FERNANDO ALONSO: A QUEDA DE UM ANJO

Por a 9 Janeiro 2019 19:15

Não tem um palmarés recheado como outros, parece que esteve (quase) sempre do lado errado da estrada e as suas fortes convicções traíram-nos amiúdes vezes, mas após mais de trezentas corridas na Fórmula 1 e muitas demonstrações de um talento fora do comum, Fernando Alonso deixou a Fórmula 1 pela porta pequena da McLaren, mas com o estatuto de um dos melhores de sempre quando sentado num monolugar de F1.

Perdeu o Campeonato Europeu de Karting de 1998 para César Campaniço, o multicampeão nacional de velocidade, e ganhou o Open Nissan no ano seguinte após seis vitórias e uma luta sem quartel com Manuel Gião. Foi duas vezes Campeão do Mundo de Fórmula 1 (2005 e 2006) mas poderia, sem dúvida, ser outro dos pentacampeões juntamente com Juan Manuel Fangio, Michael Schumacher e Lewis Hamilton caso tivesse a pontinha

de sorte necessária nestas coisas para conquistar os títulos de 2007, 2010 e 2012.

Nasceu em Oviedo no dia 29 de julho de 1981 e logo aos quatro anos estava sentado num kart feito pelo seu pai – um mecânico de explosivos que era um piloto amador no karting – dois anos antes. O talento atrás do volante era inegável e passando às competições oficiais Fernando Alonso Diaz demoliu a concorrência: ganhou as oito provas do campeonato das Astúrias de Karting em 1990, colecionou títulos espanhóis e à segunda tentativa, em

1996, ganhou o Campeonato do Mundo de Karting.

A entrada no novo milénio assistiu à chegada do piloto espanhol à Fórmula 1, com Flavio Briatore que, ao perceber que tinha em mãos um diamante, colocou-o dentro de um Minardi como piloto de testes da equipa de Giancarlo Minardi. Efémera passagem pelo estatuto de piloto de testes pois em 2001 era titular da equipa de Faenza e, na época, foi o quinto piloto mais jovem a estrear-se na F1. Tinha menos de 20 anos, precisamente

19 anos e 7 meses, quando Paul Stoddart o acolheu para acompanhar o brasileiro Tarso Marques. O PS01 era demasiado medíocre, mas Fernando Alonso deu logo nas vistas: na qualificação para o GP da Austrália bateu o seu colega de equipa por 2,6 segundos! Depois, durante o ano, com um carro que não evoluiu e que era o pior do plantel, o espanhol bateu os Benetton por duas vezes, algo que deixou a comunidade da Fórmula 1 com os olhos bem abertos perante as qualidades do espanhol. Porém, a exibição que deixou todos com as órbitas de fora foi no GP do Japão, em Suzuka: ficou muito longe dos pontos, mas como referiu Paul Stoddart: “Foram 53 voltas em ritmo de qualificação, envergonhando pilotos como Heinz Harald Frentzen e Olivier Panis.”

Briatore não conseguiu colocar o seu pupilo em nenhuma equipa, mas a sua influência na nova equipa Renault, erigida sobre a base da Benetton, adquirida pela marca francesa, permitiu-lhe meter Alonso no fato de piloto de testes da Renault em 2002, com a promessa de um lugar de titular em 2003. O prometido não foi de vidro e, naquele ano, Fernando Alonso chegava a uma equipa competitiva às custas de Jenson Button, tendo como colega de equipa Jarno Trulli. E não tardou a justificar a escolha: no GP da Malásia, com 21 anos e 236 dias, Alonso tornava-se no mais jovem piloto a conseguir uma pole-position, recorde que seria batido, apenas, por Sebastian Vettel (fez a pole- -position no GP de Itália de 2008 com 21 anos e 72 dias). E não tardou muito a ser o mais jovem piloto de sempre a conquistar uma vitória na Fórmula 1, no GP da Hungria de 2003 com a idade de 22 anos e 26 dias. Foi ultrapassado por Max Verstappen (venceu o GP de Espanha de 2016 com 18 anos e 228 dias) e por Sebastian Vettel (ganhou o GP de Itália de 2008 com 21 anos e 73 dias), sendo hoje o terceiro piloto mais jovem a ganhar um Grande Prémio. Corrida onde ofereceu uma volta de avanço a Michael Schumacher, o cinco vezes campeão em título. O seu primeiro ano a sério na Fórmula 1 terminou com um sexto lugar.

O ano seguinte foi um massacre por parte da Ferrari, com a Renault e Alonso a terem muitas dificuldades. Não surgiu a segunda vitória e o espanhol acumulou frustrações com as saídas de pista no Mónaco e em Monza, quando estava em posição de desafiar Schumacher e o excelente Ferrari F2004 para a vitória, e não evitou que Jarno Trulli lhe desse muito que fazer na primeira metade da temporada. O italiano conseguiu no Mónaco a sua primeira pole-position (após 117 GP) e a sua única vitória na F1, deixando Alonso verde de raiva pelo erro que cometeu. Felizmente para o espanhol, Briatore “embirrou” com o seu compatriota e despediu-o a três provas do final da temporada 2003.

O PRIMEIRO TÍTULO

Assumindo que queria ser Campeão do Mundo, Fernando Alonso começou o ano de 2005 de forma impressionante com um terceiro lugar na Austrália e três vitórias de rajada nos GP da Malásia, Bahrain e São Marino. Com mais uma mão cheia de vitórias e muita regularidade, Alonso conseguiu controlar o seu grande rival de 2005, Kimi Räikkönen, ao volante do McLaren MP4-20/Mercedes. Mas o seu primeiro Mundial de F1 deve-se, também, à fiabilidade do conjunto face a um Ferrari F2005 que deixou apeado o finlandês no Nurburgring e em Hockenheim, palcos de duas vitórias de Alonso. Contas feitas, o espanhol ganhava o seu primeiro título com 24 anos, 1 mês e 27 dias, sendo, na época, o mais jovem vencedor de Grandes Prémios, batendo Emerson Fittipaldi por ano e meio. Entretanto, Sebastian Vettel (23 anos e 134 dias) e Lewis Hamilton (23 anos e 300 dias) bateram o espanhol, respetivamente, em 2010 e 2008.

A irreverência de Alonso ficou evidente quando no defeso de 2006 anunciou, de forma perfeitamente extemporânea, que iria abandonar a Renault e ingressar na McLaren-Mercedes em 2007. Ficou aberta a via para um ano errível que o espanhol transformou no segundo título consecutivo, sendo o mais novo piloto a conseguir esse feito com 25 anos e 85 dias. Foi batido por Sebastian Vettel que em 2011 conseguiu o segundo cetro consecutivo em 2011 com 24 anos e 99 dias. A temporada de 2006 conheceu uma superioridade da Renault que permitiu ao espanhol ganhar seis corridas na primeira metade da temporada (Bahrain, Austrália, Espanha, Mónaco, Grã-Bretanha e Canadá) e ficar por três vezes no segundo lugar (Malásia, São Marino e Europa), batendo sem apelo nem agravo Michael Schumacher. Parecia que o segundo título seria um passeio pelos bosques para Fernando

Alonso. No entanto, a cada vez pior relação com a equipa, depois do extemporâneo anuncio de saída da equipa, a decisão da FIA em ilegalizar os amortecedores especiais de massa, o “segredo” da competitividade da Renault, uma porca de roda mal apertada na Hungria e um motor partido em Monza, esfumaram toda a vantagem amealhada pelo espanhol que chegou ao GP do Japão em igualdade de pontos com Michael Schumacher.

A sorte sorriu a Alonso pois em Suzuka venceu e viu o motor do Ferrari do alemão partir. Teria de marcar um ponto no GP do Brasil e com um segundo lugar contra um 4º posto de Schumacher, Fernando Alonso tornou-se o oitavo piloto da história da F1 a conquistar o segundo título consecutivo.

AS ESCOLHAS ERRADAS

Começou aqui um longo rol de escolhas erradas que o impediria de enriquecer o palmarés. Desembarcou na McLaren-Mercedes em 2007 tendo como colega de equipa o protegido de Ron Dennis e vencedor da GP2, um tal de Lewis Hamilton. Nada o parecia abanar até porque o MP4-22 se mostrou muito competitivo e duas vitórias (Malásia e Mónaco) e quatro pódios, na primeira metade da época, deram-lhe a liderança do campeonato, abrindo um postigo para o terceiro título consecutivo. Mas Hamilton revelou-se o melhor estreante de sempre na F1 e “mordia” os calcanhares ao espanhol que, mostrando a sua falta de diplomacia e alguma irascibilidade, acusou

o seu patrão, Ron Dennis, de beneficiar o jovem Hamilton.

Esta situação prejudicou, bastante, Alonso que, ainda assim, não deixou de mostrar todo o seu talento com uma vitória de antologia no Nurburgring, à chuva. Mas estava a caminho um dos pontos mais baixos da sua carreira: com o ambiente a deteriorar-se cada vez mais e com Alonso sem falar com Dennis e alguns elementos da McLaren, Hamilton coloca os ombros de fora, ganha quatro corridas e deixa o espanhol a espumar de raiva. O título

foge para a Ferrari, com Kimi Räikkönen a mostrar-se imparável nos GP da China e do Brasil, depois de Alonso ter errado em Fuji, no GP do Japão, e Hamilton ter deitado tudo a perder com um despiste à entrada das boxes do circuito de Xangai, a par de no Brasil nenhum dos McLaren-Mercedes mostrar andamento para bater o finlandês da Ferrari.

Pelo caminho, a McLaren foi acusada de espionagem à Ferrari, através de Mike Coughlan, e na Hungria Alonso foi penalizado por ter bloqueado Hamilton por ordem de Ron Dennis e, a cereja no topo do bolo, Fernando Alonso foi chamado a depor no Conselho Mundial da FIA e testemunhou contra a McLaren, dizendo que recebeu por correio informações confidenciais sobre o Ferrari F2007. A McLaren foi desclassificada do Mundial de Construtores de 2007. Terminava a relação com a McLaren–Mercedes após um ano apenas de contrato, regressando à Renault depois de ter sido tentado pela Red Bull. Flavio Briatore acolhe de braços abertos o seu pupilo, colocando a seu lado Nelson Piquet Jr..

Mas nada estava como antes e a Renault estava longe de ser competitiva, tendo o espanhol muita dificuldade de sair do meio do pelotão com o R28. Lampejos do seu talento surgiam como o segundo lugar da grelha em Espanha, que acabou em malapata, pois o motor não funcionou no dia da corrida e o piloto nem sequer arrancou para a prova. Alguns erros pouco habituais vão salpicando a temporada que na fase final vê um R28 mais competitivo que oferece duas vitórias, em Singapura e no Japão. Se esta última foi conseguida no braço com uma demonstração de virtuosismo fantástico, a primeira foi uma aldrabice pegada pois Briatore mandou Nelson Piquet Jr. bater de propósito para entrar o Safety Car e oferecer ao espanhol a oportunidade de vencer depois de ter sido dos primeiros a reabastecer. Ficou em pista e bateu, facilmente, Nico Rosberg e Robert Kubica.

O PERÍODO FERRARI

Após mais um ano na Renault – em 2009 – sem possibilidade de brilhar devido ao R29 mostrar-se pouco competitivo, Fernando Alonso oficializa a sua passagem para a Ferrari em setembro desse ano, tendo a seu lado em 2010 o brasileiro Felipe Massa. Stefano Domenicali acreditava que o espanhol seria o sucessor de Michael Schumacher que Kimi Räikkönen não tinha sido. Novo passo em falso pois a Red Bull trouxe Sebastian Vettel da Toro Rosso para a equipa principal e Adrian Newey começava a desenhar carros que rimavam com o motor Renault. Para piorar as coisas, o F10 da Ferrari não estava ao nível dos restantes, com a equipa italiana a mostrar tendência para a asneira em termos táticos. A mais evidente, o pedido expresso da equipa para Felipe Massa deixar passar Alonso no GP da Áustria, chocando de frente com o regulamento. Safaram-se com uma palmada na mão, mas ficava claro que a Scuderia tinha eleito Alonso como o líder da equipa, amachucando Massa.

Ultrapassados os problemas, Alonso disparou para os primeiros lugares e faltou-lhe um bocadinho assim para chegar ao terceiro título em 2010. Cometeu mais um erro pouco comum, à chuva, na Bélgica, mas chegava a Abu Dhabi, derradeira prova da temporada, com oito pontos de avanço sobre Webber, 15 sobre Vettel e nada menos que 24 sobre Hamilton. Alcançou um terceiro lugar na grelha e tinha o quarto posto no final da primeira

mão cheia de voltas. Porém, Fernando Alonso foi traído pela tendência para a asneira da Ferrari em termos táticos: decidiram decalcar a estratégia de Mark Webber e não a de Sebastian Vettel, não foram eficazes nas boxes e Alonso ficou preso atrás de Vitaly Petrov que se mostrou inamovível. Vettel vencia a corrida e o espanhol seria apenas sétimo, perdendo o título por quatro pontos. O ano de 2011 foi mau para quem ambicionava uma terceira coroa mundial, pois obteve apenas uma vitória, em Silverstone, fechando a temporada no quarto lugar, muito longe do bicampeão Sebastian Vettel.

O ano seguinte parecia ir correr pior, já que o F2012 mostrou-se medíocre nos testes de pré-temporada. Mas a verdade é que Alonso foi aproveitando erros alheios, um desenvolvimento assertivo do chassis e algumas decisões acertadas em termos de estratégia para chegar a meio da temporada na liderança do campeonato. Uma vitória no GP da Europa e no GP da Alemanha deram-lhe essa posição. Foi resistindo, mesmo depois do abandono em Spa e de um terceiro lugar em Monza, chegando ao périplo asiático ainda na frente da competição. Mas a partir daqui tudo se precipitou: Vettel venceu quatro corridas de seguida (Singapura, Japão, Coreia e Índia) e Alonso registou três pódios e um abandono em Suzuka. O drama acentuou-se: Sebastian Vettel foi desclassificado dos treinos de qualificação em Abu Dhabi devido a não ter combustível suficiente, de acordo com o

regulamento, mas Alonso não conseguiu mais que ganhar três pontos ao alemão; nos EUA, Vettel ganhou pontos a Alonso e ficava tudo por decidir no Brasil. Aqui Vettel desentendeu-se com Bruno Senna na primeira curva e ficou em último, pelo que bastava a Alonso ficar no pódio para ser campeão. Mas o alemão recuperou de forma impressionante até ao sexto lugar em apenas 20 voltas e Alonso não conseguiu melhor que o segundo lugar.

Desta feita, perdia, novamente, o título para Vettel por meros três pontos. Voltou a ser segundo em 2013, mas muito longe do tetracampeão Sebastian Vettel, tendo ganhado apenas duas provas (China e Espanha). Longe estava o espanhol de saber que estas seriam as últimas vitórias da sua carreia na Fórmula 1.

Manteve-se na Ferrari em 2014, mas nesta altura já a casa italiana estava “farta” de Alonso e este farto de ficar sempre como vice-campeão, o carro não era lá grande coisa e o espanhol decidiu mudar de ares para a McLaren, acreditando que a ligação à Honda lhe iria revitalizar a carreira. Estava profundamente errado e na Austrália em 2016 sofreu um dos piores acidentes da sua carreira, que o colocou fora de combate durante duas semanas. Em 2015, ano de estreia com a McLaren, foi 17º no campeonato, melhorando em 2016 para 10º – famosa a frase “motor de GP2… motor de GP2” – voltando a piorar em 2017 para 15º. Em 2018, foi 11º, ano que

marcou o adeus do espanhol à Fórmula 1. Diz ele que é temporário, mas a caminho dos 38 anos dificilmente alguém de uma equipa de topo irá oferecer um lugar a Fernando Alonso, o homem cujo tamanho do palmarés não faz jus ao tamanho do seu talento.

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