GTE/GT Le Mans nos EUA: Uma categoria que terá sido ultrapassada

Por a 8 Abril 2020 16:46

Por Sérgio Fonseca

FOTOS JB Photopress/José Bispo; IMSA Photo/R. Dole, J: Galstad

A ACO e a IMSA entenderam-se quanto às regras, mas os construtores do GTE/GT Le Mans ponderam agora se vale a pena manterem as suas equipas oficiais pois com um programa LMDh pelo mesmo valor de um GTE, este com hipótese de vencer corridas à geral, isso poderá ter impacto na classe GTE, habitualmente muito competitiva. O futuro o dirá.

Enquanto o Automobile Club l’Ouest (ACO) e a International Motor Sports Association (IMSA) esfregam as mãos de contentes pelo acordo conseguido para que os protótipos da futura categoria LMDh possam correr no Campeonato do Mundo FIA de Endurance (WEC) em 2021/2022 e no IMSA SportsCar Championship a partir de 2022, os construtores que estão oficialmente na categoria GTE (‘GT Le Mans’ nos EUA) coçam a cabeça e pensam duas vezes se vale pena continuar com as suas equipas de fábrica.

A Aston Martin, a Porsche e a Ferrari são as três únicas marcas que ainda estão no WEC, enquanto a BMW e a Chevrolet estão representadas oficialmente na classe GTLM do IMSA WeatherTech SportsCar Championship, assim como a Porsche. A questão que se coloca é por quanto tempo mais estas ficarão numa categoria que não parece capaz de atrair novos construtores, que não luta por vitórias à geral e cujos orçamentos vão ser muito próximos da próxima geração de protótipos vencedores.

Quando o consórcio liderado pelo multimilionário Lawrence Stroll entrou para o capital da deficitária Aston Martin Lagonda Global Holdings, o primeiro reflexo desportivo foi a afirmação da Racing Point como equipa oficial da prestigiada marca britânica de carros desportivos na Fórmula 1, e a seguir o cancelamento do projecto Valkyrie Le Mans. Os responsáveis da marca que colocaram o ónus do adiamento por tempo indeterminado do seu hipercarro nos baixos custos da categoria LMDh, rapidamente vieram dizer que a Aston Martin Racing estava de “pedra e cal” no WEC, com o seu programa na classe GTE-Pro. No entanto, o cenário actual diz-nos provavelmente o contrário.

A necessidade de injecção de mais capital, o esforço suplementar que vai exigir da marca para estar na Fórmula 1 e a crise económica que aí vem são ingredientes justificativos para colocar um ponto final na presença a nível oficial da Aston Martin na categoria máxima das corridas de Grande Turismo. Contudo, a Aston Martin quer manter um pé nas corridas de GT. “O Vantage é o nosso carro de corridas”, David King, o presidente da Aston Martin Racing, disse aos jornalistas na Lone Star Le Mans. “Nós temos tido sucessos na GT4, GT3 e GTE. Estamos muito empenhados nisto”.

Com as vendas do Vantage GT3 e GT4 a correrem relativamente bem, a Aston Martin poderá muito bem dizer adeus à sua equipa oficial na categoria GTE, sem beliscar o espírito da marca, e concentrar-se no apoio aos seus clientes, até porque o próprio David King acredita que “se puderes correr com um programa LMDh pelo mesmo preço de um programa GTE e houver a hipótese de venceres corridas à geral, então obviamente que haverá movimentos [de construtores] em direcção à LMDh. E que impactos terá na GTE? Não sei. Espero que fortaleça a classe Am e penso que será um desafio para a classe Pro”.

Esta opinião é partilhada por, “se avançarmos com uma nova plataforma, a GTE morrerá”, acredita Antonello Coletta, o dirigente máximo da Ferrari Corse Clienti. O italiano está pouco convencido de um futuro risonho para categoria principal de GTs do ACO. ”Pode ser que a GTE Am dure por dois ou três anos”, afirmou recentemente o responsável transalpino. A marca de Maranello mostrou interesse na futura classe LMDh, mas as suas intenções, que passam por ter um controlo total da construção do carro, chocam com a filosofia “low-cost” do regulamento.

A perigosa conversa da convergência que pretendia trazer os regulamentos técnicos da categoria GTE para a GT3 caiu em saco roto, mas isso não impediu a Ferrari de construir um ‘carro de convergência’, compartilhando o chassis e grande parte da mecânica entre os seus 488 das duas classes. Tendo como principal prioridade, se não única, a Scuderia Ferrari na Fórmula 1, as corridas de GT vão sendo o recreio predilecto para a Ferrari Corse Clienti e não só. Até porque vender uns quantos GTE a equipas privadas que ainda queiram correr no WEC ou no European Le Mans Series, se as houver, e uns outros tantos GT3, chega perfeitamente para manter o livro de contas do departamento de clientes muito acima do vermelho.

No final de Março, Pascal Zurlinden, o responsável máximo da Porsche Motorsport, anunciou aos sete ventos que recebeu “luz verde” da administração da marca de Weissach para avaliar a categoria LMDh, mas relembrou que “no passado, corremos com um programa oficial LMP1 Hybrid no WEC junto com uma equipa de fábrica na GTE Pro”. Falando em nome da Porsche, Zurlinden disse também que não vê qualquer necessidade de convergência na categoria GTE, pois existe actualmente uma base sólida de clientes. O Porsche 911 RSR GTE encerra o capítulo de carros de competição com base no modelo 991 e tal como os seus semelhantes que o precederam é um sucesso de vendas. Portanto, enquanto houver mercado para vender os seus produtos, a Porsche não virará costas à categoria.

Porém, Zurlinden sabe tão como todos nós que o resultado final do impacto económico da pandemia do novo coronavírus não será favorável a nenhum construtor automóvel e não haverá espaço para esbanjamentos ou caprichos sentimentalistas. Com a marca igualmente envolvida oficialmente no Campeonato FIA de Fórmula E e com uma fortíssima presença nas provas de GT3, dificilmente os burocratas de Zuffenhausen irão aceitar ter duas equipas de fábrica em categorias diferentes num mesmo campeonato, sendo que só a conta do programa ‘WEC GTE-Pro’ rondará os 20 milhões de euros anualmente segundo a imprensa alemã.

A Chevrolet e a BMW estão envolvidas oficialmente na categoria, mas ambas cingindo as suas participações às pistas norte-americanas. Os homens de Detroit só costumam sair de Terras do Tio Sam para se aventurarem nas 24 Horas de Le Mans, enquanto o projecto internacional dos alemães com o M8 GTE terminou no final da época passada, por uma série de motivos, incluindo resultados aquém das expectativas. Se os custos forem bastante similares, ambas as marcas poderão optar por um LMDh dentro de anos, sendo que a Chevrolet já foi apontada como candidata a substituir a Cadillac, que não comercializa viaturas híbridas, como a marca da General Motors para a classe rainha das corridas de endurance nos EUA.

Com um novo ciclo de homologações previsto para 2022, as dúvidas adensam-se sobre o futuro da categoria. Com a evolução que os actuais GT3 têm sofrido nos últimos anos, bem para lá do limite da sua essência mais básica, provavelmente hoje os GTE deixaram de fazer sentido.

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