ISO GRIFO E BIZZARRINI 5300: Cara latina, coração americano

Por a 12 Janeiro 2023 16:32

Tinha passado pouco tempo desde que Giotto Bizzarrini deixara a Ferrari, e a sua aventura com a ATS não dava os frutos desejados. Mas os seus dotes como engenheiro eram procurados por muitos empresários, incluindo Renzo Rivolta, que queria construir um carro que colocasse a Iso na lista restrita de produtores de carros de luxo

Os anos 60 estão cheios de pequenos construtores que pegaram em motores da ‘prateleira’ das grandes marcas automóveis para criar um automóvel desportivo. Mas existem dois nomes que saltam à vista, por ter criado um carro difícil de igualar, e que mesmo hoje é recordado com saudade e reverência. Cada marca deu-lhe um nome diferente, mas o carro é o mesmo: originalmente lançado como Iso Grifo A3/C, ficou depois conhecido como Bizzarrini 5300.

Renzo Rivolta era um industrial de sucesso no norte de Itália, tendo feito a sua fortuna inicial com frigoríficos e aparelhos com isolamentos térmico (o nome Iso é uma abreviatura de Isothermos). Depois da Segunda Guerra Mundial, fundou a Iso Autoveicoli em Bresso, nos subúrbios de Milão, e começou também a construir motociclos. Em 1953, aventurou-se na produção de um veículo de quatro rodas, o hoje lendário Isetta, um carro que ajudou a motorizar a Itália do pós-guerra. Mas Rivolta queria mais, um automóvel exclusivo, que fosse confortável, luxuoso mas também fácil de produzir.

Em simultâneo, Giotto Bizzarrini procurava por novos desafios. Além do seu envolvimento na ATS, tinha acabado de criar um motor V12 para a Lamborghini, um construtor de tratores cujo proprietário tinha entrado em conflito com Enzo Ferrari em relação à qualidade dos produtos deste. O próprio Bizzarrini tinha saído da Ferrari a mal e queria mostrar que era capaz de fazer melhor.

Rivolta resolveu aliar-se a Bizzarrini, para tratar da parte mecânica, deixando as formas do carro a cargo de um jovem projetista da Bertone, Giorgetto Giugiaro. O primeiro carro surgiu em 1962, um coupé 2+2 batizado Iso Rivolta IR300, que devia ter um motor 2.3 da Fiat, mas Rivolta preferiu equipá-lo com o motor do Chevrolet Corvette.

O nascimento do Grifo

Depois do Rivolta, os três mentores do projeto chegaram à conclusão que queriam fazer um verdadeiro GT. O resultado foi mostrado no Salão de Turim de 1963, o Grifo A3. A nova carroçaria desenhada por Giugiaro foi montada numa versão encurtada do chassid do Rivolta, que Bizzarrini reduziu de 2700 para 2500 mm. O engenheiro italiano também copiou o sistema de suspensão e de travagem do Jaguar E-type, com triângulos duplos à frente e suspensão tipo De Dion atrás, e travões de discos às quatro rodas.

Bizzarrini podia ser um mago a criar motores, mas Renzo Rivolta queria um motor fiável e barato nos seus carros. Para isso, teve que ir às compras ao outro lado do Atlântico. Tal como o Rivolta, o Iso Grifo A3 usava o motor Small-Block 327 do Corvette, vindo diretamente de Detroit, mas que Bizzarrini desmontava e reconstruía. O resultado final era um potência de 300 cv, mas que rapidamente chegou aos 355. Essa potência continuava a ser controlada por uma caixa BorgWarner. Como Giugiaro era empregado da Bertone, era este carroçador o responsável pela produção, que só arrancou a fundo em 1965, com o carro a ser conhecido como Grifo A3/L (L para ‘Lusso’, ou luxo em italiano) ou Grifo GL.

Mas por essa altura Giotto Bizzarrini já tinha entrado em conflito com o seu patrono. Bizzarrini tinha desenvolvido as suas capacidades na competição automóvel, e naturalmente queria competir diretamente com a Ferrari, enquanto o motor do Corvette permitia-lhe criar uma rivalidade americana com os Ford GT40. Mas Renzo Rivolta não gostava muito da ideia. Bizzarrini também queria modificar a carroçaria, o que deixava de fora a Bertone como aliada nesta ideia. Então Giotto reformou a sua companhia, a Autostar, na Prototipi Bizzarrini, criando uma equipa de competição.

A caminho da vitória

Em 1964, Giotto Bizzarrini começou a produzir sozinho uma série de carros com o nome Iso Grifo A3/C (C para ‘Corsa’, ou corrida em italiano), continuando a ter acesso ao chassis, mas com a carroçaria a ser fornecida pela Carrozzeria Sports Cars do seu amigo Piero Drogo, com quem já tinha trabalhado nos projetos do ATS Serenissima e do ASA 1000. Bizzarrini inspirou-se num projeto antigo seu, o 250 GTO, cuja influência estilística era inegável, mas também tinha toques de Corvette Sting Ray. Pesando apenas 1220 kg, atingia os 275 km/h.

O A3/C começou por correr no Mundial de Sportscar na categoria de sport-protótipos, fazendo a sua estreia em competição nas 12 Horas de Sebring, um chassis inicial que foi vendido ao piloto americano Bill McLaughlin. O carro ficou classificado em 39º, mas não cortou a meta. A equipa oficial estreou-se nos 1000 km de Nürburgring, com o suíço Edgar Berney e o francês Pierre Noblet ao volante, e terminou a sua primeira corrida em 19º, correspondendo ao segundo lugar da classe. Em Le Mans, conseguiu ainda melhor, ascendendo ao 14º lugar, mas correspondendo ao quarto lugar. Apesar destes resultados prometedores, a Iso acabou por não se classificar no campeonato, pois faltou ao Targa Florio. Mas até ao final do ano ainda participou em mais três provas (que não contavam para a divisão de protótipos), estreando um segundo carro nos 1000 km de Paris, conseguindo ambos cortar a meta.

A temporada de 1965 ainda correu melhor, tendo Bizzarrini inscrito dois carros na maior parte das provas em que alinhou. Em Monza, o carro de Pierre Noblet e Mario Casoni chegou a terminar a corrida na quinta posição da geral, e a consagração aconteceu em Le Mans, onde Jean de Mortemart e Régis Fraissinet venceram a classe para protótipos com mais de 5 litros, mas o nono lugar da geral implicou um número reduzido de pontos no campeonato, onde terminou com o quarto lugar. O Grifo ainda teve mais uma vitória à classe no Mundial, na Rampa de Ollon-Villars, com Pierre de Siebenthal. Nicha Cabral foi piloto da equipa Bizzarrini em duas corridas, os 1000 km de Nürburgring e as 12 Horas de Reims, mas abandonou em ambas, vítima de suspensão partida na corrida alemã e de uma avaria na embraiagem em França.

No final da temporada, consumou-se o divórcio entre a Iso e a Bizzarrini. Assim, enquanto a marca de Renzo Rivolta continuou a produzir o Grifo A3/L, Bizzarrini renomeou o seu carro 5300 Strada, abandonando o nome Grifo. Mas em 1966, enquanto se procurava afirmar como construtor automóvel independente, apenas alinhou em três provas, abandonando em todas. Em 1967, apenas um carro correu nos 1000 km de Monza, e a marca Bizzarrini saiu da competição. Depois disso, o próprio Giotto tirou um carro da garagem para alinhar por conta própria no Targa Florio de 1973.

Caminhos diferentes, o mesmo final

Giotto Bizzarrini continou a construir carros até 1969, quando a sua empresa fechou portas. Pelo caminho, conseguiu construir 155 unidades do A3/C, entre modelos Strada e Corsa, um dos quais, pertença do colecionador alemão Georg Nolte, correu duas vezes em Portugal este ano. Uma versão aberta, o P538, teve direito a três unidades. Para tentar diversificar a sua produção, Bizzarrini criou uma versão à escala do 5300, o 1900, mas a mecânica do Opel GT não dava para fazer concorrência direta aos Ferrari Dino e Porsche 911, e a produção parou após 19 unidades.

Entretanto, a Iso continuou a produzir o Grifo A3/L, renomeando-o Grifo GL. Renzo Rivolta morreu em 1966, mas o seu filho Piero, então com 25 anos, conseguiu manter a produção ativa durante mais alguns anos. O Grifo GL foi sendo modificado, passando a oferecer versões com os motores 427 (7 litros) e 454 (7,4 litros) da Chevrolet. Pelo caminho, um único Spyder e quatro carros com tejadilho Targa foram construídos, bem como 23 unidades com caixa de cinco velocidades. Até 1974, um total de 413 Grifos foram construídos, mas os sedentes motores V8 não conseguiram sobreviver a um mercado que se retraíu com a crise petrolífera de 1973. Piero Rivolta continuou ligado à indústria automóvel como acionista da Zagato.

Giotto Bizzarrini, um homem de ideias próprias

Giotto Bizzarrini nasceu a 6 de junho de 1926 em Quercianella, uma subúrbio da cidade costeira de Livorno, numa família habituada a trabalhar em ciências, engenharia e mecânico, pois o seu avô, também chamado Giotto, foi professor de Guglielmo Marconi, o inventor do rádio, no Instituto Técnico de Livorno.

Depois de se formar em Engenharia na Universidade de Pisa e de uma curta carreira no ensino, Bizzarrini começou a trabalhar na Alfa Romeo em 1954, onde foi ensinado a pilotar, algo que o ajudou a procurar soluções rapidamente sempre que era confrontado com um problema. O seu talento foi logo reconhecido por Enzo Ferrari, que recrutou Bizzarrini e Carlo Chiti para a sua equipa em 1957, com o par de engenheiros a desenvolver o chassis e motor V12 do novo 250 GT. Mas ambos faziam parte de um grupo de pessoas que estava descontente com as intromissões da mulher de Enzo Ferrari na gestão da empresa e, em 1961, quando o diretor de vendas Girolamo Gardini fez a Enzo o ultimato “ou ela ou nós”, saindo da companhia, também Chiti e Bizzarrini, assim como o team manager Romolo Tavoni, fizeram o mesmo. Bizzarrini deixou o projeto do 250 GTO incompleto, mas levou algumas ideias com ele.

Bizzarrini fundou então a sua primeira empresa, a Autostar, onde fez consultoria para vários projetos, inclusive desenhando o primeiro motor V12 da Lamborghini, e uniu-se a Chiti e a Giovanni Volpi da Scuderia Serenissima para fundar a ATS (Automobili Turismo e Sport). A ATS não durou muito, mas um dos projetos de Bizzarrini foi transformar o Ferrari 250 GT de Volpi no famoso ‘Breadvan’.

Depois dos projetos ATS e ASA (um carro de motor 1000 V6 recusado pela Ferrari) e do seu envolvimento com a Iso e da criação da sua própria marca, Giotto Bizzarrini dedicou-se à produção de vinho nas terras da sua família, continuando a desenhar alguns protótipos e concept cars, sendo os mais famosos o AMX AMX/3. Originalmente concebido como um projeto para um super-desportivo da American Motors Corporation, em 1969, a resposta negativa dos americanos levou-o a pensar em regressar à produção automóvel, batizando o carro com o nome Sciabola (sabre em italiano). Seguiram-se alguns projetos para competição, com base no Fiat 128, no início dos anos 70.

Mas foi apenas em 1989 que Giotto Bizzarrini voltou a pensar a sério em automóveis desportivos, fundando a Picchio Racing Cars, criando vários sport-protótipos para rampas e para a classe SR2 do Campeonato FIA Sportscar e Grand-Am, conquistando várias vitórias à classe, em 2002 e 2003.

RESULTADOS MUNDIAL DE SPORTSCAR

1964

21/3 – 12h Sebring – Enus Wilson/Bill McLaughlin/Ed Hugus (39º/7º)

31/5 – 1000 km Nürburgring – Pierre Noblet/Edgar Berney (19º/2º)

22/6 – 24h Le Mans – Pierre Noblet/Edgar Berney (14º/4º)

5/7 – 12h Reims – Pierre Noblet/Edgar Berney (ab.)

30/8 – GP da Suíça Montanha – Edgar Berney (10º/2º)

11/10 – 1000 km Paris – Mario Casoni/Odoardo Govoni (11º/3º); Edgar Berney/Pierre Noblet (21º/5º)

1965

27/3 – 12h Sebring – Charlie Rainville/Mike Gammino (39º/4º); Silvio Moser/Mario Casoni (ab.)

25/4 – 1000 km Monza – Pierre Noblet/Mario Casoni (5º/4º); Antonio Finiguerra/Régis Fraissinet (13º/7º)

16/5 – 500 km Spa – Pierre Noblet (7º/3º)

23/5 – 1000 km Nürburgring – Pierre Noblet/Wittigo Einsiedel (ab.); Mário Cabral/Teodoro Zeccoli (ab.)

20/6 – 24h Le Mans – Jean de Mortemart/Régis Fraissinet (9º/1º)

4/7 – 12h Reims – Pierre Noblet/Mário Cabral (ab.); Jean de Mortemart/Régis Fraissinet (ab.)

29/8 – Rampa de Ollon-Villars – Pierre de Siebenthal (21º/1º)

1966

25/4 – 1000 km Monza – Edgar Berney/Antonio Nieri (n.c.)

8/5 – Targa Florio – Edgar Berney/Antonio Nieri (ab.)

19/6 – 24h Le Mans – Edgar Berney/André Wicky (ab.); Sam Posey/Massimo Natili (dsq)

1967

25/4 – 1000 km Monza – Edgar Berney/Jean de Mortemart (n.p.)

1973

13/5 – Targa Florio – Massimo Larini/Giotto Bizzarini (ab.)

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