Audi Sport Quattro (1984-1985): Sucessor ou precursor?


O Audi Sport Quattro teve uma vida curta, mas intensa. Evolução natural dos Quattro Quattro A1 e A2, o Sport Quattro foi a primeira tentativa da Audi em lutar pela primazia no Grupo B. Esteve em 14 ralis e venceu apenas um, o Costa do Marfim, em 1984. Sucederam-lhe os ainda mais poderosos S1 e S1 E2.

O Audi Quattro estreou-se na competição no Janner Rally, na Áustria, em 1980, meses depois de ter sido visto pela primeira vez as estradas do Rali do Algarve, onde surpreendeu toda a gente pela sua rapidez e pela eficácia da sua inédita tração às quatro rodas. Tinha uma carroçaria visivelmente baseada na dos carros de série e o seu motor debitava qualquer coisa como cerca de 300 cv.

Em 1981, Michele Mouton tornou-se a primeira mulher a ganhar um rali do WRC, precisamente ao volante do Audi Quattro – que, aparentemente, era tão eficaz que gerou o lendário comentário de Walter Röhrl, agastado por te sido batido… pela francesa: “Até um macaco é capaz de ganhar com este carro!” Nos três anos seguintes, a Audi desenvolveu as versões A1 e A2 do Quattro, tornando-o numa máquina implacável e devoradora dos lugares mais altos dos pódios em muitos ralis do WRC. Eram os primeiros anos das violentas regras dos Grupo B e os A1 e A2 tinham potências na ordem dos 355 cv, extraídos do motor de cinco cilindros em linha e turbo. Entre 1983 e 1984, com pilotos como Mouton, Hannu Mikkola, Stig Blomqvist e Walter Röhrl, venceram dez ralis: dois em 1983 (A1) e os restantes nesse ano e no seguinte (três em 1983, cinco em 1984). Depois, surgiu o Sport Quattro.

Uma estreia pouco auspiciosa

O Audi Sport Quattro estreou-se na Volta à Córsega de 1984 e resultou num fiasco. Mais curto 320 mm que o Quattro, a sua carroçaria era feita em materiais compostos, como carbono e “kevlar”, tornando-o mais leve. Os vidros tinham uma inclinação semelhante à do Audi 80, a pedido dos pilotos, que se queixavam de demasiados reflexos, que os impediam de ver corretamente os instrumentos do painel de bordo.

O motor, em liga de alumínio, era também mais pequeno que o do Audi Quattro, mas mais potente, com valores que, na versão de estrada, atingiam os 306 cv e, nas de competição, os 450 cv – roçando mesmo os 500 cv em algumas situações, o que era absurdo, se pensarmos que, poucos anos antes, essa era a potência de um motor de F1. Estava colocado, juntamente com a transmissão 4×4, num “berço” mais curto 244 mm e mais largo 57 mm que o da anterior geração do Quatro. A ideia era ser também vencedor em provas com estradas em asfalto. Era suposto ser mais leve e mais ágil e, para isso ser possível, o velho motor do Quattro recebeu uma cabeça de 20 válvulas e dupla árvore de cames.

Na verdade, se a potência nunca foi um fator de dúvida ou de receio noutros aspetos o Sport Quattro foi uma decepção. Pelo menos, no início da vida. Apresentado oficialmente em Março de 1984 a sua estreia, na Córsega, durou apenas sete classificativas. Mesmo no asfalto, saltava como um ‘batel’ no meio de um furacão. Quase inguiável, pilotá-lo nos limites era um pesadelo e o prazer da sua condução era nulo. A sua carroçaria mais curta tornou-se noutro grande problema, com a distribuição de pesos a cair toda na frente e a maneabilidade a ser constantemente posta em causa, por muito avançadas que fossem as soluções introduzidas na tração às quatro rodas.

Foram precisos seis meses para que um Sport Quattro chegasse ao fim de um rali no WRC e, entretanto, Stig Blomqvist cavalgou até ao seu título mundial com o velho Quattro, mais longo e mais pesado 50 quilos – o que foi, no mínimo, embaraçoso, mas conseguia vencer provas com regularidade.

Então, no final de 1984, a Audi percebeu que, para o Sport Quattro se tornar fiável e especialmente, competitivo, tinha que receber alterações radicais no projeto original. Ter o motor colocado à frente das rodas dianteiras destruía os pneus em aceleração brutal, coisa que não acontecia com o Peugeot 205 T16 muito melhor equilibrado. Assim, a Audi viu-se compelida a abandonar a solução que tão bem funcionava desde 1981, trocando o diferencial central por soluções de acoplamento viscoso, que foi experimentando sucessivamente, até perceber qual a que melhor se adequava às exigências do Sport Quattro. Além disso, nas versões preparadas para o Safari, que era uma prova com longos troços sempre a fundo e sempre muito rápida, recebeu uma caixa de seis velocidades. O resultado foi o Sport Quattro S1 e, logo a seguir, o S1 E2, que encerrou a carreira oficial da marca no WRC, com a extinção dos Grupo B, em 1986.

Audi Sport Quattro S1 E2: Para voar baixinho

No início de 1985, a Audi e a Peugeot começaram a pensar em alterar de forma radical a aerodinâmica dos seus carros para os tornar mais competitivos. Ambas submeteram esboços a Gabriele Cadringher, o delegado técnico da FISA que rejeitou as experiências mais radicais, como asas de grandes dimensões e entradas de ar monstruosas. Insistiu mesmo que deveriam manter os mesmos limites periféricos da carroçaria original, quando olhados a partir de cima.

Mas, como não existiam problemas de homologação com a altura dos carros ou da sua visão de perfil, o que significava que seria difícil restringir o aparecimento de derivas verticais e outras adições aerodinâmicas. O resultado foi que a Audi trabalhou melhor que a Peugeot, em argumentos como até que ponto as enormes asas traseiras eram essenciais para dirigir o ar até aos novos radiadores montados na traseira.

E, quando o Sport Quatro E2 (designação que a FISA definira como obrigatória no início do ano, identificando o número da evolução após a letra ‘E’) se estreou no Rali Olympus, nos Estados Unidos, foi um choque. O som era brutal e a aparência não lhe ficava atrás. A Audi garantiu então que o motor tinha “só” 444 cavalos, mas as más línguas falavam em mais de 500! Hannu Mikkola dominou a prova com facilidade, na frente do local John Buffum, que estava ao volante de um Audi Quattro “normal”.

Porém, a estreia no WRC foi menos bem sucedida: na Argentina, Stig Blomqvist foi o mais rápido nas três primeiras classificativas, antes de desistir, com um tubo de óleo roto.

A coroa de glória do E2 foi o Rali de San Remo, uma prova que era disputada em troços mistos – asfalto e terra. Walter Röhrl, um especialista neste tipo de condições, mostrou quão forte e imbatível podia ser o E2, terminando com mais de seis minutos de vantagem sobre Timo Salonen, num Peugeot 205 T16 E2 e com um quarteto de Lancia 037 Rally “adormecidos” a mais de um quarto de hora.

Uma vitória de… Marfim

A primeira e única vitória do Audi Sport Quattro foi no Rali da Costa do Marfim, que se disputou naquele país africano entre 31 de Outubro e 5 de Novembro. As recordações da Audi sobre essa prova não eram muito boas porque, dois anos antes, foi exatamente aí que Michele Mouton perdeu as suas hipóteses de se sagrar Campeã do Mundo. Nos treinos, um carro ficou destruído quando foi colhido por um comboio. Logo a seguir, Fabrizia Pons, a habitual navegadora de Michele Mouton ficou doente e Arne Hertz, o co-piloto de Hannu Mikkola, teve que voar à pressa da Europa, para a substituir.

Durante o rali, o carro da francesa começou a ter problemas de motor e a Audi, que pensava que tinham origem na cabeça de um dos cilindros, que terá rachado, teve uma atitude estranha: fez desaparecer o carro da francesa e um carro de treinos. Uma hora depois, Mouton apareceu ao volante de um carro cheio de saúde, enquanto o que poderia ser o muleto seguia num reboque. Depressa começaram a circular rumores de que o carro que a francesa trazia não era mais que o muleto, mas com as portas, o “capot” e outros painéis da carroçaria retirados do carro de prova… que afinal seria o que estava a ser levado no reboque. Esta alegada troca acabou por nunca ser investigada. Os comissários queriam examinar o carro suspeito numa paragem da prova, mas Roland Gumpert deixou o rali antes do final da última etapa.

Em 1984, felizmente ignorante destas recordações, Stig Blomqvist veio a dominar a prova, naquela que foi a única vitória de um Sport Quattro no WRC. O sueco, que acabaria por ser o Campeão do Mundo nesse ano, bateu Hannu Mikkola, que estava ao volante de um Audi Quattro A2, foi o 2º, com mais 22 minutos de penalização. O último lugar do pódio foi ocupado pelo casal queniano constituído por Shekhar e Yvonne Mehta, num Nissan 240RS.

PALMARÉS (14 ralis WRC-1984/85)

Estreia: Volta à Córsega 1984

1984

Rali Costa do Marfim – 1º (Stig Blomqvist/Björn Cederberg)

1985

Rali de Monte Carlo – 2º (Walter Röhrl/Christian Geistdörfer)

Rali da Suécia – 2º (Stig Blomqvist/Björn Cederberg)

Rali de Portugal/Vinho do Porto – 3º (Walter Röhrl/Christian Geistdörfer)

Rali Acrópole – 2º (Stig Blomqvist/Björn Cederberg)

Rali da Nova Zelândia – 3º (Walter Röhrl/Christian Geistdörfer)

Rali dos 1000 Lagos – 2º (Stig Blomqvist/Björn Cederberg) () Rali San Remo – 1º (Walter Röhrl/Christian Geistdörfer) ()

(*) Audi Sport Quattro S1

CARATERÍSTICAS TÉCNICAS

Motor: dianteiro, longitudinal, 5 cilindros em linha, 4 válvulas por cilindro (20 válvulas), 2.110cc, turbo-compressor

Potência Máx. (cv): 510

Binário Máx. (nm): 451

Diâmetro x Curso (mm): 79,5 x 85,0

Transmissão: Tração 4WD; caixa manual, longitudinal, 6 velocidades

Compr./Alt./Larg. (mm): 4.160/1.344/1.790

Distãncia entre eixos (mm): 2.224

Vias (mm): Dianteira – 1.465; Traseira: 1.502

Peso (kg): 1.200

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