F1, o “Caso Wolff”: O que aconteceu e o que significa

Por a 8 Dezembro 2023 10:25

Poderá ser o tema de conversa para os próximos dias ou semanas. O “Caso Wolff” prometia abalar a F1, mas apenas enfraqueceu a FIA e a figura do seu líder, Mohammed Ben Sulayem. Mais um caso a juntar aos vários em que a FIA se tem visto envolvida e que mostram que a FIA e a FOM estão distantes.

Como começou?

O caso começou já no final de semana passada. Surgiram relatos de preocupação por parte de alguns responsáveis das equipas de Fórmula 1 sobre o potencial conflito de interesses entre o chefe de equipa da Mercedes Toto Wolff e a diretora-geral da F1 Academy – subsidiária da Fórmula 1 – Susie Wolff.  A edição de dezembro da revista Business F1 deu conta desta situação, reportando ainda que Toto Wolff, alegadamente, recebeu informações confidenciais da FIA sobre a análise aos limite de custos da temporada de 2021, passando a ser do conhecimento dos órgãos de comunicação social antes de todas as outras terem tido acesso aos resultados, incluindo a Red Bull que foi considerada culpada de infringir o regulamento financeiro e ter sido sancionada pela entidade federativa. A desconfiança passaria também pelo lado de Susie Wolff que poderia ser a mensageira do que se passava nas reuniões dos diretores de equipa para a FOM.

A ação da FIA e a reposta dos Wolff

As alegadas fugas de informação terão colocado Mohammed ben Sulayem sob pressão e havia relatos que algumas equipas estariam a exigir uma investigação, com a Red Bull à cabeça. Na última terça-feira, a FIA anunciou uma investigação ao caso:

“A FIA está ciente da especulação dos media centrada na alegação de que informações de natureza confidencial foram passadas a um diretor de equipa de F1 por um membro do pessoal da FOM. O Departamento de Conformidade da FIA está a analisar o assunto”.

A declaração da FIA motivou uma pronta resposta da Mercedes e de Susie Wolff. Susie Wolff respondeu nas redes sociais à investigação iniciada pela FIA:

“Sinto-me profundamente insultada, mas infelizmente não estou surpreendida com as alegações públicas que foram feitas esta noite. É desanimador que a minha integridade esteja a ser posta em causa desta forma, especialmente quando parece estar enraizada num comportamento intimidatório e misógino e se centra no meu estado civil e não nas minhas capacidades.

Ao longo da minha carreira no desporto automóvel, encontrei e ultrapassei inúmeros obstáculos e recuso-me a deixar que estas alegações sem fundamento ofusquem a minha dedicação e paixão pela Fl Academy.

Como mulher neste desporto, enfrentei a minha quota-parte de desafios, mas o meu empenho em quebrar barreiras e abrir caminho para o sucesso das gerações futuras permanece inabalável.

Rejeito com toda a veemência estas alegações.”

Também a Mercedes respondeu nas redes sociais ao sucedido:

“Registamos a declaração genérica da FIA desta noite [ontem], que responde a alegações infundadas de um único meio de comunicação social, e o briefing extraoficial que a associou ao Chefe de Equipa da Mercedes-AMG F1.

A equipa não recebeu qualquer comunicação do Departamento de Conformidade da FIA sobre este assunto e foi uma grande surpresa tomar conhecimento da investigação através de uma declaração dos meios de comunicação social.

Rejeitamos totalmente a alegação contida na declaração e a cobertura mediática associada, que injustamente impinge a integridade e a conformidade do nosso Diretor de Equipa.

Como é óbvio, convidamos o Departamento de Conformidade da FIA a enviar uma correspondência completa, rápida e transparente sobre esta investigação e o seu conteúdo”.

O volte-face que enfraquece a FIA

O palco parecia montado para mais um inverno polémico, com acusações, alegações e a posição de Toto e Susie Wolff enfraquecidas, talvez até irremediavelmente. Mas no dia seguinte à declaração da FIA, aconteceu algo muito raro na F1. As equipas juntaram-se e defenderam Susie Wolff (e, por consequência, Toto Wolff). As nove equipas lançaram um comunicado idêntico, garantindo que não tinham sido responsáveis pela queixa ou pressão que acabaria na abertura da investigação. Todas as equipas, à exceção da Mercedes, lançaram um comunicado onde se leu o seguinte (usaremos o comunicado da McLaren como exemplo, mas todas publicaram o mesmo conteúdo, alterando apenas a designação):

“Podemos confirmar que a McLaren não apresentou qualquer queixa à FIA relativamente à alegação de que informações de natureza confidencial foram transmitidas entre um Diretor de Equipa de F1 e um membro do pessoal da FOM. Temos o prazer e o orgulho de apoiar a F1 Academy e o seu Diretor-Geral através do nosso compromisso de patrocinar um concorrente com as nossas cores a partir da próxima época”.

Neste comunicado, Susie Wolff é defendida por todas as equipas e, ao contrário do inicialmente dito, não terão sido as equipas a pressionar a FIA a avançar com a investigação.

Numa mostra de união sem precedentes, todas as equipas se afastaram do que foi dito e deixaram a FIA “pendurada”. O que se seguiu enfraqueceu novamente a FIA e tornou-se embaraçoso para o órgão federativo.

No dia 7, mais ou menos 48h depois de anunciar a abertura da investigação, a FIA dá um passo atrás. Na sua comunicação a FIA disse o seguinte “Na sequência de uma análise do Código de Conduta e da Política de Conflitos de Interesses da Formula One Management e da confirmação de que estão em vigor medidas de proteção adequadas para atenuar eventuais conflitos, a FIA está convencida de que o sistema de gestão da conformidade da FOM é suficientemente robusto para evitar qualquer divulgação não autorizada de informações confidenciais.

A FIA pode confirmar que não há nenhuma investigação em curso em termos de inquéritos éticos ou disciplinares envolvendo qualquer indivíduo. Enquanto entidade reguladora, a FIA tem o dever de manter a integridade do desporto automóvel mundial. A FIA reafirma o seu compromisso com a integridade e a justiça”.

O que tudo isto significa?

Para a FIA foi um tiro no pé. Mais um, desde que Mohammed Ben Sulayem assumiu a liderança da Federação. O “reinado” de Ben Sulayem começou da pior forma com a implementação de um sistema de direção de corrida que, para além de complexo (rotação de diretores de corrida), não permitia continuidade e um critério uniforme nas decisões, algo muito criticado por pilotos e equipas. A rotação de diretores de corrida acabou por ser abandonada. Os critérios nas decisões dos comissários continuam discutíveis e este foi o primeiro ponto de afastamento entre a FOM e a FIA. Seguiu-se o caso Andretti, com a FIA a “escancarar” a porta à equipa americana quando a FOM e as equipas mostraram de forma muito clara que não queriam mais nenhuma equipa. A FIA iniciou o processo para permitir a entrada de novas equipas e até isso não acabou da melhor forma, com a Hitech, uma das candidatas, a ponderar um processo judicial, por ter dúvidas da forma como o processo decorreu. O braço de ferro com a FOM já vinha a intensificar-se de “outras lutas”. A área de competência da FIA é aprovar o calendário, enquanto os detentores dos direitos comerciais têm de o elaborar, resultado de um longo trabalho realizado depois de negociar com os promotores locais.

Normalmente, Liberty Media, ou seja, a Fórmula 1, e FIA publicam um comunicado de imprensa conjunto com a apresentação do documento para a época seguinte. Stefano Domenicali, CEO da Fórmula 1 só terá sabido da apresentação do calendário por parte da FIA pouco tempo antes deste ser anunciado ao público, para além das equipas ainda não terem aprovado as três corridas consecutivas em outubro e novembro, que envolvem os Grandes Prémios dos Estados Unidos, México e Brasil, o que explicaria o atraso da Fórmula 1 em confirmar o calendário mais cedo.

Podemos juntar a isso a polémica das multas de um milhão de euros para certas infrações, o que levou a mais uma nota de desagrado de todos no paddock.

Em resumo, a F1 e a FIA estão numa espécie de “guerra fria” que se iniciou pouco depois da entrada de Ben Sulayem, e a distância entre as partes apenas tem crescido desde então. De tal forma que os rumores sobre a FOM bater com a porta e criar o seu campeonato, longe da égide da FIA, crescem com cada polémica. Claro que a FIA não quer largar a sua “galinha dos ovos de ouro” a competição com mais prestígio e que mais dinheiro rende aos cofres da Federação. É um braço de ferro em que Ben Sulayem tem muito a perder e as vozes que pedem a sua saída podem crescer.

Neste momento a FOM está numa posição de força, as equipas parecem unidas (algo raro) e este caso enfraqueceu a liderança de Ben Sulayem. Ou se encontra ou se encontra uma solução para um “tratado de paz” de forma rápida e eficaz, ou a relação já de si azeda, poderá azedar ainda mais.

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Pity
Pity
5 meses atrás

A FOM pode criar o campeonato que quiser, mas tem de arranjar outro nome. O nome “Fórmula Um” é propriedade da FIA. Se forem por esse caminho, perdem as duas entidades, como aconteceu há uns anos com a Indy.

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