Cores que ficam para a história

Por a 13 Dezembro 2022 16:13

A história do desporto motorizado é também uma paleta de cores e decorações que preenchem o imaginário dos adeptos. Há empresas e patrocinadores que ganharam projeção (e a imortalidade) com a associação a determinados pilotos, carros ou equipas de competição.

Há qualquer coisa de arrebatadoramente belo na imagem de um Lotus de Fórmula 1 com as cores da John Player Special e um capacete amarelo no topo. A simplicidade das linhas do monolugar formam uma eterna simbiose com o preto e dourado da tabaqueira britânica e o simbolismo do capacete de Ayrton Senna. Há coisas que não se explicam e a ressonância desta imagem nos adeptos da Fórmula 1 e do desporto automóvel é uma delas. O piloto brasileiro era, por si, uma figura de culto mas a sua associação aos Lotus ‘John Player Special’ ou aos McLaren ‘Marlboro’ ganhou uma dimensão que transcende a própria história dos números, das vitórias e das exibições de génio. E, com isso, subitamente a John Player Special ou a Marlboro deixaram rapidamente de serem apenas gigantes industriais ou patrocinadores de equipas de Fórmula 1 para passaram a ser ícones intemporais.

Como tudo começou

Foi precisamente Colin Chapman que abalou o mundo dos patrocínios quando em 1968 conseguiu o apoio da Imperial Tobacco para a sua Lotus. Os carros do genial projetista britânico passaram a ostentar as cores da Gold Leaf e abriram assim um novo filão para a F1 e para a generalidade do desporto automóvel, beneficiando da nova regra que desvinculava as equipas de F1 de correrem com as cores nacionais dos seus países (origem do famoso vermelho da Ferrari e Alfa Romeo). A partir daí os patrocínios e a respetiva decoração dos carros de competição desenvolveram a componente de negócio associada a este desporto, mas contribuíram também para emprestar uma iconografia própria a algumas das mais célebres associações de automóveis de competição com cores de patrocinadores. Dos lubrificantes, ao tabaco, das petrolíferas às companhias aéreas, foram muitas as marcas que conquistaram notoriedade global graças às corridas de automóveis.

Do vermelho e branco da Gold Leaf e a Lotus passaria a ostentar o lendário preto com riscas douradas a partir de 1972, uma decoração celebrizada por Senna – que, por exemplo, conquistou a sua primeira vitória na Fórmula 1 dando um recital à chuva no Estoril com o famoso Lotus 97T – mas que incluiu várias outras lendas do desporto automóvel: Emerson Fittipaldi, Ronnie Peterson, Mario Andretti, Nigel Mansell e Elio de Angelis também pilotaram os belos Lotus ‘JPS’.

Apesar das restrições mais recentes, as marcas de tabaco foram durante décadas alguns dos principais sponsors do desporto motorizado e poucas retiraram tantos dividendos dessa associação como a Marlboro. A tabaqueira do grupo Phillip Morris conquistou nada menos de nove títulos mundiais de Fórmula 1 com pilotos da McLaren: Emerson Fittipaldi (1974), James Hunt (1976), Niki Lauda (1984), Alain Prost (1985, 86 e 89), e Ayrton Senna (1988, 90 e 91), além de sete títulos mundiais de construtores com a equipa britânica. Mas a famosa decoração vermelha e branca da Marlboro esteve presente em muitas outras modalidades, desde os BMW E30 M3 oficiais aos Indy Cars da Penske e aos Mitsubishi Lancer do Mundial de Ralis, passando pela longa associação à Ferrari na Fórmula 1 e à parceria com a Ducati no MotoGP. No WRC, a Mitsubishi já tinha conquistado três títulos mundiais quando a Marlboro se tornou main sponsor da equipa em 1999 mas o novo Evo VI com as cores da Marlboro ganhou imediatamente o Rali de Monte Carlo e o Makinen viria a conquistar o seu quarto título mundial nesse ano. O finlandês viria a sair para a Subaru em 2002 e a Marlboro também levou os seus dólares para a Peugeot no ano seguinte, embora sem o mesmo sucesso.

O Mundial de Ralis também aumentou a notoriedade de outra marca de tabaco, a 555, cuja associação à Subaru produziu uma das decorações mais famosas da história da modalidade. A State Express 555 era uma marca de tabaco muito popular na Ásia e o patrocínio à Subaru começou em 1993, ainda no tempo dos Legacy. A decoração azul com pormenores em amarelo vivo ‘casava’ bem com o logótipo da marca japonesa e a associação entre as duas empresas durou até 2004, englobando os três títulos mundiais de pilotos da Subaru: Colin McRae em 1995, Richard Burns em 2001 e Petter Solberg em 2003, além de mais três títulos de construtores. Curiosamente, o azul da 555 também teve uma aparição na Fórmula 1 por intermédio da British American Racing, fundada por Craig Pollock. Com os milhões da British American Tobacco, o americano comprou o que restava da histórica equipa Tyrrell e contratou Jacques Villeneuve e Ricardo Zonta para a BAR. Curiosamente, originalmente a BAR apresentou o monolugar de Villeneuve com uma decoração da Lucky Strike e o de Zonta com as cores da 555, algo que a FIA considerou ilegal e que originou a famosa decoração do ‘fecho éclair’ em 1999, com metade dos BAR 01 decorados a vermelho e branco e a outra metade a azul e amarelo.

No ano seguinte, a decoração passou a ser dominada pela Lucky Strike e eram estas cores que vigoravam quando Craig Pollock foi destituído em 2002, quando a Honda comprou a equipa em 2005 e, por último, quando Jenson Button ganhou o GP da Hungria de 2006, antes da proibição da publicidade ao tabaco ter terminado a ligação entre as duas empresas. Mas é provável que a decoração da Lucky Strike seja sobretudo recordada pelos adeptos do motociclismo, principalmente de Kevin Schwantz e da Suzuki. Na ‘era dourada’ das 500cc a dois tempos, o estilo exuberante de Schwantz e as cores da Lucky Strike na Suzuki número 34 formaram um dos maiores fenómenos de popularidade (e de marketing) do Mundial de Motociclismo, algo que só seria superado mais tarde pelas inúmeras decorações de Valentino Rossi. O texano venceu 25 Grandes Prémios, foi campeão do Mundo em 1993 e as réplicas da RGV500 com as cores da Lucky Strike – mais ainda do que a sua antecessora com a decoração da Pepsi – ainda são um verdadeiro sucesso em qualquer festival revivalista.

Vai um Martini?

É reconhecida a mestria dos italianos na arte do design mas não deixa de ser curioso que as decorações da Martini tenham conquistado um lugar especial em disciplinas tão díspares como os ralis, a Fórmula 1 ou as corridas de Resistência. A Martini & Rossi começou a patrocinar equipa de competição em 1962 mas as suas cores só começaram a aparecer em 1968, precisamente o ano em que foi permitida a publicidade a marcas que não estivessem relacionadas com a indústria automóvel. O primeiro carro de corridas a competir oficialmente com autocolantes da Martini foi um Porsche 910 da Scuderia Lufthansa Racing Team, formada por Robert Huhn, um executivo da companhia aérea alemã. Seria precisamente com a Porsche que a Martini Racing começou a ter forte expressão no mundo do desporto automóvel, ganhando as 24 Horas de Le Mans em 1971 (Porsche 917), 1976 e 1977 (ambas com os Porsche 936). Pelo meio, a Martini já tinha começado a patrocinar equipas de Fórmula 1, nomeadamente a Brabham-Alfa Romeo e a Lotus, estabelecendo depois uma lendária parceria com a Lancia a partir de 1981. As duas companhias italianas viriam a produzir alguns dos modelos mais emblemáticos da história dos sport protótipos e carros de ralis. Belos mas muitas vezes frágeis, os Lancia-Martini não deixavam ninguém indiferentes nas corridas de circuitos e o Beta Monte Carlo de Grupo 5, o LC1 de Grupo 6 e o LC2 de Grupo C são alguns dos mais bonitos protótipos da fabulosa década de 80.

Mas foi nos ralis que a associação entre a Lancia e a Martini produziu resultados desportivos significativos. Em 1982 o novíssimo 037 de Grupo B surgiu em cena com as famosas listas sobre o fundo branco e com Markku Alén e Attilia Bettega como pilotos. O sucessores do 037, o Delta S4 de Grupo B e o Delta Integrale de Grupo A, continuaram a ostentar versões da famosa decoração da Martini. Juha Kankkunen foi campeão do Mundo em 1987 e 1991 com a Lancia Martini, e o mesmo aconteceu com Massimo Biasion em 1988 e 1989. O Delta de Grupo A, por exemplo, produziu nada menos de seis títulos de construtores consecutivos, entre 1987 e 1992. No final da década, a Martini regressou em força ao WRC para patrocinar a Ford M-Sport, reeditando a sua mítica decoração nos Focus WRC pilotados por Colin McRae, Carlos Sainz ou Markko Märtin. Mais recente é o patrocínio à Williams na Fórmula 1, embora os adeptos da Martini Racing critiquem a forma algo discreta como as listas da marca surgem nos monolugares da escuderia inglesa (algo que está relacionado, naturalmente, com o valor do patrocínio) mas que nem por isso impede que o merchandising da Williams Martini seja dos mais procurados da atual Fórmula 1.

Ao longo dos anos, Frank Williams conseguiu atrair os mais diversos patrocinadores para a sua equipa, desde a Chicco até à companhia aérea estatal da Arábia Saudita, mas entre os sponsors da Williams existiram alguns que originaram decorações emblemáticas. Foram os casos da Canon e, mais tarde, da Rothmans, que ocuparam espaços de destaque nas decorações predominantemente azuis e brancas da Williams nos anos 80 e 90. A Rothmans já tinha tido enorme sucesso com a Porsche em Le Mans com os lendários 956 e 962C, vencendo as 24 Horas com a marca alemã em 1982, 83, 86 e 87. Além da Fórmula 1 e das corridas de Endurance, a Rothmans também venceu o Dakar com a Porsche em 1986 e marcou uma era no Mundial de Motociclismo com a Honda, sendo campeã do Mundo com pilotos como Freddie Spencer, Wayne Gardner e Eddie Lawson, e ‘apadrinhando’ também as primeiras vitórias de Mick Doohan.

Sobre (duas) rodas

A história mais recente do MotoGP também teve a sua dose de decorações icónicas, a maior parte delas tendo Valentino Rossi como protagonista. Entre os gigantes empresariais que promoveram as suas marcas através do carismático italiano estão a Fiat, a Gauloises, a Camel ou a Monster Energy, só para citar alguns. A Gauloises, por exemplo, patrocinou a célebre aventura de Alain Prost como dono de equipa na Fórmula 1 mas ganhou particular relevância com a associação à Yamaha e a Valentino Rossi, em 2004 e 2005. Ao todo, Rossi ganhou 20 Grandes Prémios e dois títulos mundiais com as Yamaha M1 da Gauloises, passando depois a ostentar o famoso amarelo da Camel em 2006. A ligação da Camel ao desporto motorizado já remontava à década de 1980 e o capacete amarelo de Ayrton Senna era o “pormenor” final na decoração dos Lotus de F1 em 1987, com os Benetton-Ford de Michael Schumacher em 92 e 93 a também exibirem forte presença da Camel. A equipa oficial da Peugeot levaria a decoração do dromedário à vitória nas areias do Dakar e na Rampa de Pikes Peak.

Mas no Mundial de Motociclismo não há decoração com maior história do que a da Repsol Honda. As cores da petrolífera espanhola aparecerem pela primeira vez nas motos oficiais da Honda em 1995 e, mais de duas décadas depois, continuam a ser um binómio vencedor… e com uma decoração praticamente inalterada ao longo dos anos. Mick Doohan, Alex Crivillé, Valentino Rossi, Nicky Hayden, Casey Stoner e Marc Márquez ganharam 13 títulos mundiais e uns impressionantes 108 Grandes Prémios na classe-rainha com a Repsol Honda. Tal como a Rothmans ou a Camel, a Repsol teve sucesso tanto no motociclismo como nos desertos do Dakar, neste caso em associação com a Mitsubishi.

No Mundial de Superbikes, uma das decorações mais populares da última década foi a da Aprilia Alitalia, com a qual Max Biaggi foi campeão do Mundo em 2010 e que trouxe de volta as cores da companhia aérea italiana, depois da lendária associação à Lancia e ao fabuloso Stratos nos ralis. No Mundial de Ralis também ficou célebre a decoração da Castrol nos Toyota oficiais que foram campeões com Carlos Sainz, Juha Kankkunen e Didier Auriol, antes do famoso episódio de 1998 quando o espanhol perdeu o título por avaria do seu Corolla WRC a 500 metros do final do último rali.

O estilo conta

Se o patrocínio de marcas de tabaco, petrolíferas ou marcas de bebidas foi parte integrante do desporto motorizado durante décadas, já presença de marcas de vestuário como main sponsors era menos habitual. A Benetton foi, no entanto, um dos patrocinadores mais marcantes na Fórmula 1 nas décadas de 80 e 90, patrocinando a Tyrrell, a Alfa Romeo e a Toleman antes de comprar esta última em 1985. Gerhard Berger ganhou o seu primeiro GP (México) com a Benetton em 1986 mas as verdadeiras estrelas da equipa foram Nelson Piquet e, naturalmente, Michael Schumacher. O alemão foi campeão em 1994 e 95 com a Benetton, numa altura em que a equipa liderada por Flavio Briatore já tinha a tabaqueira japonesa Mild Seven como patrocinador.

Hoje em dia, a Red Bull é o patrocinador mais relevante de todo o desporto motorizado no planeta, chegando ao cúmulo de possuir não uma, mas duas equipas de Fórmula 1! A famosa decoração do touro vermelho sobre um fundo azul escuro e com o ‘bico’ dos monolugares em amarelo já entrou para a história da disciplina máxima do automobilismo, com Sebastian Vettel a conquistar os seus quatro títulos mundiais com a Red Bull. Muito do sucesso da Red Bull na Fórmula 1 deve-se à visão e capacidade de investimento de Dietrich Mateschitz e ao génio de Adrian Newey. O projetista britânico já tinha desenhado alguns dos carros mais competitivos da Williams mas foram os McLaren MP4-12 com as cores da tabaqueira West e da Mercedes (reedição moderna dos “Flechas de Prata”) que entraram para a galeria dos carros mais belos da Fórmula 1.

E inegavelmente belos são também os Ford GT40 e protótipos da Porsche que receberam a icónica decoração da Gulf Oil, um patrocinador que colocou os carros de John Wyer numa dimensão que transcende as vitórias nas 24 Horas de Le Mans ou o filme de 1971 protagonizado por Steve McQueen. Como sempre, a popularidade da ‘memorabilia’ e merchandising em torno dos carros da Gulf em pleno século XXI é o maior testamento da importância do célebre azul e laranja no imaginário dos ‘petrol heads’.

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