O ‘novo’ Spygate na Fórmula 1

Por a 23 Dezembro 2015 20:34


OS TEUS SEGREDOS SÃO MEUS

A Mercedes interpôs um processo judicial contra um dos seus engenheiros quando este se preparava para vestir as cores da Ferrari. Apesar do aparato, Luís Vasconcelos e António Vasconcelos Tavares explicam que não estamos perante mais um “Spygate” – o caso que, em 2007, resultou numa multa de 100 milhões de dólares para a McLaren

André Bettencourt Rodrigues

Benjamin Hoyle tinha como garantido um novo desafio ao serviço da Ferrari. Até que a Mercedes decidiu processar o seu antigo funcionário com medo de que este partilhasse informações confidenciais sobre a estrutura e o engenho técnico que fazem do V6 híbrido desenvolvido em Brixworth, Inglaterra, o motor mais avançado da atual Fórmula 1.

Desde 2012 que Hoyle, um engenheiro com ligações à Prodrive e Cosworth, fazia parte da ‘Mercedes AMG High Performance Powertrains Ldt’ (HPP), a divisão encarregue de desenvolver as unidades motrizes da marca alemã. Dois anos após a sua entrada na empresa, a 21 de maio de 2014, informou as chefias da sua intenção de rescindir o contrato que o ligava à Mercedes no dia 31 de dezembro de 2015.

O britânico era apenas mais um quadro que tinha optado por seguir outro rumo, comunicando antecipadamente essa situação e dando à entidade empregadora tempo para arranjar soluções que protegessem os seus interesses. Os documentos colocados à disposição do Alto Tribunal de Londres revelam que a Mercedes, pouco depois de ser informada do desígnio de Hoyle, teve conhecimento de que o seu ainda funcionário tinha o objetivo de se juntar à Ferrari. Mas isso não a impediu de mantê-lo em funções durante mais 11 meses. Só a 16 de abril de 2015 é que o figurino foi alterado, com Owen Jones, diretor da equipa de engenharia de desempenho da HPP, e Michael Nash, diretor dos recursos humanos, a comunicarem-lhe que, a partir desse momento, passaria a trabalhar em projetos relacionados com o DTM e os modelos de produção em série da Mercedes, “na base de que a sua mudança para a Ferrari estava mais próxima”, lê-se num dos documentos. Tal significaria que deixaria de ter acesso a quaisquer informações relacionadas com o projeto da Fórmula 1 de forma a proteger “a propriedade intelectual da HPP” e “prevenir que essas informações técnicas” fossem transmitidas aos homens de Maranello.

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PROPRIEDADE INTELECTUAL

Benjamin foi assim obrigado a entregar o seu portátil, tendo-lhe sido cedido outro, modificado, para garantir que não existiam vestígios de dados de um outro utilizador; e deixou de ter acesso ao departamento de Fórmula 1 da fábrica de Brixworth. Foi-lhe ainda criada uma nova conta de e-mail e fornecidos outros dados de acesso para impedir que entrasse nas áreas restritas da rede da HPP relativas à Fórmula 1. No entanto, a Mercedes alega que Hoyle não respeitou estas restrições, quebrando as regras da empresa ao copiar informação confidencial antes de lhe ser retirada a pasta do projeto F1. Diz ainda que a 23 de setembro de 2015, quando já lhe tinha sido vetado o acesso, Hoyle foi ‘apanhado’ a ler o relatório do Grande Prémio da Hungria que tinha ocorrido em julho deste ano, e que, quando confrontado pelo seu antigo manager e diretor da HPP, Owen Jones, “desligou o cabo de alimentação do seu portátil”, provocando assim o seu encerramento. Um incidente que resultou numa investigação interna que envolveu 167 horas de trabalho e o recurso a duas empresas especialistas na análise de dados forenses, Stroz Freidberg e CCL.

Em suma, a HPP acusa Hoyle de, a partir de 17 de abril, ter guardado no seu novo computador: o relatório do GP da Hungria que ocorreu a 26 de julho de 2015; informação relativa aos motores de F1 utilizados na temporada de 2015 até 14 de setembro do mesmo ano; ficheiros com o código necessário para decrepitar os ficheiros de dados; e ficheiros crepitados com informação detalhada sobre o desempenho do motor, utilizados para produzir os relatórios de corrida. Diz ainda que o funcionário descarregou um conjunto de ficheiros para outros aparelhos de índole pessoal, incluindo um portátil da Toshiba, um tablet da Acer, dois cartões micro SD e um leitor de portas USB da Kingston. Em Março de 2015, quando ainda se encontrava no departamento de F1, terá também carregado um ficheiro Excel num portal eletrónico externo. Nada disto poderia ter sido feito de acordo com as obrigações contratuais de Hoyle, com a expressão ‘garden leave’ a aparecer inúmeras vezes no processo, bem como a impossibilidade de, de acordo com as regras da HPP, um funcionário ser autorizado a guardar informação em dispositivos USB que não os fornecidos pela empresa.

Um porta-voz da Ferrari, entretanto, já veio a público afirmar que Benjamim não irá juntar-se à equipa no futuro próximo, acrescentando ao AutoSport inglês que o britânico “nunca teve um contrato assinado” com a companhia. Mas a Mercedes acredita que Hoyle e a Ferrari “ganharam potencialmente” uma vantagem injusta e ilegal.

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OUTRAS VANTAGENS

O repórter de Fórmula 1 do AutoSport, Luís Vasconcelos, explica que, apesar das acusações que agora vieram a público, estamos longe de um novo ‘Spygate’: “Do que pude saber, o funcionário da Mercedes ofereceu efetivamente esses dados à Ferrari, mas também a outras equipas. E a estrutura italiana já disse que não o ia contratar. Se ele nunca esteve a trabalhar com a Ferrari não há nada. É apenas uma empresa, a Mercedes, contra o seu funcionário.” Luís Vasconcelos diz ainda que a situação é particularmente insólita tratando-se de alguém “especialista” em informática: “Se ele de facto tirou um disco ou uma pen com dados é uma ação que acaba por ser estranha. Estas coisas são facilmente detetadas e a confirmar-se será uma surpresa que alguém na sua posição o tenha feito de uma forma tão óbvia”. Para o repórter do AutoSport, a instauração do processo traz outras vantagens: “Metem a Ferrari ao barulho para sabiam que ele estava em contacto com eles. A Mercedes impede assim que ele que vá para Maranello porque, com a história cá fora, é evidente que a Ferrari já não vai contratá-lo.” Já o antigo presidente da FPAK e ex-membro do Conselho Mundial da FIA, António Vasconcelos Tavares, afirma que “há um sigilo profissional que é obrigatório”, mas que essa situação é “muito difícil” de ser controlada pois os profissionais levam sempre “parte do seu know-how” para onde vão: “São situações difíceis de provar, mas o conhecimento deste funcionário poderia fazer com que a Ferrari desenvolvesse peças que já existem na Mercedes e isso é que é expressamente proibido. Provavelmente o que a Mercedes quis fazer foi evitar que venham a aparecer nos Ferrari alguns desenvolvimentos que já existiam nos seus carros. Mas a FIA, neste momento, não pode fazer nada contra isso. Apenas quando existe uma queixa formal de uma equipa sobre outra, uma queixa que nesse caso é também apreciada pelo Conselho Mundial do organismo.”

António Vasconcelos Tavares esclarece ainda que “o Conselho Mundial da FIA tem de se basear nas provas que são fornecidas pelas polícias. Foi o que aconteceu em 2007, com a Scotland Yard e a polícia italiana a nos fornecerem as provas de que tinha realmente havido uma cópia. E provando-se que houve cópia há um castigo atribuído pela FIA. Agora, num caso destes ainda não há nada propriamente. O que a Mercedes pretende é evitar que venha a haver. Os alemães estão, digamos, a fazer uma providência cautelar, garantindo que o seu funcionário, ao ir para outro sítio, não irá desenvolver nele o trabalho que estava a ser feito na Mercedes.” Luís Vasconcelos, por outro lado, tem uma visão diferente sobre o que se passou há oito anos, afirmando que a multa recorde de 100 milhões de dólares atribuída à McLaren foi um caso político: “Em 2007, ninguém demonstrou que a McLaren tinha beneficiado ou que outras pessoas dentro da equipa tinham utilizado os materiais que estavam na posse do Mike Coughlan. Foi mais uma questão pessoal do Max Mosley para tentar destruir o Ron Dennis. No final do mesmo ano há um funcionário que sai da McLaren e que leva todo projeto em CD para a Renault. Os franceses foram apenas advertidos e esse funcionário não foi posto de fora da Renault. Continua lá. Por isso é que agora há o ‘gardening leave’, que até entra nos regulamentos desportivos a partir do próximo ano.”


ESPIONAGEM NA F1


A Mercedes alega que Hoyle não respeitou estas restrições, quebrando as regras da empresa ao copiar informação confidencial antes de lhe ser retirada a pasta do projeto F1

O Conselho Mundial da FIA tem de se basear nas provas que são fornecidas pelas polícias. Foi o que aconteceu em 2007, com a Scotland Yard e a polícia italiana a nos fornecerem as provas de que tinha realmente havido uma cópia. E provando-se que houve cópia há um castigo atribuído pela FIA.

 

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