa começou a perceber qual era o caminho para vencer. O tempo dos espetaculares carros de tração traseira estava a terminar, a era dos fabulosos Ford Escort RS e Fiat 131 Abarth também já lá ia, e o Lancia 037 Rally era mesmo o último dos ‘Moicanos’, capaz de vencer em condições especiais, especialmente no asfalto, em que a leveza e maneabilidade do carro ainda ditava a lei. Mas cada vez mais os quatro rodas motrizes se impunham e numa prova de terra era quase completamente impossível um carro de duas rodas motrizes vencer salvo raríssimas exceções como o Rali Safari, uma prova muito específica, e por isso depois da Audi e Peugeot, a Lancia converteu-se à tração total, com a Austin Rover, Citroën e a Ford também a aderirem à nova fórmula.

O nascimento a conta-gotas dos Grupos B encaminhou o Mundial de Ralis para uma autêntica época de ouro e a aquelas obras-primas da engenharia automóvel, que chegavam em alguns casos aos 500 cv de potência, atingiam os 100km/h em apenas 3 segundos, eram de tal modo brutais que os melhores pilotos do mundo começaram a duvidar poder ter sempre o controlo total de tais máquinas. A tempestade perfeita estava a preparar-se e na Serra de Sintra daquele dia 5 de março, juntaram-se várias centenas de milhar de adeptos, falou-se em 500.000, a grande maioria deles perfeitamente indiferentes ao perigo que corriam. Talvez não fosse indiferença, mas a sua atração pelo perigo era indesmentível. Nos anos anteriores, no Rali de Portugal eram muitos os exemplos desse ‘folclore’ dos espetadores, o que era inclusivamente uma imagem de marca da prova.

O Rali de Portugal tinha a melhor equipa organizativa, a prova gozava de um invejável prestígio junto dos construtores, pilotos e comunicação social, e por isso César Torres fechava um pouco os olhos à maioria dos excessos, pois esse era também um dos grandes encantos do evento. César Torres estava ciente dos perigos que se corriam, mas há que dizer também que as Marcas gostavam daquela envolvência do público. Não havia outro rali assim!

MEIO MILHÃO EM SINTRA

Em Sintra, a mole humana nunca antes vista emoldurava a Serra. As escolas do Distrito de Lisboa ficaram ao abandono, os locais de mais fácil acesso estavam perfeitamente lotados, e com o que era possível ver, ou tudo corria na perfeição, como em todos os anos até ali, ou algo de grave poderia suceder.

Todo o troço da Lagoa Azul estava perfeitamente apinhado de gente. Era claramente o mais acessível. No primeiro quilómetro da estrada que liga o Linhó à Malveira da Serra o povo fazia de parede, em muitas zonas minimamente bem protegido, mas noutros locais, totalmente exposto. O primeiro ponto de dificuldade mais sensível era a famosa curva da água, uma esquerda semi rápida a descer, onde se juntava ainda mais gente que o normal. O troço descia mais um pouco, sempre com gente a ladear a estrada, e na zona do cruzamento do Rio da Mula, facilmente acessível através da estrada de Alcabideche, novos magotes de gente. Em toda a subida até ao final do troço, o ‘filme’ não mudou muito, mas aí as coisas eram menos dramáticas que na fase inicial do troço. Ainda assim, demasiados vultos para o que ‘aí vinha’.

O troço da Peninha, muito estreito do princípio ao fim, tinha imensa gente na fase inicial, mas com o passar dos quilómetros, o povo era mais escasso, pois para ali chegar era preciso palmilhar quilómetros. O célebre gancho antes do cruzamento dos Capuchos era ponto de encontro, e aí havia milhares de pessoas. Mais à frente, a zona onde Markku Alen perdera uma roda do seu Fiat 131 Abarth uns anos antes e o conhecido salto eram palco para mais uns quantos milhares, isto num troço absolutamente sem espaço para ter gente na beira da estrada.

Mas tinha, e muita. Nos quilómetros seguintes entrava-se na única zona do troço em que era possível fotografar os Grupos B sem a presença de um único espetador, e há fotos que o provam, era a zona do Rotary Club. Contudo, em nenhuma outra zona do troço da Peninha, nada era tão mau quanto uma esquerda já perto dos ganchos do final. Mais uma vez, os locais perto do princípio ou do fim dos troços eram os mais facilmente acessíveis.

Quem conhece o troço da Peninha sabe a velocidade a que os pilotos chegam a esta esquerda, e as imagens que se conhecem desse local são simplesmente aterradoras, com estes a cortarem por completo a curva e os espectadores de fora da curva bem dentro do asfalto. Os Grupos B faziam esta zona quase a 200 km/h, travando ligeiramente, porque de seguida, tinham outra reta. Já o troço de Sintra, claramente o menos perigoso dos três devido a sua sinuosidade. Na parte inicial, bem rápida, era também a menos acessível, e por isso o público aí estava longe de ser o mesmo que alguns quilómetros mais à frente. Desde o cruzamento dos Capuchos, entrando na zona de muros até ao final da Rampa da Pena, havia tanta gente quanto na Lagoa Azul, simplesmente bem menos exposta porque a paisagem natural daquela zona da Serra servia como escudo protetor.

FESTA ESTRAGADA

Tudo estava preparado para um espetáculo épico. Alguns conheciam bem os riscos do que poderia acontecer, mas poucos estavam preparados para viver um dia que marcou o início do virar da história. Pouco depois do arranque do espetáculo, na classificativa da Lagoa Azul, troço de abertura da edição de 1986, Joaquim Santos não conseguiu evitar uma saída de estrada, resultando daí três vítimas mortais e três dezenas de feridos. Os pilotos oficiais, que chegaram a assumir o medo de correr nas classificativas portuguesas, com carros tão potentes perante um público inconsciente, recusaram-se a continuar em prova.

Não era novidade para ninguém, há muito que pilotos e comunicação social alertavam para a possibilidade, tendo em conta o que se via todos os anos, mais cedo ou mais tarde um acidente com graves consequências iria ensombrar o Rali de Portugal. Aconteceu ali, como poderia ter acontecido nas muitas vezes em que os ‘heróis’ que gostavam de tocar nos carros, nas traseiras que deslizavam a centímetros dos seus pés, um dia a ‘coisa’ haveria de correr mal. Foi na Lagoa Azul como poderia ter sido em qualquer outro local do Rali de Portugal.

Deu-se o acidente e muitos perceberam de imediato que nesse momento Sintra estava a ‘despedir-se’ do Campeonato do Mundo de Ralis. Seria inevitável que o palco de tantos dias de festa se ria remeter ao mais profundo silêncio. Os pilotos de fábrica reuniram, e decidiram não continuar numa prova. Com a desistência das equipas de fábrica, Joaquim Moutinho, que decidiu prosseguir com o Renault 5 Turbo, tornou-se no único português a vencer uma prova do Mundial de Ralis. Os Acontecimentos daquela manhã foram um rude golpe no prestígio que o rali alcançara em duas décadas de vida. César Torres sabia que a imagem da prova ficara muito ferida, mas como era seu timbre, não baixou os braços. Recolhendo os ensinamentos que as coisas más sempre trazem, rapidamente olhou em frente, procurando o caminho que devolveria a alma ao Rali de Portugal… No Mundial de Ralis, o que se passou naquela manhã foi a primeira grande ferida na competição e o pretexto certo para os pilotos fazerem perceber quem de direito que algo não estava bem. O que aconteceu dois meses depois, com a morte de Henri Toivonen e Sérgio Cresto no Rali da Córsega foi a gota de água, que levou a uma autêntica revolução nos ralis. “Cheguei a testar o Lancia ECV, o protótipo que estava a ser preparado para a geração seguinte dos Grupos B, que tinha 850 cv, e de repente, pouco depois de ter terminado o Mundial de 1986, estava na Finlândia a testar o Lancia Delta HF 4WD com pouco mais de 200 cv! Foi um impacto demasiado brutal, mas um mal necessário, pois nada podia voltar a ser como dantes”, contou-nos uma vez Markku Alen.

https://youtu.be/tBI3vR7291g

CRONOLOGIA

00:00 Desde o dia anterior que os troços de Sintra já tinham gente a acampar. Não era muito habitual em Sintra, mas a especial edição de 1986 que se preconizava levou a que o interesse desta prova fosse muito maior que em anos anteriores. A Serra de Sintra estava a ‘preparar-se’ para receber mais de 500.000 pessoas. 06:00 Alexandro Dâmaso tinha 17 anos e foi um dos acidentados. Connosco, recordou as horas que antecederam um dos momentos mais complicados da sua vida: “Ir ao Rali de Portugal era a concretização de um sonho, pois tinha uma grande paixão pelo desporto motorizado. Fui com dois colegas da Fonseca Benevides, em Alcântara. Fomos de comboio para Cascais e para a Lagoa Azul à boleia. Ainda era de noite, mas já havia muita gente na estrada. 7:20 Alexandre Dâmaso chegou à Lagoa Azul, e ‘assentou praça’ ao km 2,52 do troço: “Foi onde encontramos espaço, via-se parte da descida e o começo da subida, pareceu um bom local para ver os carros a passar. Não houve muita animação, pois também não havia muito espaço.”

07:30 Este vosso escriba, José Luis Abreu, andava há cerca de um ano com um novo grupo de amigos, muito virado para o heavy metal e a música ‘pesada’, mas que tinham também uma paixão por outro tipo de música. Os motores dos carros de ralis. Na altura, eu ainda não tinha ‘descoberto’ a modalidade, mas fui ganhando interesse. Foi precisamente no dia 5 de março de 1986, a primeira vez que fui ver ao vivo o Rali de Portugal, e logo os monstruosos Grupos B. Estava longe de perceber o que iria assistir naquele dia. Chegado à Rampa da Pena, já tinha estado no ‘velho’ Estádio da Luz em jogos com bem mais de 120.000 pessoas e nunca vira tanta gente junta. Gancho após gancho, não havia dez centímetros de espaço para ficar. Cheguei ao cruzamento do palácio, havia gente por dentro, por cima, por baixo, encostada aos muros. Foi uma loucura. Fiquei por ali na direita anterior.

7:36 Eduardo Portugal Ribeiro foi durante vários anos Diretor do Rali de Portugal, e em 1986 já era um dos elementos mais próximos de César Torres. Dele, ouviu muitas vezes o que era ter ‘aquele’ público no Rali de Portugal: “O Rali de Portugal era uma moldura humana que não se via em mais parte nenhuma do mundo. Muitas vezes falava com o César Torres que havia pressão dos Construtores, nomeadamente da Ford, para manter Sintra. Em 1986, aqueles Grupos B com ‘aquele’ público à sua volta o espetáculo era elevado à potência. Falávamos sobre isso, sabíamos que podia acontecer um acidente, mas ao tirar Sintra o Rali de Portugal esvaziava-se.” Neste rali, preparava-se para dar as partidas aos concorrentes no pódio do Estoril.

8:03 Fernando Batista era o ‘piloto’ de César Torres, Diretor de Prova, com ele no carro ia ainda o Manuel Coentro. A missão era ‘abrir’ a estrada, e ver se estava tudo no sítio: “Quando chegámos à Lagoa Azul era assustador, a multidão era tanta. Estávamos com os nervos à flor da pele, face à multidão, tínhamos a noção dos perigos que se corriam, mas o público era incontrolável.”

8:17 Dentro do carro com Fernando Batista e Manuel Coentro, César Torres tinha a noção perfeita dos riscos que se corria e estava preocupado, pois nunca vira tanta gente em Sintra. No troço da Peninha, parou numa zona com grande aglomeração de gente, e advertiu um GNR, que não estava a conseguir manter as pessoas afastadas da estrada, depois dirigiu-se aos espectadores: “Ouçam lá, vocês quando vão ver futebol, também vão para dentro do campo?”. As pessoas afastaram-se, ele era muito respeitado…

8:34 Rui Reis é um conhecido fotógrafo da nossa praça e a exemplo de vários outros também estava no dia 5 de março de 1986 em Sintra, mais precisamente no final do troço da Lagoa Azul. Tinha 16 anos: “Finalmente chegava a prova com que eu sonhava todos anos, e que pela primeira vez ia acompanhar na totalidade com o meu irmão. Fui a pé de casa, cerca de 8 km para as últimas curvas da Lagoa Azul. Quando lá cheguei, nunca tinha visto tanta gente nos ralis. Pouco passava das 9:15, passou o Timo Salonen já sem a proteção do motor. Depois de deixarem de passar carros, surgiu a notícia via rádio que o Ford RS200 da Diabolique tinha saído da estrada algumas curvas antes do meu local.”

07:58 Um jornalista perguntava a Walter Röhrl ainda antes da partida do Estoril: “E os espectadores?” Walter respondeu: “É uma coisa que me assusta, é algo que tenho realmente medo. Se algo acontecer pode ser um grande desastre!”

07:59 Malcolm Wilson: “Tenho a certeza que o público será um grande problema, mas penso que vão estar sobre grande controlo em Sintra e locais como esse. Mas é uma zona crítica.”

8:00 Bento Amaral, piloto na altura, era entrevistado para uma TV estrangeira. Perguntaram-lhe: “Há imensa gente ao longo dos troços, não acha que isso é perigoso?” A resposta foi… profética: “É demasiado perigoso! Eles não imaginam o perigo por que passam.”

9:00 No centro nevrálgico do rali aguarda-se ansiosamente o início da festa. Nunca tanta gente rumou a Sintra para ver passar o Rali de Portugal

9:02 Do lado de lá da Serra, no início do troço de Sintra, estava Jorge Cunha, um dos fotógrafos que colaborava com o AutoSport, e que depois de ter rumado inúmeras vezes à especial da Lagoa Azul, desta feita preferiu ir para o início do troço de Sintra, uma zona bem mais calma, já que ficava no pólo oposto donde seria previsível o público afluir com muito maior adesão. Daquele lado da Serra só quem viesse dos lados das povoações limítrofes: “Já tinha ido muitas vezes para a Lagoa Azul, mas o que lá vi noutros anos levou a que preferisse fugir das zonas com demasiado público. Algo me dizia que podia acontecer qualquer coisa a qualquer momento.”

9:10 Timo Salonen é o primeiro a preparar-se para sair para a estrada. Junto ao marco da estrada que assinala o quilómetro 1 da Estrada Nacional 9-1, o seu Peugeot 205 Turbo 16 Evo 2 já ali estava praticamente engolido por um mar de gente. A amálgama era tanta que se estendia centenas de metros antes do controlo horário de partida. E continuava a chegar gente. A atmosfera era tensa, pois se os espetadores estavam perfeitamente indiferentes ao perigo do que ali se preparavam para viver, entre os principais pilotos do Mundial o que ali viam não augurava nada de bom.

9:15 Walter Röhrl acabara de imobilizar o Audi Sport Quattro E2 junto ao marco da estrada que assinala o quilómetro 1. Enquanto aguardava a contagem decrescente para a partida, conferia a colocação dos cintos de segurança, enquanto o seu navegador, Christian Geistdörfer, antevia os metros iniciais do troço com a ajuda do caderno de notas. Passavam alguns minutos das nove da manhã e a classificativa da Lagoa Azul abria as hostes da edição de 1986 do Rali de Portugal. Quando o comissário levantou a bandeira, o carro número 3 arrancou, sentindo-se no estremecimento do asfalto a força dos seus 500 cv.

Em poucos segundos, supera os 100 km/h e após negociar a primeira direita, a dupla de pilotos depara-se com o mar de gente que povoa o troço. Milhares de espectadores contornam a estrada que liga a Lagoa Azul à Malveira da Serra, muitos deles em cima do alcatrão, incitando ou fotografando os seus ídolos.

9:16 Alexandre Dâmaso lembra-se bem do primeiro carro, o Peugeot de Timo Salonen: “Recordo-me do barulho a descer a rampa, das pedras a voar por todo o lado. Sentia o calor do carro. O barulho era enorme quando o turbo começava a descomprimir e ainda por cima tinha uma grande paixão pelos Peugeot 205 Turbo 16. A paixão era com estas coisas pequeninas.”

9:16.45 Cerca de minuto e meio depois de ter arrancado para o troço, na direita rápida logo após a estrada que liga a Lagoa Azul à estrada de Alcabideche, Timo Salonen alarga a trajetória e acerta com a traseira num operador de câmara inglês, que com o embate dá uma pirueta no ar e cai no chão com uma perna partida. No choque, o Peugeot 205 Turbo 16 Evo2 deixa o capot traseiro e aileron no local: “A estrada estava escorregadia, e numa longa direita o meu Peugeot escorregou às quatro rodas. Mesmo assim consegui controlar perfeitamente a derrapagem, mas esta alargou-se à saída onde estavam inúmeros espectadores, na estrada, não na berma, e todos conseguiram escapar à exceção de um ou dois. Ouvi um enorme ‘bang’. Continuei até ao final do troço com o pé direito a tremer, certo de ter ferido gravemente pelo menos uma pessoa. Perdi toda a vontade de conduzir…

Eu e o meu navegador aceitamos os riscos, mas não podemos impor riscos semelhantes ao público, que não os compreende.” Alguns metros mais à frente está Vasco Morgado de máquina fotográfica em punho: “Quando o vi surgir na direita, hesitei durante centésimos pois apercebi-me que não trazia aileron. Era uma pick-up como a que Santinho Mendes ali tinha guiado um mês antes nas Camélias”. Timo Salonen termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m16s.

9:17 Para Walter Röhrl e para o seu navegador, Christian Geistdörfer, era o arranque da edição de 1986 do Rali de Portugal. Quando o comissário levantou a bandeira, o brutal Audi Sport Quattro S1 fez sentir no asfalto a força dos seus 500 cv. Depois da curva da água e do cruzamento do Rio da Mula, o alemão inicia a subida, apanhando um valente susto quando um dos espetadores decide atravessar o troço a escassos metros do Audi. Röhrl consegue evitar o contacto com o inconsciente adepto e dois minutos e quinze segundos depois da partida, chega ao fim da classificativa. Foi apenas por décimos de segundo

que a tragédia não começou logo ali… Durante a curta ligação até ao início do troço da Peninha, piloto e navegador aproveitam para descomprimir e não escondem um certo alívio por terem concluído a primeira passagem pela Lagoa Azul sem tocar nos espetadores. Nesta altura, desconheciam por completo que aquela tinha sido a última vez que haviam percorrido os cinco quilómetros da Lagoa Azul em competição.

9:18 Stig Blomqvist, no seu novo Ford RS 200 é o quarto piloto a ir para a estrada. Já nas curvas finais da Lagoa Azul, após a sua passagem, um espetador monta-se em cima da sua Vespa estacionada à beira da estrada, faz inversão de marcha, e aí vai ele em sentido contrário ao troço a descer a Lagoa Azul. O que vale é que já na altura, apesar de completamente inconscientes, os adeptos portugueses sabiam bem que os carros passavam, mais ou menos, de dois em dois minutos.

9:18.15 Markku Alen (Lancia Delta S4), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m15s, bate o tempo de Salonen por um segundo. 9:19.15 Walter Röhrl (Audi Sport Quattro Sport E2), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m15s, igualando o melhor tempo.

9:21.17 Miki Biasion (Lancia Delta S4), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m17s, perde dois segundos para os mais rápidos.

9:23.17 Juha Kankkunen (Peugeot 205 Turbo 16 E2), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m17s, repete o tempos de Biasion.

9:24.15 Henri Toivonen (Lancia Delta S4), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m15s, iguala os registos de Alen e Rohrl.

9:25.16 Kalle Grundel (Ford RS200), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m16s

9:26 O Renault 5 Turbo de Joaquim Moutinho passa pelo local onde se irá dar a tragédia um minuto depois. Habituadas a que os pilotos cortem as curvas, do lado de dentro há apenas cinco ou seis pessoas, sendo que, do lado direito, o asfalto visível está fortemente reduzido. Não há como enganar, há filas de pessoas em cima do asfalto e não apenas na berma. Não que isso fizesse grande diferença para o que aconteceu pouco depois. Ao AutoSport, perante a imensidão de público na classificativa da Lagoa Azul, Joaquim Moutinho quase não tinha palavras para descrever o que viu na estrada: “Não há palavras! As pessoas, às centenas, passeavam-se literalmente à frente dos carros. Não conseguíamos ver as bermas, não se podia fazer uma trajetória correta. Era um salve-se quem puder e uma loucura sem sentido…” Neste preciso momento, o Ford RS200 de Joaquim Santos e Miguel Oliveira está a arrancar para a especial.

9:26.17 Malcolm Wilson (MG Metro 6R4), termina o troço da Lagoa Azul, faz 2m17s

9:27 Aiiiiiii que horror! Ai que horror! Dá-se o trágico acidente de Joaquim Santos e com ele o início do fim da bela história que eram os Grupos B.

O acidente dá-se pouco metros após o cruzamento para a Barragem do Rio da Mula, mas é ainda umas dezenas de metros antes que Quim Santos ‘perde’ o carro. Miguel Oliveira contou que “quando nos aproximávamos, há uma pessoa que dá um passo em frente para o asfalto e o Quim teve que fazer uma correção, e perdeu o carro…”

O Ford RS200 chega à curva já completamente atravessado, começa por entrar com a frente direita no público, ‘varre’ por completo todas as pessoas que estão à sua frente e o carro faz pião para o seu lado esquerdo ‘varrendo’ com a lateral esquerda as pessoas, imobilizando-se com a traseira assente no buraco, e deixando dezenas de pessoas no chão, duas delas mortas quase de imediato, uma delas, um senhora, afogada no pequeno curso de água oriundo da barragem do Rio da Mula, logo ali ao lado. A terceira morreu já no hospital.

Miguel Oliveira revelou que Joaquim Santos “ficou completamente em choque. Ele só me dizia, ‘Ai doutor, matámos tanta gente…’ Algum tempo depois ele saiu do carro, veio para o meio da estrada, com os olhos vidrados e perguntava ‘o que aconteceu, porquê?’ Acredito piamente que não foi culpa nossa, minha ou do meu piloto, aconteceu. A culpa, se é que houve, foi da organização. As pessoas não deviam estar na estrada. Havia perigo envolvido, mas aceitei esse risco e nunca pensei que pudesse acontecer tal carnificina connosco, com o meu carro, com o meu piloto“, disse à BBC.

Hélio Tomar foi um dos azarados que estava no preciso local em que o RS200 se despistou: “Era um bom sítio para tirar fotografias, e não era um sítio perigoso para estar” disse, anos depois. Mas era, infelizmente para ele e muitos outros: “Parti o fémur, um pé, abri a cabeça e parti três costelas, fiquei cerca de um mês imobilizado numa cama”, revelou depois.

Nuno Sardinha, estava por perto, e depressa percebeu o que ia acontecer: “Quando olhei, percebi perfeitamente que ele [Joaquim Santos] tinha perdido o controlo do carro”. Tudo se deu numa questão de segundos, e nada havia a fazer para fugir. Vi depois que uma roda do carro me tinha passado por cima do pé e a minha bota estava negra da borracha.

Pensei: “Meu Deus, se fosse um bocadinho mais acima tinha ficado sem perna.” Penso que a culpa foi nossa, que estávamos a assistir, pois apesar de não nos imporem regras, afastarem-nos da estrada, éramos nós por ser tantos e porque todos queríamos ver, que provocámos o acidente”, referiu.

Logicamente, não foi o público onde o carro se despistou que causou o acidente, isso sucedeu uns metros mais atrás como explicou Miguel Oliveira. No local onde houve mortos e feridos, foram simplesmente vítimas da sua própria ignorância. Por esta altura, Joaquim Santos, em choque, permanece dentro do carro, com a cabeça curvada por cima do volante.

O acidente na perspetiva de Alexandre Dâmaso: “Vejo o carro a sair do início da curva em contra-brecagem e de repente fica completamente atravessado na estrada, uns metros à frente da Renault 4 que lá estava parada. A velocidade a que o embate acontece é muito rápida, de tal maneira que nem dá tempo de reação para nada apesar de estar ainda a 3 ou 4 metros. Depois o carro entra no público e a partir daqui sinto as pessoas a empurrarem-me. Deixei de estar de frente para a estrada, passei a segurar a pessoa que estava do meu lado esquerdo. O carro acerta-me mesmo no fim do pião, já com a traseira, e depois sinto-me a ir pelo ar. Acordo com o farolim direito traseiro no meu colo e a traseira pendurada um pouco acima. Quando acordo a imagem que eu tenho é o carro com uma árvore metida na traseira, entre o farolim e a matrícula.

É essa a imagem que eu tenho. Perdi os sentidos e acordo com a água na cara e com uma pisadela no ombro”, recordou, explicando o pós-acidente: “Foram momentos impressionantes, mas eu considero que até me portei bem, fiquei cheio de frio, estava a tremer com o frio, tinha o sobrolho todo aberto, a deitar muito sangue e não conseguia abrir olho esquerdo.

Houve um rapaz que me ajudou, viu que estava cheio de frio e em choque e ajudou-me a aquecer enquanto me dizia para não me preocupar com o sobrolho que aquilo estava só sujo, depois já se limpava e foi-me dando uma ‘tanga’. Pôs-me uma t-shirt no olho, eu só conseguia ver com o olho direito. Presumo que tenha ali ficado deitado uma meia hora. Tentei pôr-me de pé, mas não conseguia andar e só uma semana depois é que o ortopedista percebeu o que tinha na perna, basicamente era uma fissura na tíbia. Não me recordo de ver mais ninguém a ser assistido pois estava praticamente em estado de choque, tentava respirar bem para me proteger o frio que sentia, estava consciente e a falar com o rapaz que me estava a dar assistência e que esperou até chegar um médico. Não sei quem era. Era um rapaz novo, mas foi cinco estrelas, fez exatamente o que tinha de fazer naquela situação”. Trinta anos depois, aqui fica o agradecimento.

9:28 Marc Duez, no seu MG Metro 6R4, que parte às 9:27, terá demorado cerca de um minuto a chegar ao local do acidente. 100 metros antes apercebe-se do caos que se vive no local, há pessoas completamente desesperadas a pedir-lhe para abrandar, o que o belga faz, mas não para, e é ele o primeiro a avisar no final do troço o que testemunhara… ainda que sem saber na altura a dimensão da tragédia.

9:29 O carro número 15 está imobilizado com a traseira no buraco, Joaquim Santos e Miguel Oliveira ainda lá dentro.

9:30 Sem sequer imaginarem o que se passava atrás de si, Timo Salonen (Peugeot 205 Turbo 16 E2) já com um capot traseiro novo, arranca para o troço da Peninha, seguem-se Alen, Röhrl, Blomqvist, Biasion, Pond, Toivonen, Grundel, Wilson e Moutinho.

9:33.50 Chega Timo Salonen (Peugeot 205 Turbo 16 E2) logo seguido de 9:34.47, Markku Alen (Lancia Delta S4), 9:35.52 Walter Rohrl (Audi Sport Quattro S1 E2), 9:37.03 Stig Blomqvist (Ford RS200), 9:37.49 Miki Biasion (Lancia Delta S4), 9:38.58 Tony Pond (MG Metro 6R4), 9:39.50 Juha Kankkunen (Peugeot 205 Turbo 16 E2), 9:40.51 Henri Toivonen, 9:42.31 Kalle Grundel (Ford RS200), 9:42.52 Malcolm Wilson (MG Metro 6R4)

9:43 Dentro do carro que ‘abria’ os troços, César Torres ouviu pela rádio o que menos queria: “Ouvimos que tinha havido um acidente pelo rádio via GNR. O César passou o tempo a inteirar-se do que se tinha passado via GNR pela rádio, já tínhamos saído do troço de Sintra, estávamos a caminho do Autódromo. Ele ainda pensou em voltar atrás, para a Lagoa Azul, mas percebeu que os socorros estavam a funcionar foi para o Autódromo e depois para o Hotel Estoril Sol…” recordou Fernando Batista.

9:42 do lado de lá da Serra, entre o final do troço da Peninha e o início de Sintra, estão as várias assistências, e Armindo Cerqueira, da Foto GTI, chegou um pouco em cima da hora e preferiu não ir para os troços. No Rali Sopete, primeira prova do CNR 1986, Joaquim Santos tinha estreado o Ford RS200, e só um fotógrafo o conseguiu apanhar: „Todos os meus colegas foram para outro troço, melhor para fotografar e eu fui o único que fui para o segundo, onde desistiu o Joaquim Santos depois de passar por mim. Fui o único que fiz uma fotografia do carro, que se estreou primeiro que os oficiais, pelo que a Ford mandou fazer um poster para distribuir, com a minha foto. Já em Sintra, andava pelas assistências, quando soube que o Santos tinha desistido, e ainda sem saber da gravidade do acidente pensei. Desta vez nem uma foto tenho! Mal eu sabia a gravidade do que se tinha passado momentos antes…“

9:43 O concorrente #28 Pierre Bos, passa pelo local do acidente as pessoas, desesperadas, tentam fazer parar os carros para avisar, mas sem que a informação tenha chegado ao responsável pelo troço, Luiz Pinto de Freitas, ex-Presidente da FPAK, não há forma de parar a especial. Cerca de 15 minutos depois do acidente, ainda estão a passar carros no troço da Lagoa Azul.

9:44 Rufino Fontes, concorrente ao Troféu Citroen Visa, foi o último piloto a passar pelo troço, antes da prova ser definitivamente Interrompida: “Aquilo está muito mau! Quando ia a partir para o troço, um comissário disse-me que devia haver qualquer problema no meio do troço, para eu ver o que se passava e avisar, no fim. A meio da classificativa quando ia começar a subir a antiga Rampa da Lagoa Azul, o público obrigou-me a parar (e muito bem) e comecei a ver pessoas caídas no chão, não sei quantas, se dez ou mais, mas eram muitas…”

9:45 A decisão de mandar parar o troço só pode ser tomada pelo Chefe de Troço. Os diretores adjuntos do Rali de Portugal tinham à sua responsabilidade algumas especiais, e na Lagoa Azul era Luiz Pinto de Freitas. As comunicações em 1986 nada têm a ver com o que sucede hoje em dia, e depois do acidente vários pilotos entram no troço. A rádio tem vários canais, um é uma linha direta privada, a 2, a Rede de Segurança, que tinha a organização do rali em contacto com a GNR, a 3 era o canal de resultados e a 4, os inters. Admite-se perfeitamente que a Luiz Pinto de Freitas não tivesse chegado a informação mais depressa, mas quando chegou, o troço foi parado de imediato.

9:46 „Estive a dar as partidas dos concorrentes no pódio do Autódromo do Estoril e estava a preparar-me para ir montar o controlo na Pç. da Maratona, quando ao sair do pódio somos informados do acidente”, revelou Eduardo Portugal Ribeiro.

9:47 Rui Reis correu para o local do acidente, mas o que viu marcou-o: “Estava muito longe de conhecer a verdadeira dimensão do acidente, mas quando cheguei ao local ainda tirei algumas fotos. O cenário era muito triste e eu não estava preparado para aquilo.”

9:51 Fifé (Filipe Fernandes) era em 1986 navegador de Manuel Rolo, e também ele foi apanhado nas malhas de um dia trágico: „Estávamos assustados com a moldura humana que se previa em Sintra, mas para nós que corríamos em Portugal isso era normal. Estávamos à espera da nossa hora para controlar, já na estrada de acesso ao início do troço da Lagoa Azul, quando começam a chegar informações tinha havido um um acidente muito grave, que envolvia muitas pessoas. Quem nos dizia era quem ia passando. Depois começaram a passar várias ambulâncias e isso fez-me vir à memória o meu grave acidente de 1983, precisamente na Lagoa Azul, umas centenas de metros mais acima onde depois soube que se tinha dado este acidente. Pouco depois disseram-nos para voltar ao Autódromo…

9h53 Nesta altura, já o caos se instalara na Lagoa Azul, mas em Sintra, nada se sabia, e este vosso escriba esperava ansiosamente pela chegada dos concorrentes. O motor do Peugeot de Salonen fez-se ouvir e de repente, o chão treme, surge um vulto a uma velocidade impressionante. Uma forte travagem e um enorme rater, seguido de enormes chamas a sair pelo escape do 205 Turbo 16 Evo 2. Depois passou o Lancia Delta S4 de Markku Alen e logo a seguir o momento mais impressionante do dia, o Audi Sport Quattro S1. Ainda hoje recordo o som do seu 5 cilindros a ecoar ao longe pela Serra de Sintra. Sem exagero, estive cerca de um minuto a ouvir os raters das reduções de caixa feitas pelo Walter Rohrl, com o som progressivamente a aumentar. Aqueles breves segundos em que o carro amarelo e branco surge vindo de baixo, passa por mim, trava e afunila para a direita, curva e desaparece. Wow! Este foi o momento em que definitivamente começou a minha paixão pelos ralis. Ironicamente, do lado de lá da Serra, uma enorme tragédia…

9:57:04 O troço de Sintra, era claramente o mais seguro dos três, e por ser tão lento, as probabilidades de haver problemas eram menos, mas ainda assim, pela falta de espaço para a colocação dos espectadores, havia zonas, especialmente a das fotos e os ganchos da Pena, que estavam apinhados de gente. Timo Salonen foi o primeiro a chegar, mas em Sintra, o 1º foi Miki Biasion (Lancia Delta S4), 6:47 seguido de… 2º Toivonen, (Lancia Delta S4), 6:49, 3º Alen (Lancia Delta S4), 6:52, 4º Kankkunen (Peugeot 205 Turbo 16 E2), 6:54, 5º Rohrl (Audi Sport Quattro S1 E2), 6:55, 6º Pond (MG Metro 6R4), 6:56, 7º Grundel (Ford RS200), 6:56, 8º Wilson, (MG Metro 6R4), 7:00, 9º Salonen (Peugeot 205 Turbo 16 E2), 7:04, 10º Blomqvist (Ford RS200), 7:08, 11º Duez (MG Metro 6R4), 7:11, 12º Moutinho (Renault 5 Turbo), 7:24

09:58 No alto da Lagoa Azul, Vasco Morgado deixa de ver passar carros, e pouco depois alguém que ouvia rádio revela que houve um acidente na Lagoa Azul: “Comecei a descer e em poucos minutos era um mar de gente a descer a Lagoa Azul, uma imagem impressionante e um boa forma de se perceber a quantidade de gente que estava no troço”

10:03 Fernando Petronilho, diretor do AutoSport na altura e líder da Rally Press Association vai à motorhome da Lancia que estava no largo de S. Pedro em Sintra e aí vê Markku Alen quase “completamente fora de si” „Devia ter havido medidas de segurança, agora já não há nada a fazer, e tudo graças à estupidez dos espectadores“ disse Alen, dirigindo-se depois a Petronilho, „Fernando, não há forma de continuar…“

10:11 Quanto a mim, já não recordo bem se o último carro a passar no troço de Sintra terá sido o Fiat Uno da Totip, de Gianni del Zoppo, mas há-de ter sido algo do estilo. Recordo-me perfeitamente do ‘amarelinho’ da Renault, o 5 Turbo de Joaquim Moutinho, o Lancia 037 Rally de Carlos Bica. Pouco depois foi o deserto. Pouco depois, alguém ouvia notícias na rádio, tinha havido um acidente na Lagoa Azul e o dia de rali terminava por ali. Nesta altura, nem imaginávamos a extensão do drama…

10:12 Na sua assistência junto ao cemitério de Tires, Salonen ficaria a saber que o acidente que teve na 1ª PEC não teve a gravidade que imaginara: “Por um instante a minha vida tornou-se mais fácil e a minha consciência desanuviou…” Mas seria sol de pouca dura, pois depressa chegou a notícia do acidente de Joaquim Santos…

10:15 Três Lancia nos três primeiros lugares. Só para se ter uma ideia do que menos importou naquele dia, a classificação, depois de ter sido o mais rápido na Lagoa Azul e na Peninha, Markku Alen foi passado na classificação por Miki Biasion em Sintra, onde o italiano passou para o comando com um segundo de avanço para o finlandês e dois face a Henri Toivonen, três Lancia nos três primeiros lugares. Juha Kankkunen era quarto atrás dos três Lancia e Walter Rohrl estava logo a seguir a nove segundos de Biasion. Malcolm Wilson era quinto com o MG Metro 6R4, com Salonen logo a seguir, tendo o finlandês referido que nunca se recompôs de ter batido num operador de câmara… inglês. Isto antes de saber do acidente, claro. Só por curiosidade, Moutinho perdeu 1m09s face a Biasion, em 22 Km.

10:20 Já de volta ao Autódromo do Estoril, os pilotos conversam uns com os outros e Timo Salonen era um dos mais zangados: „Punham-se no meio da estrada e nós a chegar que nem uma bala. Iam-se desviando da frente devagar. Alguns nem sequer davam conta que estávamos a chegar. Completamente malucos…“ O seu navegador, Seppo Harjanne, proferia palavras fortes: „Não continuamos, não somos assassinos…“

10:22 Fernando Petronilho estava também a colaborar com a rádio Renascença: “Andava pelas assistências, a da Peugeot estava no largo cemitério de Tires e logo que se soube do acidente, o Jean Todt veio ter comigo e disse-me, diz aí ao César que a gente tem que parar o rali não há condições de segurança para prosseguir…”

10:24 Markku Alen passa pela assistência da Peugeot e propõe a Salonen não partirem para a segunda passagem pelos troços de Sintra.

10:25 No Estoril, César Torres troca algumas palavras com alguns pilotos, todos lhe dizem que o Rali tem que parar, e por isso dirige-se para o Hotel Estoril Sol…

10:24 Henri Toivonen: „O nosso problema não tem a ver com a segurança dos pilotos, mas sim dos espectadores. É disso que se trata! Estas pessoas não compreendem os ralis modernos, cada vez há mais gente na estrada, não há qualquer possibilidade de estarem posicionados daquela forma quando se aproxima um carro destes. Não faz sentido continuar a pilotar nestas circunstâncias. A partir de hoje, isto vai ser um bom exemplo a seguir. Bom, quero dizer um mau exemplo, assim não se pode continuar.“

10:27 César Torres, Diretor do Rali de Portugal, tinha vestido um blusão azul, óculos escuros castanhos e o seu habitual boné, imagem de marca. Estava naturalmente consternado com toda a situação quando falou a uma TV francesa: „O problema é que o público devia saber comportar-se. É difícil arcarmos com a total responsabilidade de controlar tal número de público, pois isso seria o fim das provas de estrada, porque nós não poderíamos assumir um risco tão grande…“ Pouco depois, anula a 2ª e 3ª passagens pelos troços de Sintra.

10:28 Na via das boxes do Autódromo do Estoril, os carros que já tinha regressado da ronde de Sintra estavam alinhados de ambos os lados, cerca de duas dezenas tinham cumprido os três troços, Lagoa Azul, Peninha e Sintra, e todos os restantes forma barrados à entrada da Lagoa Azul, até serem avisado que deveriam regressar ao Autódromo.

10:30 Poucas centenas de metros abaixo do local em que ficara, Vasco Morgado passa pelo local onde Timo Salonen deixou ficar o capot traseiro e o aileron. Estava no chão, com um GNR a guardá-lo…

10:45 Chegado ao local do acidente, Vasco Morgado recorda que “Era grande a confusão, mas já não havia ambulâncias, ou feridos. Estava muita gente de volta do carro, que já lá tinha alguém da Diabolique junto dele. O capot tinha saltado, a traseira estava muito amarrotada…

10:59 No Hospital de Cascais, junto ao banco de urgências, a pequena rampa nunca tinha tido tanta gente. Uma lista é colocada num vitrine e o banco foi ‘invadido’. Um funcionário leva a lista para o exterior e ‘grita’ alguns, nomes, dos feridos. O choro rompia, aqui e acolá, ora pela incerteza ou uma confirmação “Ai o meu filho, é o meu único filho…” ouviu-se. Mas o seu estado não era grave. Afinal, ninguém que estava no hospital corrida perigo de vida. José Luis Marques tinha 19 anos e dois amigos com pernas partidas: “Saltei para trás e o carro não me apanhou por pouco. Nunca tinha visto um rali ao vivo, agora não sei se tenho coragem para voltar a ver um espetáculo destes…”

11:02 A direção de Prova, em sinal de luto pelo acidente ocorrido na 1ª PEC Lagoa Azul, decidiu: Anular todas as restantes passagens pela Serra de Sintra. Os concorrentes ficarão em Parque Fechado e o rali recomeçará às 18:30 como previsto, cumprindo-se assim a 2ª Secção Estoril/Póvoa de Varzim. Os Comissários Desportivos irão reunir a fim de decidirem sobre o procedimento relativamente à 1ª Secção, Estoril/Estoril.

11:20 Filipe Fernandes tinha estado na Diabolique no passado, pelo que não quis deixam de confortar amigos que lá tinha: „Quando já estava no autódromo há algum tempo, estive com os mecânicos, tinha lá estado na equipa, estava tudo naturalmente muito transtornado, ninguém conseguia dizer absolutamente nada, basicamente fui lá para dar um abraço de conforto e nada mais, ao Joaquim Bessa, Luis Dias, o Pereira eletricista…“

11:25 A Ford decidiu retirar os seus dois carros oficiais do rali, tendo em conta que o Ford RS200 da Diabolique estava inscrito pela equipa oficial.

11:27 Comunicado da Organização: Esclarecimento acerca do acidente ocorrido durante a 1ª PEC Lagoa Azul: Durante o desenrolar da 1ª PEC – Lagoa Azul-1. o carro Nº 15, inscrito pela Ford Motor Company, Ltd, conduzido pelo piloto Joaquim Santos saiu da estrada sem razão aparente embatendo em vários espectadores que se encontravam na berma direita da estrada. Dada a gravidade do acidente a prova foi interrompida de imediato, tendo sido conduzidos de urgência ao hospital 33 ferido, pondo em ação o Serviço Médico da Organização, que interveio com 12 ambulâncias, 4 das quais já se encontravam no local, conforme o plano de Intervenção Médica estabelecido. Devido a este acidente é de lamentar a morte de duas pessoas. No momento em que divulgamos este comunicado, e segundo informação recebida diretamente do Hospital de Cascais, tudo leva a crer que o estado de saúde de grande parte dos outros feridos não se apresenta de maior gravidade.

11:34 Na Póvoa de Varzim, o CCD reúne e delibera sobre os acontecimentos em Sintra. Conclui a “qualidade e eficácia dos meios de socorro”, “exprimiu a sua satisfação pela decisão do Diretor de Prova em prosseguir o rali nas condições previstas” e finalmente considera que a atitude dos pilotos em não querer partir trouxe graves prejuízos à imagem do Rali e solicita que o processo seja transmitido às autoridades desportivas internacionais.

12:30 No Hotel Estoril Sol, os pilotos reuniram-se na suite Cascais, no último andar do hotel, no sentido de discutir o que fazer a seguir. Fernando Petronilho, Diretor do AutoSport, ‘guardava’ a porta e fazia de mediador entre os jornalistas e os pilotos, a quem disse que não deixaria entrar ninguém. É mais ou menos nesta altura que depois de terem sido pedidas bebidas e cafés, quando o ‘room service’ se dirige para a suite, um jornalista francês do L’Automobile, Vincent Lemay, tenta esconder um gravador na zona onde estavam chávenas, pratos, etc. Meteu lá um gravador para tentar gravar a reunião.

14:52 Na reunião, os pilotos decidiam quase por unanimidade, que não prosseguiriam em prova.

14:55 Joaquim Moutinho foi o único piloto luso presente na reunião, onde esteve a convite de Henri Toivonen, mas não ‘alinhou’ com os pilotos de fábrica: “Se não estivesse lá estado não acreditava. Era uma grande confusão com os jornalistas à porta. Começámos a debater na reunião e alguém descobriu o gravador. O Walter Rohrl foi o primeiro a falar, eu estava nervoso, concordei com o que foi dito, mas não me podia juntar a eles. Eles podiam voltar para casa e continuar a correr, mas eu, um português, se me rebelasse contra o ACP, que era a entidade nacional… todos compreenderam a minha situação.

15:20 Algumas horas após o terrível acidente da Lagoa Azul, Joaquim Santos e Miguel Oliveira eram entrevistados por José Pinto, da RTP e explicavam o que aconteceu: “Havia muito público no meio da estrada desde a primeira curva do troço. Éramos nós quem se desviava das pessoas e não contrário!”, confessava o piloto. „ainda estou um bocadinho nervoso e estou bastante aborrecido com o que aconteceu. Lamento o que aconteceu a todas as pessoas feridas e infelizmente as pessoas que faleceram, tudo isto é bastante difícil, devido ao meu estado, que estou ainda neste momento. O que eu sei que é logo desde a primeira curva que fiz que me vi aflito com o público, não era o público que fugia de mim, nós é que estávamos a ter que fugir do público. Onde acontece o acidente, na curva anterior, que é uma curva sobre uma lomba, que se faz a fundo eu aí toco em alguém, e eu corrigi, uma vez que senti que tinha tocado nas pessoas, desequilibrei-me um bocadinho, as pessoas ao fundo na curva à esquerda

15:22 Depois de algumas horas no hospital, Alexandre Dâmaso via a sua vida começar a entrar novamente na normalidade: “Fiquei poucas horas, depois de me coserem a bochecha do corte que sofri, só fiz uma radiografia à cabeça e ao fim do dia já estava a ir para casa. Ligaram à minha mãe, que me foi buscar. O atendimento no hospital, apesar daquela confusão toda, foi 5 estrelas, no meio do azar tive sorte pois o cirurgião que me coseu era uma cirurgião plástico, e a cicatriz nem se vê”

15:30 Guy Gotard, vice-presidente da Comissão de Ralis da FISA entra na sala com César Torres mas saíram de lá de mãos vazias pois já havia uma decisão…

15:40 Junto ao local onde saiu de estrada o Ford RS200 de Joaquim Santos e Miguel Oliveira está uma Renault 4L branca. Ainda lá está seis horas depois do acidente e não por acaso. Nela, tinha para ali ido a mãe e filho, que perderam a vida no acidente. O pai e outra filha foram dois dos feridos graves, e estavam no hospital. Uma família totalmente destroçada. Um amigo das vítimas revelou que “vieram de Queluz Ocidental, ele todos os anos vinha ver o rali, e desta vez trouxe a mulher com que vivia há um ano os filhos, que eram só dela” Eugénio Agostinho Bento, a sua mulher Maria Rosa Neves de oliveira, o pequeno Nuno Miguel, de onze anos e a irmã de 15 foram das primeiras pessoas a sofrer o impacto do carro.

16:30 Os pilotos dão uma mini conferência de imprensa, e na mesa podia ver-se a cassete que estava no gravador do jornalista francês toda desenrolada, no que foi uma forma de demonstrar que o ‘esquema’ não tinha sido bem sucedido.

16:32 A uma questão de um jornalista estrangeiro sobre se este poderia ser o fim do Rali de Portugal, Markku Alen responde que “Não sei, grande parte deste público é magnífico, mas também há muitos espectadores que são estúpidos…”

16:34: Walter Rohrl, ainda na conferência de imprensa é taxativo quando lhe perguntam se sem Sintra o pior bocado está passado? “Não, de forma alguma, todos nós sabemos que no norte há dez vezes mais público. Por exemplo o ano passado não tive quaisquer problemas em Sintra, mas em Fafe se não travasse por diversas vezes teria matado muita gente…”

16:50 Henri Toivonen lê o comunicado dos pilotos: „As razões pelas quais os pilotos abaixo assinados não desejam prosseguir o Rali de Portugal são as seguintes: 1) Como uma forma de respeito pelas famílias dos mortos e dos feridos; 2) Trata-se de uma situação muito especial aqui em Portugal: sentimos que é impossível para nós garantir a segurança dos espectadores; 3) O acidente no 1º troço cronometrado foi causado por um piloto que tentou evitar espectadores que estavam na estrada. Não se ficou a dever ao tipo de carro nem à sua velocidade; 4) Esperamos que o nosso desporto possa beneficiar futuramente com esta decisão.“ Assinado por 11 pilotos e seus navegadores.

16:42 César Torres passou a tarde em contactos com este e com aquele, fez todos os possíveis para que o rali continuasse, o que aconteceu, mas já não com os pilotos de fábrica. Não conseguiu demover os pilotos…

17:24 Miki Biasion estava calmo como sempre, mas também ele convicto que se tinha de fazer algo: „Não se pode falar de rebelião, foi a decisão que devíamos tomar, não havia condições para prosseguir em prova, não somos assassinos, não queremos matar pessoas com os nossos carros..“

16:53 Fernando Batista recorda que também ele tentou falar com alguns pilotos: “Na altura falava alguma coisa alemão, mas o Walter Rohrl era inacessível. Falei com o Christian Geistdorfer, que era um homem bem mais acessível, ele lamentou mas era impossível, dizendo que era um loucura, e que iria acontecer mais dia menos dia…”

17:02 César Torres vai para o seu quarto e fala ao telefone com Cesare Fiorio, chefe da Lancia Martini, que não tinha vindo a Portugal devido a doença. Nini Russo era o seu substituto no terreno, mas o patrão da Lancia garante ao Diretor do Rali de Portugal que as assistências da sua equipa estavam todas montadas até à Póvoa de Varzim. Por ele, os Lancia continuavam em prova, mas a decisão vem mais de cima, nem da Lancia, nem da FIAT, mas da administração do Grupo, e a ordem era para parar.

17:09 Walter Rohrl é duro: “Espero que não nos venham a ser impostas sanções só por termos decidido que não queríamos matar os espectadores. Imaginam se não parássemos e se voltasse a acontecer um acidente idêntico? Acho que seria o fim dos ralis…”

17:25 Sem alternativas, César Torres vê-se na obrigação de ir em frente com o rali, “mesmo privado das grandes vedetas. Tudo o que sonhara, toda a emoção que se previa, todos os despiques que estavam marcados ruíram para desencanto de milhares” lia-se no AutoSport publicado logo a seguir ao rali.

18:24 Rui Reis ainda voltou ao Autódromo no final do dia: “Como a ronda de Sintra tinha sido cancelada, fui-me embora para casa. A informação já ‘corria’ nas rádios e na televisão “Os pilotos oficiais, tinham-se reunido no Hotel Estoril-Sol e decidiram abandonar a prova”. Ainda me desloquei ao Autódromo do Estoril, na esperança de ver os grupo B partirem, mas sem êxito. Rali de Portugal de 1986 tinha acabado ali para mim. Que dia negro!”

18:40 Depois de regressar, Filipe Fernandes e Manuel Rolo já não saíram do Autódromo: „ficámos por ali, nem almoçámos, o ambiente era muito pesado, as informações vagas e imprecisas, mas depois lá arrancámos para o Gradil, sabíamos o que se tinha passado com a recusa das equipas oficiais em partir, mas tínhamos o rali todo pela frente. Recordo-me que havia muito nevoeiro em Montejunto, e chegámos à Póvoa de Varzim já quase de manhã do outro dia…“ disse.

19:00 No autódromo do Estoril, com várias centenas de pessoas a ver quem partia ou quem ficava, fez-se um minuto de silêncio…

19:40 Os Lancia são os últimos carros a ser retirados do Parque Fechado, já era noite cerrada no Autódromo.

20:36 Por esta altura, os primeiros concorrentes já estavam a terminar a PEC 11, Montejunto, mas para trás tinham ficado todos os concorrentes de quem se esperavam as despesas de boa parte do espetáculo. Pela frente os concorrentes tinham uma longa noite pela frente, com Figueiró dos Vinhos às 23:08, Campelo às 23:42, Serra da Lousã, às 0:13, Préstimo às 2:08, Vouzela às 3:03, Oliveira de Frades às 03:40, tendo depois ainda uma longa ligação até à Póvoa de Varzim.

23:59 Já ao final do dia, Eduardo Portugal Ribeiro está perto de César Torres: “Nunca vi o César tão abatido, mas ao mesmo tempo calmo. Dececionado, desencantando com a posição de por em causa o rali e terem conseguido levar isso em frente, no que era uma verdadeira afronta à própria FISA”. Fernando Batista, o ‘piloto’ de César Torres, que com ele partilhou milhares e milhares de quilómetros na estrada, durante vários Ralis de Portugal, contava que dois dias depois, em Tabuaço: “O César virou-se para mim, Fernando, já sei como vou resolver isto para o ano…

Dessa forma ficava prova que o César Torres ‘respirava’ o Rali de Portugal, ainda a prova de 1986 não tinha terminado e ele já tinha na sua cabeça como iria dar a volta à questão.” E deu mesmo, no ano seguinte, já depois das decisões da FISA em banir os Grupos B, o Rali de Portugal abandonava Sintra, disputando-se a primeira especial na pista do Autódromo do Estoril, arrancando depois os concorrentes diretamente para Montejunto.

Virou-se dessa forma, uma das páginas mais dramáticas da história do Rali de Portugal e do Mundial de Ralis. Para a história, ficou a estatística e o facto de um piloto português ter ganho um prova do Mundial de Ralis, Joaquim Moutinho. Até hoje, o único que o conseguiu. Que descanse em Paz.

Bem como estes dois Senhores da foto em baixo, José Pinto (RTP) e César Torres.

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