» Textos: Nuno Branco

» Fotos: Arquivo Autosport

 

HISTÓRIA DO RALI DE PORTUGAL, CAPÍTULO V, 2002 – 2009, REGRESSO À RIBALTA


Após a exclusão do Campeonato do Mundo, o Rali de Portugal demorou a encontrar-se. Perdido por terras transmontanas, valeu-lhe uma renovada Comissão Organizadora, consciente do caderno de encargos que nos devolveria a esperança. Deslocada para o Algarve, a prova reconquistou a confiança da FIA e em 2007, recebeu novamente o grande circo do Mundial.

Durante a campanha para a presidência do ACP, Carlos Barbosa prometeu aos associados trazer de novo o Mundial para terras portuguesas. Com uma equipa experiente, montou uma prova irrepreensível no Algarve e iniciou o “namoro” com a FIA. Três anos depois, o Rali de Portugal voltava a integrar o Campeonato do Mundo.

Em Outubro de 2001, a FIA confirmava aquele que era já o destino provável para o Rali de Portugal. As duras críticas feitas à Organização após a edição daquele ano, deixavam antever que muito dificilmente a prova portuguesa se manteria no restrito clube dos ralis do Mundial. O violento temporal que fustigou o país, transformou as nossas florestais num verdadeiro inferno para os pilotos, que revelaram jamais ter disputado troços em condições tão adversas de aderência e visibilidade. Segundo os relatórios dos observadores da Federação Internacional, não estavam reunidas as condições de segurança para a realização das classificativas, alegando que em caso de necessidade, as ambulâncias não conseguiriam aí transitar para socorrer os concorrentes. A Organização refutou estas acusações, mas a decisão estava tomada e o TAP foi excluído do Mundial, dando lugar ao Rali da Alemanha. A economia germânica e a dimensão do seu mercado automóvel eram fortes argumentos, aos quais a FIA não foi insensível e a sua inclusão no Campeonato tornou-se quase inevitável. Perante os acontecimentos de 2001, o Organismo internacional não hesitou em substituir o rali de um país cuja posição na Praça da Concórdia, estava francamente debilitada após a morte de César Torres, pela super-potência alemã.

A decisão abalou fortemente a Comissão Organizadora presidida por António Matos Chaves, e os tempos que se seguiram foram marcados por alguma polémica e troca de acusações entre o ACP e a FPAK sobre a responsabilidade do sucedido. Não se resignando ao triste fado que nos afastou da elite dos ralis mundiais, o ACP Sport pôs em marcha um novo Rali de Portugal, disputado no Algarve e candidato a integrar o Mundial em 2003. Mas numa altura em que tudo se deveria articular para tornar possível este objetivo, surgiram uma série de contrariedades que obrigaram o rali a marcar passo: às dificuldades em angariar patrocínios para uma prova que já não contava para o Campeonato do Mundo, juntaram-se divergências entre a Organização, o Turismo do Algarve e o poder local. Em resultado disto, e a poucas semanas da data prevista, o Rali de Portugal estava longe de reunir as condições para ir para estrada e a anos-luz de assegurar o sucesso capaz de impressionar a FIA. A solução passou por adiar a candidatura e definir uma solução de recurso. Sem local para montar a prova, valeu à Organização a proposta da autarquia de Macedo de Cavaleiros e a colaboração do clube Estrela e Vigorosa Sport, que apresentaram um rali praticamente pronto naquela região transmontana.

O PASSEIO DE AURIOL

Em Junho, a edição de 2002 ia finalmente para a estrada. Em substituição da TAP, a TMN surgia como o principal patrocinador, e embora contasse apenas para o Campeonato Nacional, garantiu a presença de alguns pilotos de craveira internacional como Didier Auriol e Andrea Aghini. Mesmo ao volante de um cansado Toyota Corolla WRC, Auriol passeou a sua classe e dominou de fio a pavio, deixando Aghini a mais de dois minutos. O italiano conheceu problemas na direção assistida no Subaru Impreza WRC, mas também não teve andamento para contrariar a superioridade do francês. Os pilotos portugueses preferiram uma toada cautelosa e, pensando nos pontos para o Campeonato Nacional, não atacaram os lugares da frente. Miguel Campos fechou o pódio, à frente de Rui Madeira e Armindo Araújo.

Seguiram-se dois anos em que a prova nunca revelou ambição para retomar o lugar que lhe pertencera no calendário internacional. Mantendo-se em Macedo de Cavaleiros, o rali dirigido por Heitor de Morais constituiu apenas mais uma etapa do Campeonato Nacional. Sem a concorrência de pilotos estrangeiros, Armindo Araújo e Miguel Ramalho, a bordo de um Citroen Saxo Kit Car carimbaram uma dupla vitória em 2003 e 2004, secundados em ambas as ocasiões por Pedro Leal, que se fazia acompanhar por outro Ramalho, neste caso, o Luis.

A ESPERANÇA

A grande viragem acontece no final de 2004, quando Carlos Barbosa sucede a Alberto Romano na presidência do ACP. Ainda durante a campanha, Barbosa prometera aos associados o regresso do Rali de Portugal ao Campeonato do Mundo. A promessa fora feita com tal convicção, que mesmo levando em linha de conta as exigências da FIA e os interesses instalados, conseguiu devolver aos portugueses a esperança de voltar a sonhar. A eleição da nova direção colocava novamente o futuro do rali na lista de prioridades do Clube. Barbosa constituiu uma equipa conhecedora, com Mário Martins da Silva à frente da Comissão Organizadora e o rigoroso Pedro Almeida na direção da prova. A edição de 2005 iniciou o assalto à mais importante competição de estrada do mundo. Para tal, toda a estrutura do rali era deslocada para sul. Apesar das classificativas do Centro e Norte continuarem a reunir excelentes condições para a prática de ralis, o exigente caderno de encargos da FIA obrigava a montar uma prova muito compacta, com evidentes facilidades logísticas onde acessos, aeroporto e capacidade hoteleira eram apenas alguns exemplos. O Algarve reunia essas condições, passando a acolher um rali que se disputaria também na região do Baixo Alentejo.

Tendo como grande patrocinador a PT, a primeira edição Algarvia formalizou a candidatura ao Mundial, saldando-se por um êxito tremendo. Ao leque de inscritos que incluía nomes como Juha Kankkunen, Didier Auriol, Mikko Hirvonen e Daniel Carlsson, todos ao volante de Subaru Impreza WRX, juntou-se uma histórica dupla aos comandos do Carro Zero: Carlos Sainz e Luis Moya. Carlsson foi o grande vencedor e Armindo Araújo deu espetáculo com o Mitsushi Lancer Evo VIII, ocupando o terceiro lugar, atrás de Hirvonen. As reações à prova foram positivas a todos os níveis: classificativas espetaculares, meios adequados e condições de segurança a merecer rasgados elogios por parte dos observadores da FIA, provando que Portugal pode e sabe conceber um rali de acordo com os rigorosos critérios dos ralis da “era moderna”.

Em 2006, o sucesso bateu de novo à porta do rali português, mas desta vez, a vertente competitiva registou ainda maior emoção com a espetacular exibição de Armindo Araújo. Apesar das difíceis condições atmosféricas, o piloto da Mitsubishi bateu uma bateria de Subarus onde vingavam Janne Touhino, Patrik Flodin, Daniel Carlsson, Markko Martin e Miguel Campos. Urmo Aava levou o Suzuki Swift à vitória na categoria S1600, depois do triunfo de Daniel Sordo em Citroen C2 no ano anterior. Curiosamente, o espanhol pilotaria o Carro Zero em 2006, nada menos que um Xsara WRC, escolhido propositadamente pela Organização com o objetivo de aferir a adequabilidade dos troços à categoria rainha da modalidade.

DE NOVO NO MUNDIAL

No final desse ano, os adeptos portugueses foram positivamente surpreendidos com a notícia de que o seu rali surgia no calendário do Mundial de 2007. Após um par de anos a trabalhar com esse objetivo, e mesmo existindo sempre a convicção de que tal poderia acontecer, a verdade é que a apetência do nosso país aos olhos da FIA não nos permitia sonhar muito alto e a sua decisão é reveladora de que a prova portuguesa e a equipa que a dirige, serão certamente das melhores de todo o campeonato. Foi num ambiente de enorme entusiasmo que, no final de Março de 2007, o agora intitulado Vodafone Rali de Portugal voltou a receber os melhores carros e pilotos do mundo. Apesar do susto provocado pelo despiste de Armindo Araújo ainda no Shakedown, e do qual resultariam dois feridos, a prova seria marcada pelo primeiro festival de Sébastien Loeb e do Citroen C4 WRC. O francês ainda teve a oposição de Marcus Gronholm na fase inicial, mas a partir da segunda etapa, descolou do finlandês. Os Ford acabariam por ser penalizados devido a irregularidades na espessura do vidro traseiro do Focus, ficando os restantes lugares do pódio a cargo de Petter Solberg, em Subaru Impreza e Daniel Sordo no outro C4. Também o regressado Rui Madeira foi vítima de irregularidades no turbo do Mitsubishi Lancer e a desclassificação deixou fugir o título de melhor português para Bruno Magalhães em Peugeot 207 S2000.

O esquema de rotatividade que entretanto voltara às provas do WRC, obrigou-nos a permanecer em pousio na época de 2008. Fora do Mundial, o rali foi imediatamente integrado no IRC, campeonato paralelo, criado pelo canal Eurosport, onde correm veículos da classe S2000. Os Peugeot 207 dominaram os acontecimentos e a vitória pertenceu ao italiano Luca Rossetti. Bruno Magalhães, em carro idêntico, foi o melhor dos lusos, garantindo o 6º lugar final. Um ano depois, Loeb estava de volta para arrebatar nova vitória. A Ford deu igualmente réplica na fase inicial, mas as cambalhotas de Latvala destruíram o Focus no troço do Malhão e Hirvonen não aguentou o ritmo do francês a partir da segunda etapa. Armindo Araújo foi uma vez mais o melhor português e a vitória na categoria PWRC seria um passo importante para a conquista do título mundial no final do ano!

Daí para cá é história recente, o rali manteve-se pelo Algarve até 2014, ‘subindo novamente a norte, em 2015, onde ganhou ainda mais élan que já trazia do Algarve.

Amanhã, os ases voltam a dar espetáculo nas florestais do nosso país. Reconquistando um estatuto de referência entre as etapas do Mundial, o Rali de Portugal encerra, em cinco décadas de vida, histórias que dificilmente serão apagadas da memória dos que viveram a emoção e a paixão da prova portuguesa. Aqueles que nunca tiveram a oportunidade de sentir um arrepio ao ouvir o roncar dos motores na encosta da serra e vibrar, segundos depois, com o recital de condução dos magos do volante, dificilmente compreenderão este fenómeno, mas terão já a partir de amanhã hipótese de se redimir. Até lá!

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