Quo vadis WTCR?

Por a 19 Março 2020 16:26

Por Sérgio Fonseca

Várias equipas deixaram o WTCR, a Oscaro deixou vago o lugar de patrocinador principal, Marrocos fechou a torneira, e ainda apareceu o COVID-19. Neste contexto, o Eurosport Events introduziu medidas drásticas para cortar nos custos, mas isso pode não chegar. Para onde vais WTCR?

Poucos terão derramado lágrimas com o esperado funeral do Campeonato do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCC) no final de 2017, mas foi com entusiasmo que (quase) todos abraçamos a Taça do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCR) em 2018. A competição mais elevada de carros de Turismo da FIA tinha novamente todos os condimentos para dar certo: uma variedade enorme de potenciais viaturas e marcas disponíveis, carros relativamente baratos, fáceis de colocar em pista e capazes de proporcionar corridas de carros de Turismo excitantes e uma cobertura televisiva internacional. Foram dois anos de relativo sucesso, mas a terceira temporada está a ser um tormento.

Na altura em que este artigo foi escrito, confirmados para a nova temporada que, se a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) deixar, arrancará no primeiro fim-de-semana de Junho, havia nove pilotos e treze carros confirmados. Este cenário desolador contrasta com o campeonato do ano passado, que contou com vinte e seis carros a tempo inteiro e um cardápio de pilotos que orgulhava o promotor – #WTCR2019SUPERGRID, lembram-se?

A quatro meses do sinal verde de início de temporada ainda muito pode mudar, poderão alguns alegar, no entanto, o tardio início de época é fruto de um infeliz destino e se o campeonato arrancasse em Abril em Marrocos, como o previsto, arriscávamos a ter uma grelha de partida bastante despida.

No defeso, o WTCR perdeu uma série de equipas pelas mais diversas razões. A Sébastien Loeb Racing retirou os seus quatro carros quando num dia em que a Volkswagen Motorsport testava o futuro Golf TCR alguém lá no alto da administração da marca de Wolfburgo resolveu ditar que corridas sem serem eléctricas eram para acabar. Não tardou para a Audi, que há muito se queixava dos custos do campeonato, lhe ter seguido as pisadas, retirando todo o apoio à disciplina TCR, o que ditou a partida da WRT. O Team Mulsanne também cessou a sua campanha, pois a Romeo Ferraris não tem capacidade financeira para fazer a WTCR e desenvolver o Giulia ETCR ao mesmo tempo. A KCMG partiu, igualmente, para outras paragens, enquanto a Comtoyou devolveu os seus dois Cupra e da marca espanhola, que até tem um carro novo, não se espera uma presença robusta este ano.

Mas houve mais duros golpes neste incaracterístico defeso. A Oscaro deixou vago o lugar de patrocinador principal e Marrocos, uma prova que contribuía simpaticamente para os cofres do promotor, resolveu abdicar da sua corrida. E como um mal nunca vem só, o novo coronavírus obrigou a cancelar eventos, como os Test Days em Espanha e a popular visita ao Hungaroring, restando saber o impacto económico futuro.

Perante este cenário de grande aflição, o Eurosport Events, o promotor do WTCR, introduziu em Fevereiro uma série de novas medidas drásticas para cortar nos custos: reduziu para duas o número de corridas por fim-de-semana, encurtou os dias de pista para apenas dois e diminuiu o número de pessoal por equipa e o número de pneus slicks disponíveis. Mais, do Conselho Mundial da FIA do início do mês saíram mais resoluções, estas para tentar cativar o interesse de potenciais “wildcars” que terão agora uma inscrição 5,000 euros mais acessível. Por outro lado, estes “convidados de uma corrida só” terão apenas de carregar 10kg de lastro suplementar, em vez dos 20kg obrigatórios anteriormente.

François Ribeiro, o responsável máximo do Eurosport Events, não podia ser mais claro a admitir que todas estas medidas foram introduzidas devido “aos orçamentos insustentáveis e ao conhecimento do impacto que o surto do novo coronavírus está a ter na economia global”. Esta acção foi “uma necessidade, temos que seguir em frente de uma forma responsável”. Mas como estas medidas poderão não ser suficientes, uma “taskforce” foi criada para reduzir ainda mais as despesas de todos os participantes em 2021.

Este vendaval não é todo fruto do acaso. A WTCR tem um elefante no quarto. A temporada transacta foi não isenta de polémicas dentro e fora da pista; e esta última deixou marcas. A Hyundai e a Lynk & Co travaram uma luta fratricida pela vitória, o que seria lógico se o campeonato não fosse pensado para “os privados”. Claramente estas duas marcas puseram um esforço de combate incomparavelmente superior ao da Honda ou das três marcas do Grupo Volkswagen.

Foi várias vezes reportado, ora pela imprensa, ora pela boca de alguns pilotos, que a Lynk & Co foi “levada ao colo” ao longo da temporada, com um Balanço de Performance (BoP) alegadamente bastante favorável em algumas rondas. Os chineses que fazem parte do império da Zhejiang Geely Holding Group colocaram um carro em pista que não tinha uma versão cliente disponível no mercado, o que confinou durante o ano todo os técnicos da WSC Group, responsáveis pelo BoP dos campeonatos TCR, e a FIA aos dados recolhidos nos fins-de-semana da WTCR. Isto, ao contrário dos outros modelos que correm nos diversos campeonatos nacionais e regionais de TCR e por isso com muito mais informações à disposição de quem constrói um maior factor de equilíbrio da competição. Em Outubro, a Geely Group Motorsport disse que estava disponível para clientes, mas sabe o autor, por experiência própria, que em 2019 colocar as mãos num Lynk & Co 03 TCR foi missão impossível (e talvez ainda hoje o seja).

Os construtores presentes na WTCR, independente do que investem e de como o fazem, estão lá com uma estratégia para vender carros de corrida a clientes. Porém, a Lynk & Co foi mais além e apostou no campeonato para promover a nível mundial a marca fundada a apenas há três anos, investindo proporcionalmente ao objectivo único de coleccionar títulos. Esta investida desigual acelerou a retirada de duas marcas do Grupo Volkswagen e assustou outras que podiam entrar. É de recordar que Bruno Famin, o director desportivo da Peugeot, retirou os apoios ao WTCR no final da época de 2018, por achar que não se justificava, canalizando esses fundos para apoiar os seus clientes em campeonatos regionais ou nacionais.

Tanto a FIA, como o Eurosport Events, sabem que é vital para uma “competição cliente” manter os custos sob controlo, mas também admitem que é difícil colocar um travão nos construtores quando estes passam a ver o campeonato como uma boa plataforma para activar a sua imagem de marca. O ano passado quase todos pisaram o risco, basta alvitrar que dos 26 pilotos, 18 eram assalariados das marcas.

A Hyundai Motorsport construiu o i30 N TCR e todos os carros eram colocados em pista pela BRC Racing Team, que beneficiava de vários técnicos da … Hyundai Motorsport. A KCMG de KCMG tinha praticamente só a licença desportiva, porque os Civic TCR eram assistidos na integra por técnicos da JAS Motorsport, a ex-equipa de fábrica da Honda no WTCC e responsável pelo projecto TCR da marca nipónica. A Sébastien Loeb Racing só optou por correr com quatro Volkswagen porque a marca alemã encontrou os fundos para tal. A Audi Sport e a Cupra Racing foram aquelas que menos esforço fizeram, com a marca de Ingolstadt a emprestar três dos seus pilotos e a oferecer apoio técnico gratuito durante os fins-de-semana, ao passo que o construtor espanhol despendeu ainda menos.

A Lynk & Co foi um caso à parte e continuará a sê-lo perigosamente este ano. Os quatro exemplares da marca serão colocados em pista pelas equipas Cyan Racing Lynk & Co e Cyan Performance Lynk & Co. É falácia acreditar que a Cyan Racing, que desenvolveu e colocou em pista o Volvo S60 TC1 no WTCC, é o construtor do Lynk & Co 03 TCR. Não é. O carro chinês nasce nas novas instalações da Geely Motorsport Group no Reino Unido. A Cyan Racing é uma entidade independente da Geely/Lynk & Co, depois do seu dono, Christian Dahl, ter vendido a parte de “performance vehicles” Polestar ao Geely Group em 2015 e ter ficado para si com a equipa de corridas. É este o argumento da Lynk & Co para se defender das acusações e é esta fina fronteira que tanto deixa frustrado Andrea Adamo. Ironicamente

Embora o promotor da Taça, o WSC Group e a FIA tenham implementado regras e controlos para proteger a categoria, a definição de fronteiras é claramente uma área que precisa de mais desenvolvimento. Todas as equipas, marcas e os organizadores terão de montar um quadro que estabeleça claramente o que todos podem ou não fazer. Caso contrário, todo o paddock continuará a lançar entre si acusações de quem é e quem não é uma equipa de fábrica, prejudicando a percepção de justiça dos resultados finais perante os fãs.

Nestes tempos conturbados, uma grelha encolhida de dezasseis ou dezoito carros não será dramática para a WTCR, mas mais um ano em que os problemas de estrutura do campeonato sejam atirados para baixo do tapete e este arrisca-se a ter um funeral antecipado.

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