» Textos: Martin Holmes c/José Luís Abreu

» Fotos: Martin HolmesRallying

 

Anders Kullang: “O Filho de um Padre que conduzia como o Diabo!”


De vez em quando acontece algo de muito bom nos ralis. Uma dessas ocasiões foi em 1980, há 41 anos, quando Anders Kullang e Bruno Berglund venceram o Rali da Suécia, naquela que foi a única vitória de qualquer um deles no Mundial de Ralis. 

Foi caso único para Anders Kullang, mas foi o suficiente para ficar registado na história como um dos vencedores de provas do Mundial de Ralis. Curiosamente, com esse triunfo no Rali da Suécia de 1980, o sueco foi apenas o quarto piloto diferente a vencer o evento, em 13 anos. Para a Opel, esta foi também a primeira vitória da empresa no Mundial de Ralis, desde meados de 1975, apenas na segunda participação no WRC do Opel Ascona 400 oficial.

Estes eram tempos de mudança para as autoridades desportivas: novas diretivas tinham sido emitidas, exigindo que a duração dos ralis do Mundial se tornasse muito mais longa, um requisito que na Suécia apresentou aos seus participantes um desafio financeiro especial. É sempre assim com as transições.

Isto levou à criação de uma nova categoria no WRC, um status especial no campeonato de pilotos, em que os fabricantes não poderiam alcançar pontos para o campeonato, uma opção que se tornou imediatamente uma má política.Na verdade, a prova sueca de 1980 contava invulgarmente tanto para o Campeonato do Mundo de Pilotos como para o Europeu de Ralis. A prova teve 414 km, e curiosamente seria o evento mais curto do ano no WRC em termos de provas de classificação. Começava na capital Estocolmo antes de viajar para o centro do país, perto de Karlstad. 

Houve, essencialmente, duas passagens por uma série de troços nas regiões florestais de Varmland, uma à luz do dia e outra já de noite, em que, normalmente, a primeira passagem é realizada em pistas de neve duras. Após a passagem de uma centena de carros equipados com pneus com pregos mais ‘ferozes’ do que é normalmente permitido em estrada aberta, a neve transforma-se em gelo. Duro e ‘escavado’! E isso mudava os requisitos dos pneus bem como os estilos de condução. Mas nesse ano houve pouca neve e ainda menos, o frio normal. 

Em alguns dos troços de abertura, depois do arranque em Estocolmo, simplesmente não havia neve na estrada. Era, de facto, um clima invulgarmente ameno, com temperaturas bem acima de zero.

A lista de inscritos foi liderada, como de costume, por pilotos suecos e finlandeses, mas o reajuste do estatuto do campeonato de pilotos afetou as inscrições das equipas de fábrica, com as equipas italianas mal representadas e a equipa oficial da Ford ausente, depois de se ter retirado completamente do WRC no final de 1979. BjornWaldegard correu com um Fiat 131 Abarth, supervisionado por Daniele Audetto, numa última participação como convidado, como em Monte Carlo, pelos importadores suecos da Fiat. Hannu Mikkola, seu ex-companheiro de equipa na Ford, corria num Escort, sem publicidade ou até mesmo um esquema de cores da equipa. 

A Saab tinha um 99 Turbo para Stig Blomqvist, cinco vezes vencedor do rali sueco durante os anos setenta. O Dealer Team Vauxhall tinha Pentti Airikkala, que nesse ano se iria concentrar na série europeia. A Datsun inscreveu dois 160Js para Timo Salonen e um para Per Eklund.  A Opel Eurohandler teve um único Ascona 400, para Kullang. 

A participação da Opel foi muito pensada após a primeira ronda do WRC em Monte Carlo. No final, Kullang levou o seu carro do Monte Carlo directamente para a Suécia, montou a suspensão de acordo com o seu estilo, e partiu para a prova.

A busca de pontos de Airikkala pelo resultado no Europeu de Ralis negou-lhe uma boa oportunidade neste evento. O seu regresso tardio do evento anterior, na Costa Brava limitou o já curto período de treinos na Suécia, mas por duas vezes,Airikkala mostrou a sua famosa magia – ambas as vezes nas pistas de cavalos, uma das quais em Estocolmo, que abriu o evento. De seguida, Mikkola ‘meteu’ outra velocidade, assumindo a liderança até ao último troço da primeira etapa, antes de sair da estrada e perder três minutos, caindo completamente para fora da disputa e deixando Blomqvist como líder inesperado. 

O homem da Saab manteve a liderança na primeira parte da segunda etapa até perder tempo a trocar um pneu dianteiro furado. A meio do primeiro dia, Kullang estava na frente. Por acaso, pode parecer estranho, mas para um homem que nunca tinha ganho este evento nas 14 vezes que o tinha disputado anteriormente, era uma oportunidade de carreira que ele precisava. Agora ele estava na luta para vencer, já sentia o cheiro da vitória e desta vez ia apreciar o seu sabor.

Mikkola e Blomqvist muito lutaram durante a primeira etapa nas florestas, conquistando lugares o melhor que puderam, e, tal como Kullang, foram os únicos pilotos a rodarem muito rápido. Mas depois, Mikkola foi diminuindo de forma gradual, mas percetível. A sua limitada seleção de pneus não tinha levado em conta tanto gelo e tão pouca neve. Assim, enquanto o finlandês se encontrava preso na batalha pelo quarto lugar com Airikkala e o sueco Bjorn Johansson (grupo 2 Opel Kadett GT/E), apenas Blomqvist ainda tinha o líder do rali na sua mira. Waldegard manteve a sua posição atrás de Kullang até que Blomqvist o ultrapassou na luta pelo segundo lugar, mas isso foi o máximo que o piloto Saab conseguiu alcançar.

Na última manhã, a etapa foi realizada a oeste de Karlstad, perto da cidade natal de Kullang. No ano anterior esses troços foram usados duas vezes e Kullang tinha sido o mais rápido. O penúltimo troço, com 48 km, era o mais longo do evento. Se Kullang conseguisse segurar Blomqvist nessa especial, a vitória estava praticamente garantida. Para adicionar ainda mais tensão, a temperatura ao amanhecer caiu subitamente bem abaixo dos 10° negativos, pela primeira vez em todo o rali. Com apenas um minuto entre os dois pilotos, um furo para Kullang custar-lhe-ia facilmente a vitória e provavelmente o segundo lugar também. Finalmente, a notícia que a equipa Opel esperava ouvir: Kullang tinha passado incólume no troço – e momentos depois veio a segunda mensagem, o sueco tinha ganho mais 19 segundos a Blomqvist.

O Opel Ascona 400 foi um conceito do chefe da equipa Eurohandler, Tony Fall, e um dos carros mais significativos da empresa alemã, vencendo quatro ralis, incluindo o Monte Carlo 1982 e o Safari em 1983 (a última vez que um carro de tracção traseira, normalmente aspirado, venceu qualquer um dos eventos). O desenvolvimento do Ascona 400 levou ao Manta 400, que teve menos sucessos no WRC, mas foi altamente competitivo nos ralis dos campeonatos nacionais.

Já o piloto sueco Anders Kullang foi um piloto de ralis popular e bem-sucedido a nível nacional nos anos 70. Começou ao volante dos Mini Cooper S antes de passar para um Opel Kadett privado, isto antes de se tornar piloto oficial da equipa Opel Eurohandler, com os Opel Kadett GT/E e depois com o Ascona 400.  

A sua base de origem situava-se perto da cidade de Varmland, Arvika, e nos seus primeiros dias a sua lenda desenvolveu-se através de um jornal local que dizia ser “O Filho de um Padre que conduzia como o Diabo!”

Em 1981 mudou-se, primeiro, para a malfadada equipa Publimo Racing e quando virou essa página mudou-se para a Team Ralliart, começando a desenvolver o seu Programa Mitsubishi Lancer 2000 Turbo. 

Mais tarde fundou uma das primeiras escolas de pilotos de ralis de Inverno, sendo dois dos seus alunos as futuras estrelas, Colin McRae e Sebastien Loeb. Kullang ajudou a treinar pilotos na equipa nacional de ralis júnior sueca. Infelizmente, AndersKullang morreu em consequência de um acidente quando nadava na Tailândia, em Fevereiro de 2012. Tinha 68 anos de idade.

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