FIA/Ferrari: Polémica em 3 actos!

Por a 5 Março 2020 17:09

Por Jorge Girão

A pré-temporada de 2020 estava a correr com normalidade e com as questões habituais sobre a ordem competitiva, quando a dez minutos do final do último dia de testes, a FIA distribuiu um comunicado sobre o seu acordo com a Ferrari que criou um verdadeiro furacão cuja dimensão não é ainda conhecida…

As dúvidas sobre a legalidade das unidades potência da “Scuderia” vêm já desde o início de 2018, quando a Mercedes alegou que os italianos usavam uma dupla bateria para suplantar o limite regulamentar de potência oferecido pelo sistema híbrido. Então, depois de diversos Grandes Prémios a monitorizar os V6 turbohíbridos de Maranello, a entidade federativa garantiu que tudo estava dentro da legalidade.

No entanto, as dúvidas nunca se dissiparam e no ano passado Mercedes e Red Bull passaram de novo à ofensiva, lançando desconfianças quanto ao uso do óleo do intercooler, através de um fuga controlada para a câmara de combustão, para aumentar a potência e, posteriormente, avançando com a possibilidade de a Ferrari manipular os sensores de fluxo de combustível para ultrapassar o limite regulamentar de 100kg/h.

Isto levou a que a FIA tenha passado a acompanhar de perto o desempenho da unidade de potência da “Scuderia”, enquanto distribuía duas directivas técnicas que pretendiam fechar qualquer desempenho originado pelo uso dos estratagemas apontados como potencialmente adoptados pelos italianos.

Para além disso, foi revelado que para este ano seria colocado nas unidades potência um segundo sensor de fluxo de combustível em local desconhecido para as equipas de modo a terminar com qualquer dúvida acerca deste assunto.

1º Acto: A FIA e Ferrari chegam a acordo

No entanto, a FIA, ao longo dos últimos meses, continuou a analisar a unidade de potência da Ferrari até que, na passada sexta-feira, revelou através de comunicado que tinha alcançado um acordo que manter-se-ia sigiloso com a “Scuderia” sobre a unidade potência desta e que, dessa forma, concluía o processo.

Ora para existir um acordo entre duas partes, tem de existir cedências de ambas as partes, o que em circunstâncias normais, não seria possível.

Se a Ferrari tivesse uma unidade de potência ilegal, seria penalizada; se fosse legal, tudo se passaria sem problemas.

Existe, portanto, algo que fica entre as duas condições anteriores.

Uma das possibilidades para que a FIA tenha escolhido alcançar um acordo com a Ferrari poderá ter sido não ter conseguido provar que a equipa estava a realizar algo de ilegal, muito embora tivesse suspeitas, tendo a formação de Maranello apresentado o que de ilegal estava a fazer.

Neste cenário, existe no documento de regras judiciais e disciplinares a figura de um acordo sigiloso entre duas partes, podendo a entidade federativa conceder imunidade em questão, se a outra parte tiver agido em boa fé.

Outra possibilidade, passava por a FIA ter suspeitas quanto à legalidade do funcionamento da unidade de potência da Ferrari, mas sem conseguir prová-lo, não teve outra opção senão aceitar um acordo face à ameaça de a “Scuderia” recorrer aos tribunais civis.

2ª Acto: o espanto do ‘Grupo das7’

A FIA talvez tenha pensado que, ao enviar o comunicado no final de uma sexta-feira, já com os líderes das equipas longe Barcelona, poderia enterrar o assunto, mas esta era uma abordagem ingénua, uma vez que, no mínimo, há muito dinheiro em questão – se a Ferrari fosse desclassificada todas as concorrentes que terminaram atrás de si no Campeonato de Construtores subiam uma posição, incrementando a sua quota no dinheiro distribuído pela FOM.

Demorou menos de cinco dias para que sete formações, todas aquelas fora da esfera da Ferrari, elaborassem um comunicado conjunto calmo, mas firme, apontando a possibilidade de recorrerem aos tribunais civis. Uma ameaça forte, evidenciando que AlphaTauri, McLaren, Mercedes, Racing Point, Renault e Williams estão determinadas.

Este caso criou profunda polémica ao longo de 2019 e ao anunciar um “acordo sigiloso”, deixou um clima de suspeita, criando nas equipas a ideia de que o assunto não tinha chegado a uma conclusão.

Para além disso, no seu comunicado, as sete equipas mostram existir o risco de perderem a confiança na habilidade da FIA em policiar e garantir que todos estão dentro do regulamento, o que por si só pode minar completamente toda a categoria, até por que, como é frisado no mesmo documento, só quando pressionada, a entidade federativa agiu quanto às dúvidas sobre a legalidade da unidade de potência da Ferrari.

As sete equipas exigiram que fosse dada uma conclusão clara a todo o processo, antes de mais no seio das instâncias da FIA, mas asseguram estar prontas para recorrer a tribunais civis, o que colocaria toda a categoria sob uma polémica constante num momento importante da sua história, uma vez que toda a indústria automóvel passa por uma revolução.

3º Acto: a FIA justifica-se e ameaça

A resposta das equipas exigia uma reação da FIA e esta sentiu mesmo a necessidade de o fazer, lançando um comunicado esta quinta-feira, um dia depois do comunicado do “Grupo das 7”.

O documento da entidade federativa, no entanto, faz muito pouco para terminar a polémica, ao admitir que as investigações levantaram questões quanto à legalidade dos procedimentos efectuados pela “Scuderia” na sua unidade de potência

No entanto, segundo o que se pode depreender do comunicado, a Ferrari garantiu ao longo de todo o processo a legalidade do seu V6 turbohíbrido, o que levou a que a FIA optasse por alcançar um acordo para evitar os tribunais civis ao abrigo do Artigo 4º (II) e Artigo 4º (VI), que permite a confidencialidade.

Ora isto aponta que, neste momento, a entidade federativa, que tem como função assegurar a conformidade de todos os carros que disputam o Campeonato do Mundo de Fórmula 1, não tem os meios para afiançar a legalidade dos monolugares presentes na competição, o que lança uma profunda incerteza sobre o certame.

Para além disso, a FIA deixa escapar que o acordo alcançado obriga a Ferrari a deixar de poder recorrer aos procedimentos em questão, o que nos permite concluir que a equipa italiana não foi capaz, ou não quis, provar a legalidade dos seus procedimentos, cedendo, o que é normal quando assina um acordo, para colocar um ponto final na situação.

Face a isto, dificilmente o “Grupo das 7” ficarão satisfeitas com a comunicação de hoje da FIA e deverão a fazer pressão para que se saiba o que realmente se passava com a unidade de potência, mas ao dizer que fará tudo para defender o desporto e sua reputação como regulador do Campeonato do Mundo de Fórmula 1, a entidade federativa lança uma ameaça às sete equipas descontentes.

Uma coisa é certa, este será o tema do paddock de Melbourne e serão muitas as discussões acaloradas ao longo dos três dias do Grande Prémio da Austrália.

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