Entrevista Pedro Almeida: “O foco é definir um programa bom para a minha evolução…”

Por a 19 Janeiro 2020 17:14

Aos 22 anos, Pedro Almeida é, entre os que andam mais à frente no CPR, de longe o piloto mais jovem e com maior futuro pela frente.

Numa altura em que se prepara para tomar decisões importantes, fizemos um balanço da sua ainda curta carreira.

Pedro Almeida terminou o último Campeonato de Portugal de Ralis na quarta posição, atrás dos consagrados, Ricardo Teodósio, Bruno Magalhães, Armindo Araújo e José Pedro Fontes. Há muito que andamos a dizer que é importante que apareçam novos jovens valores nos ralis, já que os nossos melhores pilotos, sem ainda já estarem a acusar o peso da idade – até porque a classe não se vê pelo B.I. – já não têm pela frente os mesmos anos de competição que deixaram para trás.

Por isso se tem falado da nova ‘fornada’, e nesse contexto os últimos anos foram passados a ouvir-se falar de Diogo Gago, primeiro, mais recentemente, Pedro Antunes, Miguel Correia e Pedro Almeida. Se olharmos para as respetivas idades, percebemos que Diogo Gago e Miguel Correia têm 28 anos e Pedro Antunes, 26. Só um deles é mais novo que… Max Verstappen. Pedro de Almeida tem menos dois meses de idade que o ‘portento’ holandês.

E é precisamente Pedro de Almeida que procura neste momento soluções para o seu futuro nos ralis, e como vai perceber pela entrevista mais abaixo, está a estudar a melhor solução que lhe permita abrir o caminho, para que daqui a algum tempo possamos ter novamente um piloto na alta roda dos ralis.

Há, claramente, um caminho longo a trilhar, mas existe muita vontade de se rodear das pessoas certas que o ajudem a cumprir esse caminho, e se tudo correr bem, Pedro Almeida tem todas as condições para singrar, já que apesar de já disputar ralis há quatro anos, nos últimos dois já andou na alta roda e em alta rotação de aprendizagem, ao guiar R5 no CPR.

Ter terminado em quarto do campeonato diz muito do que já anda, e aos 22 anos é o momento certo para o duplo piloto – de carros de ralis e aviões – subir o nível de exigência consigo próprio. O melhor resultado que tem no CPR são dois quartos lugares no Rali Casinos do Algarve de 2018 e 2019, mas em vários outros andou pelo top 5, 6. Como se percebe, 2020 é uma época importante para o que poderá ser o seu futuro nos ralis, e as decisões que está prestes a tomar podem dizer muito das suas intenções…

Quando começaste, e porquê, a gostar de desportos motorizados?

“O desporto automóvel vem da paixão que o meu pai também teve pelos carros e pelos ralis em especial. Desde pequeno que o acompanhava nas corridas e ficava encantado com os carros, com o público e com os mecânicos à volta dos carros, aquela adrenalina. Aquele ambiente deixava-me fascinado. Nessa altura já tinha contacto com o karting e sempre que íamos para as provas andava ali em volta do carro, dos preparadores, perguntava muito, porque tudo aquilo era para mim muito interessante. Sabes aquela pergunta que te fazem em pequeno, ‘o que é que queres ser quando fores grande?’, eu respondia, ‘quero andar num carro de ralis!’”

Por onde começaste?

“Comecei no Karting. Aquela adrenalina começou a mexer e pela mão do meu pai comecei na escola nacional de karting. Aprendi muito ali. Não só a técnica, mas também a resiliência, o espírito competitivo, o saber ganhar e o lidar com os momentos menos bons, com o imprevisível que são as corridas. Mas a minha paixão eram os ralis. Aos 16 anos passei para o ralicross e logo que os regulamentos me permitiram, aos 18 anos, tivemos a oportunidade de conduzir um carro de ralis. Passaram quatro anos apenas e continuamos a alimentar a paixão. A partir da minha adolescência os ralis passaram a ser uma ideia a concretizar, com método, e estar no Campeonato de Portugal a um bom nível passou a ser a primeira meta.”

Quando decidiste fazer ralis?

“Como te disse antes, muito cedo. Fui para o karting porque ia dizendo ao meu pai, ‘eu quero andar num carro destes’ (na altura os Golf e Mitsubishi que ele conduzia nos regionais). Os ralis sempre me fascinaram. Gostava do karting mas as pistas não me puxavam.”

Resume o teu percurso nos ralis até aqui e finalmente fala-nos um pouco do que tem sido a evolução.

“Comecei no regional norte com um Twingo R2 e nesse ano de estreia conseguimos um quinto lugar no campeonato, com o primeiro lugar na categoria. No segundo ano adquirimos um Clio R3 e fomos fazer o campeonato galego mas as coisas não correram muito bem. Fizemos poucos ralis e dos poucos que fizemos também poucos terminámos, mas, por estranho que pareça, aprendi muito. Corrigimos erros, percebemos o que estávamos a fazer mal, onde existiam oportunidades de evoluir. E esse ano foi fundamental para o que se seguiu. Primeiro no Skoda S2000, um carro mais competitivo, percebemos que estávamos a ficar preparados para novos desafios, e depois, com a aquisição do Ford Fiesta R5, conseguimos cimentar o trabalho dos dois anos anteriores. Lembro que terminámos o CPR em sexto lugar, sem qualquer desistência, e os quilómetros realizados vão ser-nos muito importantes para o futuro. Esta temporada está mais fresca na memória de todos. Traçámos como objetivo evoluir do ponto de vista dos registos de tempo – conseguimos – e se possível melhorar a classificação final – o que também conseguimos. O maior dos objetivos da temporada também foi aqui e ali conquistado: o desafio era estar muito mais próximo dos pilotos da frente do campeonato. Todos eles têm muitos anos de ralis e uma experiência que ainda nos falta. Em alguns dos ralis conseguimos fazê-lo. Noutros aprendemos bastante, porque entendo que é na autocrítica que podemos fazer a evolução que desejamos. Estamos mais rápidos, mais confiantes e ficámos logo ali atrás dos quatro pilotos que disputaram o título até à última prova. E na frente do CPR este ano andaram todos muito depressa!”

Custou-te mais a passagem do Renault Clio R3 para o Skoda Fabia S2000 ou deste para o Ford Fiesta R5?

“Obviamente a passagem de um carro de duas rodas motrizes para um carro 4×4 é sempre mais difícil do que a passagem entre dois carros da mesma categoria. O Ford e o Skoda são carros ligeiramente diferentes, mas não deixam de ser muito parecidos na base de condução.”

A troca do Fiesta pelo Skoda Fabia R5 já não deve ter sido tão ‘stressante’. Que diferenças existem nos carros?

“Existem de facto algumas diferenças, mas essas são mais ou menos notórias dependendo do piso de que falamos. No caso da terra o Skoda tem de facto um comportamento diferente do Fiesta, sendo mais fácil de aprender e de se guiar… no asfalto, a história já é outra. O Fiesta não fica tão atrás do Skoda e é um carro fácil de guiar e competitivo. Ambos me transmitiram excelentes sensações, é apenas uma questão de gosto e da facilidade e confiança que cada um dos carros transmite nos diferentes pisos.”

Apesar de ainda estares em evolução, julgo que já notas muito as diferenças quando mexem nas afinações do Skoda. Queres explicar o tipo de afinações que podes fazer no carro, e as principais consequências que isso tem na pilotagem?

“É normal que com os quilómetros a minha sensibilidade às alterações de set-up do carro evolua, mas tento sempre fazer um trabalho de equipa com os engenheiros. Vou dando os inputs e as sensações que vou sentindo na estrada e o que me parece ser melhor para andar confortável e mais rápido. As afinações são uma multiplicidade de possibilidades e a equipa de engenheiros tem um largo conhecimento e é neste trabalho conjunto que vamos afinando e melhorando o carro. Ao longo do ano evoluímos muito neste sentido, numa perspetiva de aprendizagem mútua e de melhoria permanente.”

Nestes últimos dois anos em que correste de R5, já passaste em muitas zonas que são as mesmas. Notaste diferenças na velocidade em que passaste nesses locais, ou mesmo em troços que tenhas repetido? Tens ideia de quanto melhoraste de um ano para o outro? Quantos segundos ou décimos de segundo por quilómetro?

“Sim, noto de facto uma diferença significativa de ano para ano, penso que no geral baixei por volta de 1s por km, mais ou menos, sendo que este ano em alguns troços já estive a apenas 0.5s por km do primeiro classificado, e isso para mim é um sinal de evolução.”

Já fizeste vários quartos lugares, para quando o primeiro pódio? Em condições normais, daqui a quanto tempo pensas poder ter condições para ganhar ralis (em andamento puro)?

“Isso é uma questão um pouco difícil de responder. O nosso andamento tem melhorado muito, somos consistentes e os registos dizem que estamos de facto mais perto de… A verdade também é que o campeonato é muito competitivo, com pilotos com anos de competição e que estão todos num nível muito elevado. O nosso trabalho e esforço para melhorar vai continuar e estamos certos de que vamos chegar ao mesmo nível de todos os outros e disputar esses lugares de pódio.”

Já tens ideia do teu programa de provas em 2020? Ouvimos recentemente um rumor que falava no Peugeot 208 Rally4…

“Não temos ainda tudo definido e estamos a ponderar um conjunto de fatores, que nos levam a uma diversidade de possibilidades. O nosso foco está na evolução e na tal aprendizagem que sentimos ainda ser necessário fazer para esbater as diferenças que registamos – e que são naturais – para os pilotos mais experientes do nosso campeonato. Experimentámos recentemente o novo 208 Rally4 e gostámos, e fazer esse campeonato é uma possibilidade, mas para já apenas uma entre outras. O foco não é obsessivamente correr, é definir um programa que seja bom do ponto de vista da evolução para um piloto de 22 anos, que nas duas últimas temporadas terminou atrás de pilotos – todos eles campeões nacionais – que de carreira têm provavelmente mais anos que eu no BI… Vencer obriga a muito trabalho e nós estamos a trabalhar intensamente para conseguir concretizar esse objetivo de forma consistente no futuro. É essa análise, de quais os passos a dar para lá chegar, que estamos a ponderar e a definir.”

Depois de Fronteira, fala-me da experiência, da camaradagem, da festa, do que é guiar no TT…

“É um ambiente diferente daquele que encontro nos ralis, é de facto um espírito diferente. Quanto à condução no TT não é de todo o meu estilo, é uma condução muito ‘à vista’. Acima de tudo é uma experiência positiva que nos permite fazer corridas em terra, piso que vamos encontrar no início da nova época de ralis.”

Achas que podes vir a fazer TT no futuro, ou preferes só mesmo os ralis?

“Os ralis são de facto a minha paixão, a qual não troco por outra. A minha participação no TT é apenas lúdica – naturalmente que queremos sempre andar bem e depressa -, mas não mais que isso.”

Tens curiosidade de algum dia experimentar uma prova do WRC (para além de Portugal, claro), por exemplo a Finlândia. Há algum rali que te seduza?

“Todos os pilotos sonham com isso e eu não sou diferente. Participar em qualquer uma das provas do mundial seria uma experiência positiva, e eu gosto de passar por novas experiências e enfrentar novos desafios. Já tive a oportunidade de conduzir na neve em teste e confesso que participar em ralis com estas características me agradaria… a ver vamos o que o futuro nos proporciona.”

Deves ver por vezes os pilotos do WRC a andar, surpreende-te o que por vezes eles fazem com os carros, ou achas que com treino também lá chegas, àquele tipo de andamento num WRC?

“Claro que fico surpreendido com aquilo que vejo mas também acredito que é tudo uma questão de treino e dedicação. O patamar de exigência é enorme, bem sabemos, e é muito difícil lá chegar. No atual panorama, para um piloto português chegar a esse nível é muito difícil mas…”

Já fazes o CPR há alguns anos, o que está bem e o que está mal nos ralis? Mudavas alguma coisa?

“Faço o CPR há duas temporadas. Foram dois anos que comparados com alguns dos nossos melhores pilotos que fazem o campeonato há quase 20 anos são irrisórios. É um campeonato muito competitivo, que exige muita preparação e um orçamento elevado para poder estar ao melhor nível. O quadro de provas é positivo para jovens pilotos, permitindo somar quilómetros e aprendizagem, mas depois há muito para fazer em termos de promoção. Aqui penso que a Federação pode ter um papel importante. É necessário dar visibilidade ao calendário e tornar os ralis atrativos para o público, não só nos troços mas também nas zonas de assistência. A uniformização de um caderno de encargos para a promoção das provas seria um primeiro passo. Se os patrocinadores não virem rentabilizado o investimento nunca poderemos promover o aparecimento e a renovação do quadro de pilotos. E isto a Federação e os clubes têm de perceber rapidamente, sob pena de os campeonatos perderem pilotos, atratividade, público e patrocinadores. E todos perdemos.”

Como vês a pressão que se acentua sobre a indústria automóvel no que à redução de emissões diz respeito? Sendo tu um jovem, qual é a tua visão do problema, e como achas que o desporto motorizado deve evoluir nas suas variadas vertentes?

“A pressão não é sobre a indústria automóvel. A questão é um problema que me parece bem mais sério e de todos nós. E hoje, no nosso dia a dia, há

hábitos que temos de mudar para reduzir a pegada de carbono. Começa por aí, na nossa reaprendizagem diária e no respeito pelo espaço onde vivemos. Quanto mais exigentes formos connosco neste cuidar, mais rapidamente o mercado – o automóvel também – se irá adaptar às necessidades e exigências. Na sequência do mercado, o desporto automóvel também se saberá adaptar a esses novos tempos e evoluir nesse sentido.”

Vês-te numa questão de quatro ou cinco anos a guiar um carro de ralis elétrico?

“Os carros de competição são sempre uma extensão do mercado, numa versão tecnológica mais evoluída, com a segurança que se exige e que permita limites que num utilitário não se conseguem explorar. Não sei se os elétricos são a solução de futuro. A propulsão a hidrogénio também está em desenvolvimento. Tecnologicamente evoluímos muito rapidamente e essa é uma possibilidade. O que tenho a certeza é que os carros de ralis com energias limpas terão de ser à mesma competitivos, rápidos e que mantenham o espírito dos ralis vivo.”

E já agora, quando pensas que a aviação vai deixar os motores como os conhecemos hoje em dia. Vês-te a pilotar um avião totalmente elétrico?

“A aviação evoluiu imenso, mas é importante que não se confunda a aviação civil e o transporte de passageiros com a evolução que já existe em aviões experimentais. A segurança dos passageiros e a autonomia são a prioridade de análise e estou em crer que ainda estamos muito longe de uma solução dessas. Penso que ainda temos um longo caminho a percorrer para chegar a esse ponto, apesar de existirem empresas a anunciar que nos próximos 15 a 20 anos iremos ter aviões de passageiros elétricos. Acredito quando me colocarem um nas mãos (risos).”

AÇÕES SOLIDÁRIAS

“Gratificante e enriquecedor”

Piloto levou os ralis a instituições Ao longo do último ano Pedro Almeida visitou instituições sociais do país, em ações que tinham como objetivo promover os ralis e de responsabilidade social. “Desafiamos algum dos nossos parceiros e escolhemos um conjunto de instituições com projetos sociais, enraizadas na região onde decorreram as provas do CPR para visitar e de alguma forma contribuir para o seu bem estar. Acabamos por desenvolver as nossas ações maioritariamente junto de crianças e jovens, e de todas elas trouxemos muito mais do que levamos. Foi muito gratificante e enriquecedor” diz o piloto.

O piloto esteve em instituições de acolhimento de crianças e jovens em risco em Fafe, nos Açores e no Marco de Canaveses. Visitou ainda uma instituição de apoio a portadores de deficiência em Castelo Branco e um internato de meninas em Portimão. “Quisemos que tivessem um contacto próximo com a nossa modalidade e levamos o carro para o verem de perto, para falarmos do que são os ralis e partilhar o meu percurso na modalidade. E o sorriso e fascínio com que nos receberam é de uma satisfação incomparável!”. E os objetivos foram cumpridos como conta Pedro Almeida. “Habitualmente fazíamos estas visitas na semana que antecedia o rali e os depois reencontramos algumas das crianças e jovens no parque de assistência ou no final das classificativas, o que nos deu um gozo enorme”.

Com o apoio de um conjunto de parceiros Pedro Almeida deixou ainda em cada instituição apoio para as atividades de cada uma delas. “Nos Açores deixamos uma pequena biblioteca e em Portimão equipamos o espaço com um computador. Em Fafe, onde todos são fãs de ralis, entregamos uma consola com WRC. Gestos simples mas que alegram quem nos recebeu”.

O piloto espera repetir algumas ações idênticas na próxima temporada. “Queremos continuar com estas iniciativas, não só pelo contributo que podemos dar mas também pela valorização do desporto motorizado. Há muito que podemos fazer”.

Visitamos o Lar da Criança em Revelhe-Fafe (acolhimento de crianças e jovens em risco) Lar Mãe de Deus em S.Miguel Açores (acolhimento de crianças e jovens em risco – perto de uma centena de utentes) ART – Associação de Respostas Terapêuticas no Marco de Canaveses (jovens entre os 14 e os 18 anos institucionalizados) APPACDM de Castelo Branco (mais de uma centena de utentes) Casa Nossa Senhora da Conceição em Portimão (internato feminino).

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