‘Estórias’ do Rali de Portugal, 1984: O golpe de mestre de Geistdorfer


Em toda a história do Mundial de Ralis é normal falar-se de táticas e estratégias. Os responsáveis das equipas sempre andaram a tentar descobrir formas de mitigar as dificuldades que já sabiam encontrar pela frente, quer fosse o pó, o desgaste dos carros, pneus, etc. Com o aumento significativo do nível da competição a meio dos anos 80, e com as enormes lutas entre a Audi e a Lancia, a que se juntou mais tarde a Peugeot, levaram a ‘esquemas’ por parte das equipas. Normalmente, a mais inventiva era a Lancia, mas no Rali de Portugal de 1984 não foi assim

Atente-se no que relatámos na altura: “A agitação junto dos homens da Lancia era enorme no concessionário de Viseu, enquanto os carros não chegavam à assistência. Viviam-se momentos de certo nervosismo pois não se sabia ao certo o que se passava na estrada Sabia-se que Mikkola, ao contrário do que se pensava, não perdia tempo, depois de ter caído a noite.

Também tinha chegado a notícia de que o finlandês da Audi estava a rodar com dois minutos de diferença para Biasion, podendo assim ter a estrada limpa de pó à sua frente, o que o colocava em igualdade de condições com Markku Alén, o primeiro a passar, e por isso mesmo sem problemas de maior quanto à visibilidade. A dúvida era a de se saber se Rohrl tinha penalizado por avanço ou se Mikkola tinha convencido o controlador da partida do troço de Viseu a dar-lhe um intervalo de dois minutos “por questões de segurança”.

Chega Alén, com o seu ar agitado, mostrando-se irritado com essa situação. Explicamos-lhe que se calhar não foi o controlador que o permitira, tal como Alén pensava, mas sim uma jogada tática de Rohrl.

Alén fica pensativo. Daí a momentos. Biasion pede-nos para chegarmos de novo junto a Alén.

O finlandês não tinha ainda percebido bem a ‘tática’ e pede-nos para repetir. Desta feita não havia dúvidas: Alén compreendera e estava furioso.

Mas o que poderia ter feito a Lancia? Desportivamente, nada. Anti desportivamente, ter mandado afrouxar Biasion, para que o pó deste continuasse a incomodar Mikkola. Só que em qualquer dos casos, os homens da marca italiana se mostraram-se tão surpreendidos com a jogada e nem conseguiram esboçar o mínimo resposta.

Pela primeira vez em muitos anos, Cesare Fiorio e seus pares tinham sido surpreendidos naquilo em que costumavam ser mais fortes, a estratégia.

Só que na Audi existe agora um Senhor que se chama Christian Geistdorfer, e que depois de muitos anos na escola italiana, apreendeu os truques e também os sabe por em prática. Em nosso entender, a condução de Mikkola e a estratégia de Geistdorfer permitiram à Audi conseguir a sua terceira vitória consecutiva em Portugal. Como se passaram as coisas? Nada mais fácil.

À entrada de Viseu, na primeira passagem, Mikkola encostou o seu carro-antes da zona de controlo tendo logo atrás de si o Quattro de Rohrl.

Mikkola e Rohrl deixaram Massimo Biasion dirigir-se para a partida do troço e Rohrl passou o seu colega de equipa para controlar um minuto antes da sua hora ideal, o que lhe permitiria partir para o troço na hora em que normalmente Mikkola o deveria fazer. O finlandês passava então a partir dois minutos depois de Biasion, tendo à sua frente Rohrl.

Este partia, e mal saía da zona de controlo encostava um minuto à espera que Mikkola passasse e só depois voltava à estrada.

Mikkola dispunha assim de dois minutos para o concorrente da frente e era sempre o primeiro Audi a chegar, pelo que a princípio os homens da Lancia não compreenderam o que se passava. Dizia-nos já em Tomar Maurizio Perissinot, o navegador de Bettega: “Lembro-me que a partir de determinada altura, Arne Hertz nunca mais veio controlar comigo e com o Siviero, como fazia normalmente. Mas nunca me passou pela cabeça aquele esquema. Rohrl e Mikkola mantiveram a sua tática na segunda passagem por Mões e Nogueira.

Para a entrada do segundo Viseu optaram por uma nova ‘variante’: Rohrl penalizou um minuto por atraso retomando a sua posição anterior, ou seja, atrás de Mikkola, mas mantendo este os dois minutos de diferença para Biasion. Foi um ‘golpe de mestre’ de Geistdorfer. Numa política que se tem de aceitar, uma vez que não envolveu prejuízos diretos para terceiros, já que tudo se tratou de uma tática de equipa.

Refira-se ainda que foi o próprio Geistdorfer que alvitrou esta estratégia a Mikkola, que nos confessou mais tarde nunca lhe ter passado pela cabeça semelhante ‘jogada’ Em questões de tática, a Lancia parece não estar mais sozinha”.

Como se percebe, jogadas táticas está longe de ser algo novo no WRC…

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