B de Béguin: a mítica vitória da BMW no Tour de Corse de 1987


E B de BMW! O Tour de Corse de 1987 foi uma prova emblemática, marcada por um duelo entre os Lancia e o BMW do “outsider” francês Bernard Béguin, com o resultado a ser favorável a este último. Béguin alcançou a segunda e última vitória da casa de Munique no WRC até hoje.

O Tour de Corse de 1987, primeiro sob a égide dos Grupo A, carregava o pesado ónus da tragédia dos anos anteriores, devido às mortes de Attilio Bettega, Henri Toivonen e Sergio Cresto. Considerado aziago e em homenagem aos pilotos falecidos, a organização retirou o número 4 da lista de inscritos, ao mesmo tempo que a quilometragem foi drasticamente reduzida para cumprir com as novas regras implementadas à pressa no ano anterior, na tentativa de aumentar a segurança no WRC.

Olhando para a lista de inscritos, a Lancia partia como grande favorita, pese o “boicote” dos escandinavos Kankkunen e Alén à prova – aliás, grande parte dos “Finlandeses Voadores” evitaram a Córsega após a morte de Toivonen até ao momento em que passou a ser “moeda corrente” os pilotos disputarem toda a temporada. A casa de Turim apresentava-se com Miki Biasion, Bruno Saby e o local Yves Loubet, que se estreava assim com as cores da equipa, ao volante dos seus mais do que favoritos Delta HF 4WD.

A oposição, tal como durante todo o ano de 1987, era escassa e variava de prova para prova, começando pela Ford, que inscrevia dois Sierra RS Cosworth oficiais para Blomqvist e Grundel, apoiando também Didier Auriol (Ford France) e Carlos Sainz (Ford España). Já no campo das duas rodas motrizes, a VW inscrevia um único Golf GTi 16V para Kenneth Eriksson, e a Renault três 11 Turbo para Jean Ragnotti, François Chatriot e Alain Oreille. Para terminar, a Opel continuava a testar o seu Kadett GSI 16V para Guy Fréquelin e, entre os principais privados, dois BMW M3 preparados pela Prodrive para Bernard Béguin e Marc Duez, e Bernard Darniche apresentava-se à partida com um espetacular Mercedes-Benz 190E 2.3 16V, preparado por Dany Snobeck.

A prova começou logo animada e os estragos não se fizeram sentir. Béguin mostrava a boa forma que o acompanhava desde a primeira prova do campeonato francês e, bem adaptado ao M3, vencia a primeira classificativa, que eliminava de imediato o Mercedes de Darniche (roda solta) e os dois Ford oficiais – Grundel despistava-se, e Blomqvist perdia mais de 20 minutos com problemas de transmissão. Pouco depois era a vez de Fréquelin abandonar com o motor partido e, na PEC 5 dava-se o inesperado – uma chuva torrencial, acompanhada de granizo, surpreendia tudo e todos numa sinuosa especial montanhosa e não houve tempo para os pilotos da frente mudarem as escolhas de pneus, por isso apenas os Lancia e Eriksson saíram com slicks. Escusado será dizer que todo o desenrolar da especial foi um verdadeiro caos, com exemplos como Ragnotti a ter que pedir ao seu navegador para empurrar o carro numa subida, já que não tinha tração com os slicks, e Béguin a perder também muito tempo, deixando Loubet na frente de Auriol, Béquin e Sainz. De salientar que o vencedor do troço foi o local Claude Balesi, ao volante de um Grupo N, já que saiu para a especial ainda com a estrada seca!

No entanto, Béguin ripostou de imediato na especial seguinte e começou a atacar insistentemente os rivais, mostrando-se como o piloto mais rápido em prova, a par de Saby, e no final da etapa estava já bastante próximo de Loubet. Pelo meio, o líder da produção, Patrick Bernardini, desistia, tal como Ballet e Blomqvist – este último abandonava voluntariamente no final da transmissão iriam impreterivelmente levar a um excesso de penalização. No final da etapa, Loubet liderava com apenas 12s sobre Béguin, Biasion era terceiro mas já estava longe, seguido de Auriol (com problemas no turbo) e Saby. O segundo dia amanheceu solheiro e previa-se uma prova muito disputada entre Béguin e os Lancia. O francês não tardou a surpreender e logo na primeira especial do dia colocou de novo o BMW na liderança, enquanto Auriol perdia de novo tempo, desta vez com problemas de suspensão.

Apesar da pressão de Loubet, Biasion e Saby (que se tinha atrasado logo no início do rali), Béguin corria como um verdadeiro metrónomo e não cedia aos Delta, mas a grande sensação eram os Renault, principalmente Ragnotti que, depois de um furo na primeira etapa, ganhava especial atrás de especial para se aproximar da frente e reentrar na luta pelo pódio. As vítimas seguintes seriam Saby, a desistir com problemas de diferencial, e depois Eriksson, que partia o motor, depois de já se ter atrasado devido a um toque. No final do dia, Béguin liderava com grande avanço sobre os Lancia, com a luta entre os dois Delta restantes a sair favorável a Loubet, enquanto Ragnotti e Chatriot eram, respetivamente, quarto e quinto.

O último dia foi muito pouco movimentado, já que ficou patente por parte dos Lancia que não tinham capacidade para alcançar o BMW de Béguin. Loubet superiorizava-se claramente a Biasion, que decerto estava já a pensar no campeonato e nos pontos que poderia acumular para ganhar a Kankkunen – Cesare Fiorio tinha acordado com os seus três pilotos principais que disputariam o mesmo número de provas, por isso havia que capitalizar a ausência dos rivais – por isso foram os Renault e, em particular Ragnotti, que mais brilharam nesta última etapa, além do BMW de Marc Duez que, depois de um início muito apagado, estava claramente em subida de forma. Assim, no final, Béguin vencia, seguido de Loubet e Biasion – que ficava assim a dois pontos apenas de “KKK”, com Ragnotti a terminar muito por perto, seguido de Chatriot, Duez, Sainz e Auriol, enquanto o regular Claude Balesi vencia o Grupo N.

Bernard Béguin foi um merecido vencedor, apesar de, à partida, ser um verdadeiro outsider. Considerado como um dos melhores pilotos franceses entre os anos 70 e 90, o nativo de Grenoble começou pelos circuitos, com algum sucesso, até se mudar para os ralis em meados da década de 70, afirmando-se de imediato como um dos melhores pilotos franceses, sendo coroado pela primeira vez com o título nacional em 1979, ao volante de um espetacular Porsche 911 SC. Bernard viria a acumular vitórias em França e no Europeu, sendo vice-campeão deste último em 1980 após uma grande luta com Antonio Zanini, e conseguiu, em 1987, o seu único sucesso no WRC. Embora falhando o título em 1987 e 1988, com o BMW M3, Béguin viria a destacar-se nos anos 90, vencendo em 1991, 1992 e 1993 até se retirar no final de 1996.

A BMW NOS RALIS

A marca da Baviera não é das mais tradicionais nas provas de rali, sendo esporádicas as suas vitórias. Porém, não deixa de ser interessante reflectir sobre o seu envolvimento nesta disciplina. A BMW teve algum sucesso nos ralis no período entre Guerras com os seus 328, que serviram ainda para os primeiros anos do pós-II Guerra, destacando-se a vitória de Alex von Falkenhausen na Coupe des Alpes em 1952. Este piloto, que foi também um destacado nome ligado às provas de pista nos anos 40 e 50 tornou-se num dos principais conselheiros técnicos da marca para a competição, mas a participação nos ralis continuou esporádica até aos primeiros resultados de alguns pilotos privados com o modelo 1800 TI.

No entanto, só depois da aquisição da Glas – que tinha um pequeno departamento de competição que obteve resultados interessantes nas pequenas cilindradas – e o lançamento do modelo 2002 e 2002 TI, no final da década de 60, é que a marca de Munique começou a entrar na senda dos sucessos, para o que muito se deveu a promoção do conceituado piloto nacional, Helmut Bein, para a gestão da equipa, no final de 1969. Prontamente construiu uma pequena equipa que, se bem que nunca competisse em todas as provas do recém-criado Campeonato Internacional de Marcas, brilhava em eventos selecionados.

Nesta fase, destacaram-se pilotos como Achim Warmbold (que venceu o Rali TAP em 1972), Rauno Aaltonen, Tony Fall e Sobieslaw Zasada, que venceu o ERC em 1971. Em 1973, a marca bávara contou mesmo com os serviços de Björn Waldegård, e Warmbold conseguiu o primeiro triunfo da marca no WRC quando venceu o Rali dos Alpes Austríacos em 1973, e os resultados gerais da equipa estavam em crescendo, mas o enfoque do departamento de competição estava definitivamente nas pistas, tanto no ETC como na F2, e nunca desenvolveu propriamente ao máximo o 2002.

A política interna da marca e o choque petrolífero de 1973 afastaram definitivamente a BMW, mas muitos dos que acompanharam a modalidade naqueles tempos consideram que o 2002, com a cabeça de 16 válvulas e a nova injeção seria arma para se bater de igual para igual com o Escort RS1600 e o Fiat 124 Abarth. Mas seria preciso esperar pelos anos 80 para se assistir ao regresso da marca, sempre a nível privado. Foi precisamente com o espetacular e brutal BMW M1, desenhado para as pistas e que viria a dar origem ao espetacular campeonato Procar, que a marca de Munique reapareceu no mundo dos ralis, quando Bernard Darniche convenceu a ORECA a preparar um M1 para competir no Campeonato Francês de Ralis de 1982.

No entanto, o carro não era suficientemente fiável e era demasiado grande, o que o tornava muito pouco manobrável nas estradas mais sinuosas. A partir de 1983 foi Bernard Béguin quem mais se destacou com o M1, mas sem apoio da fábrica e com a conversão para o Grupo B o M1 nunca foi totalmente desenvolvido e os resultados não apareceram. Abandonado no final de 1984, a aventura BMW nos ralis terminou com o M3 de Grupo A, com o qual Béguin se destacou ao vencer o Tour de Corse em 1987, e até ao início da década de 1990 brilhou nos campeonatos nacionais e no ERC (e ocasionalmente no WRC) pelas mãos de homens como Patrick Snijers, Marc Duez e François Chatriot.

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