Tiago Monteiro: “Foi o meu melhor ano”

Por a 27 Dezembro 2016 11:10

Terceiro no campeonato de pilotos, com dois triunfos na Eslováquia e em Vila Real, Tiago Monteiro viveu esta temporada a sua melhor época no WTCC. Ao AutoSport revelou as bases para este resultado

Um mês após a fantástica corrida em que assegurou o terceiro lugar do campeonato, Tiago Monteiro falou com o AutoSport sobre a melhor temporada da sua carreira no WTCC. Tudo antes de três dias de testes em Itália, “para comprovar uma evolução de motor” que envolve peças que “resultaram bem na Fórmula 1 e nos GT” japoneses. “Se resultarem vão demorar muito tempo a serem construídas, por isso temos que as testar agora, para estarem prontas para o início da temporada”, adianta o português. No chassis, a Honda quer também comprovar amortecedores novos, travões, pastilhas, de modo a perceber se há “alguma coisa melhor no mercado” que possa ser utilizada no Civic. Sendo este o quarto ano de desenvolvimento, não há muita margem para trabalhar no carro. “Mas há sempre coisinhas que não tivemos tempo de testar durante a temporada, outras que achámos que podem ser melhores, mas que não as testámos bem”, revela Tiago. “Não vamos ganhar um segundo, daí dizer que, apesar de tudo, não vamos estar sempre na dianteira no próximo ano. O Citroën vai continuar a ser o carro mais competitivo. Se conseguirmos ir buscar mais três/quatro décimos reais de performance era excelente”. O resto da conversa vem já de seguida:

Que análise fazes desta temporada em que garantiste o teu melhor ano no WTCC?

Foi de facto o meu melhor ano a todos os níveis. Na posição final do campeonato e, mais do que isso, em toda a minha performance, tanto em qualificação como em corrida. Consegui bons pontos, e pódios e vitórias logo no início. Ali no meio tive algumas dificuldades com azares e toques, mas depois voltei a acabar bastante bem. No global, foi um ano muito forte.

As coisas começaram muito bem, mas depois foste prejudicado com a irregularidade técnica que conduziu à desqualificação de Marrocos, até que o triunfo em Vila Real deu o mote para uma segunda parte da época de alto nível…

Comecei muito forte, com pódios em Paul Ricard e na Eslováquia. Foram muito importantes para, dentro da equipa, mostrar quem poderia ser o líder e mesmo para mostrar as nossas ambições. O nosso carro é muito sensível em determinadas pistas – é normal, todos têm as suas preferências – e no início do ano calhou-nos alguns circuitos que se deram bem com o Civic. Estávamos também com pouco peso nessa parte inicial da temporada e muito fortes na qualificação, o que nos permitiu marcar pontos. A desclassificação de Marraquexe e logo a seguir o acidente no Nordschleife – o pneu rebentado quando estava na liderança – ditaram depois a minha posição no campeonato, levando-me a esquecer completamente a luta pelo título, com o segundo lugar ou o pódio no campeonato a assumirem-se como o novo objetivo. A seguir as coisas voltaram a correr melhor e o único erro da minha parte que eu possa lamentar foi o lapso cometido na qualificação da China, onde era muito difícil para nós entrar no top 10 – aliás, só entrou um carro dos três. Eu tinha capacidade para o fazer, só que o ‘excesso’ de vontade (risos) custou-me caro na pontuação, já que arranquei de trás. De resto, durante o ano, não houve assim erros. De cada vez que a pressão era muito alta, como foi em Vila Real, no Nordschleife ou noutros sítios, consegui reagir bem a essa situação e obter bons resultados. A época foi assim de altos e baixos, como é normal, mas com muitos pontos altos.

Na tua opinião, que fatores contribuíram para esse desempenho?

Existem várias teorias (risos). Há uma que parte da Honda e cada vez mais penso que pode ser realista. No fundo, que a saída do Gabriele Tarquini obrigou-me a tomar a liderança dentro da equipa e a questionar mais o rumo a seguir. Não é que eu estivesse conformado. A luta com ele era sempre muito forte e havia sempre guerras entre nós. Mas é verdade que ele sempre foi um bocado o líder, pela sua experiência e carisma. E se calhar sem te dares conta deixas-te guiar um bocadinho por esse feitio. Inconscientemente, a sua saída da Honda talvez me tenha libertado, obrigando-me a trabalhar muito mais do meu lado. Foi bom e importante. Num segundo plano, tive também um novo engenheiro que me obrigou, mais uma vez, a analisar todos os detalhes com ainda mais cuidado. E tudo junto ajuda-te também a ultrapassar os teus limites e a estar sempre no máximo das tuas capacidades.

Com dois novos colegas de equipa, um mais novo e outro com o estatuto de antigo campeão, sentiste que era importante para ti ficar à frente deles, caso contrário tu próprio terias que repensar algumas coisas?

Um bocadinho. Logo no início do ano, com esta restruturação da equipa, eu sabia que a tarefa não ia ser fácil e que realmente tinha de dar o meu máximo, estar atento aos detalhes todos, para fazer alguma diferença. E também porque havia sempre alguma ideia pré-concebida que o Huff ia chegar ali e dar ‘tareia’ em mim e no ‘Norbi’. Por isso era importante mostrar desde o início que o nível é muito alto de qualquer forma e que não íamos deixar que isso acontecesse. Não é mostrar quem manda, porque cada um de nós tivemos ali momentos da temporada em que estávamos mais fortes e ninguém dominou ninguém. A luta foi sempre muito equilibrada. E aliás, tu vês – claro que com alguns azares para mim e para o ‘Norbi’ – que acabámos por um ponto de diferença. Claro que eu tive aquele azar no Qatar [acidente na corrida 1 que o fez perder muitos pontos]. Mas o certo é que chegámos ao final do ano muito renhidos. No início do ano eu estive até a liderar o campeonato e na luta pelo título, depois passei a maior parte do ano na disputa pelo segundo lugar. É verdade que estive sempre à frente deles. No entanto, na performance global estávamos sempre muito renhidos.

Quando falámos a meio do ano referiste que o objetivo da equipa para o resto da temporada, não podendo lutar pelo primeiro lugar, era vencer corridas. Infelizmente não conseguiste fazê-lo mais. Isso de alguma forma deixou-te desiludido ou foi a consequência, como disseste, de o carro não se ter adaptado a alguns circuitos?

Eu disse isso porque era o que eu queria fazer. Mas depois, no momento, temos de ser realistas e é um pouco o que dizes: há pistas onde simplesmente é impossível para nós lutar pela vitória. Para o ano vão mudar algumas coisas neste campeonato, mas até agora, quando tens uma equipa a dominar como a Citroën, na corrida 1 dificilmente fazes a pole, a não ser num circuito citadino. Num circuito normal é quase impossível. Só eu e o Catsburg é que o conseguimos. O resto foi tudo para a Citroën. E se tu lutas pela qualificação, que é o objetivo que a Honda nos dá – temos que entrar no top 5 – então estás tramado, porque vais arrancar sempre, nos melhores casos, de segundo, terceiro ou quarto, na luta com os Citroën. E depois na segunda corrida arrancas lá atrás, e também não vais ganhar essa. Para obter mais triunfos teria de ter feito estratégia para tentar vencer na segunda corrida. Mas a Honda queria sempre mostrar que o desempenho do carro estava melhor e daí pedirem-nos para dar o máximo para entrar no top 5, não para ‘jogar’ com a segunda corrida. Eu não estou muito de acordo com esta ideia, sobretudo com três carros, e quando tens um que está a lutar pelo campeonato. Já sabemos que não vamos conseguir lutar com o ‘Pechito’ na qualificação. Ele vai sempre arrancar na nossa frente e até acabar à nossa frente. Mas temos de seguir as regras da equipa. Eles é que mandam! (risos)

Passando para 2017, tudo indica que o Rob Huff não vai continuar convosco. Com um lugar em aberto, poderá o Tarquini regressar à Honda? É também este ano que estreiam a nova carroçaria ‘sedan’ do Civic em substituição do ‘hatchback’ menos favorável do ponto de vista aerodinâmico?

Não vamos ter a nova carroçaria para 2017. Ela não chegou a tempo para ser homologada, por isso só em 2018 é que haverá nova carroçaria, o que é pena, porque só aí teríamos um ganho de 12 a 14% em termos de aerodinâmica. Era perfeito, mas não vai acontecer para já. No entanto, para a semana vou outra vez para Itália para três dias de testes, já com coisas novas no motor e outras evoluções. E depois logo no início do ano temos testes marcados. Temos um programa de testes bastante preenchido, muito mais do que no ano passado, aliás, mas com este carro e esta carroçaria. Em relação aos pilotos, [a saída do Huff] não é nenhum segredo, mas não é ainda oficial. Penso que querem anunciar os três pilotos ao mesmo tempo, mas está a demorar um bocadinho. Quanto ao possível regresso do Tarquini, não é impossível – ele está no mercado – mas não sei se está confirmado, francamente não sei. Era giro.

Se ele eventualmente regressar à Honda, de que forma é que isso poderia alterar o equilíbrio de forças dentro da JAS?

Eu adoraria que o Gabriele regressasse. Pela amizade que temos e o ambiente que se cria na equipa. Este ano não foi tão ‘divertido’ como é costume porque não éramos as mesmas pessoas. Só que, como eu disse anteriormente, eu ganhei um estatuto muito forte, muito importante dentro da JAS, e estaria curioso de ver como seriam as coisas, até porque a própria JAS percebeu ainda melhor as minhas capacidades este ano do que nos outros anos todos. Olham para mim de uma outra forma. Se o Tarquini regressasse e estivesse à minha frente, é normal que recaísse sobre ele a liderança da equipa. Mas se fosse ao contrário tenho a certeza que teria eu essa responsabilidade, porque este ano ganhei muita força.

Dentro do feedback que deste à equipa há alguma alteração que tenha sido feita à conta das indicações que deste e que permitiu essa confiança acrescida no teu trabalho?

Houve muita coisa que este ano foi desenvolvida por mim. Eu e o Tarquini somos muito diferentes em pilotagem e em gostos de certas afinações. Sabemos muito bem o que gostamos e que há coisas que funcionam muito bem com ele e nem tanto comigo, e vice-versa. A diferença talvez em comparação com os outros anos com o Gabriele foi que fomos muito mais diretos aos assuntos. Houve um estilo muito diferente na forma de trabalhar, sobretudo no desenvolvimento. Eu prefiro ir mais rapidamente ao assunto que interessa, enquanto o Tarquini tem sempre a tendência de abrir muito o leque, o que por vezes é muito bom. Mas quando não tens milhares e milhares de dias de testes não podes perder muito tempo, e muitas vezes isso aconteceu porque já não tínhamos a certeza do que era melhor. No meu caso, o facto de ser mais incisivo em alguns pontos fez com que perdêssemos menos tempo. E como acima de tudo o resultado final foi bom, isso deu-lhes de repente uma confiança enorme em mim. Penso que também gostaram da minha atitude. Ao início sentia-me um pouco perdido sem o Tarquini, porque quando tinha dúvidas baseava-me muito nele. É normal, trocávamos muitas ideias. Mas como não confio tanto nem no Michelisz, nem no Huff, tive de o fazer sozinho.

No teu entender, qual o motivo para o ‘Rob’ Huff não continuar com a Honda após apenas um ano com a equipa?

Acho que não existe apenas uma razão. É o conjunto de diversos fatores. Pelo que eu senti e vejo, é um piloto super rápido, mas não trouxe nada de novo, nem mesmo tecnicamente. Estávamos à espera de muito mais de um campeão do mundo, de alguém que esteve na Seat, na Chevrolet… Achávamos que íamos poder usufruir muito mais da experiência dele. Depois, a nível de ambiente, de espírito de equipa, penso que ele não encaixou na mentalidade da Honda e da JAS. Nunca houve problemas, mas nunca se adaptou ao jogo de equipa que é necessário – é verdade que eu e o ‘Norbi’ já nos conhecíamos há muito tempo e talvez tenha sido difícil para ele entrar nessa relação. O feitio dele criou algumas tensões, mas a não renovação do contrato foi uma surpresa para mim e para toda a gente.

Achas que no meio destas saídas todas – retirada do Yvan Muller, saída do José Maria Lopez, da Citroën e da Lada – o campeonato está mais fraco?

A saída da Lada é que foi propriamente uma surpresa que ninguém esperava. Apesar de nunca ter sido até agora um concorrente muito consistente, é sempre uma marca que se perde. Em relação ao ‘Pechito’, o Yvan, talvez o Tarquini, é verdade que são pilotos emblemáticos que saem. No entanto, acredito que os adeptos rapidamente se vão adaptar a uma nova realidade, com novas lutas e novos pilotos no mercado. O Eurosport vai anunciar em breve umas novidades que vão surpreender toda a gente.

Anda-se a discutir a história das ‘Joker Laps’ do Ralicross. Eu perguntava-te se isso é algo que tu achas possível, que faça algum sentido?

Eu não tenho uma opinião formada, porque é algo completamente novo para nós. Pode ser interessante. O François Ribeiro [promotor do WTCC] garantiu-me que esta iria ser a melhor temporada do WTCC desde 2008. Com estas saídas importantes, quem olha de fora pensa obviamente que o campeonato está mal. Mas eu estou aqui há dez anos e já vi fases muito piores. Quando o [Augusto] Farfus e o [Andy] Priaulx saíram logo na primeira ou segunda corrida já ninguém se lembrava deles. O ser humano é rápido a esquecer estas coisas, e se as corridas forem boas mais fácil ainda.

Aquele triunfo em Macau foi a cereja no topo do bolo de uma grande época?

Foi uma prenda simpática! (risos) Na manhã de domingo, tanto eu como o António [Félix da Costa] falámos sobre o assunto. Ele estava na F3, que não era o campeonato dele, e eu no TCR, que não é o meu. Sendo convidados não tínhamos nada a perder, mas como é Macau existe aquela tensão – estávamos muito nervosos. Ganharmos os dois foi fantástico. Dois portugueses a ganhar no mesmo dia, o manager e o piloto… Estava tudo maluco lá!

 

André Bettencourt Rodrigues

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Cágado1
7 anos atrás

Já várias vezes o disse: para mim este era o ano da verdade para o Tiago e ele esteve à altura, bater o Huff não é para qualquer um.
Já quanto ao Huff, a entrevista deixa a entender o que se sentiu durante o ano: chegou a achar-se estrela; esteve-se marimbando para o jogo de equipa, só pensando nele próprio; acabou por colher os frutos da sua atitude, sendo o pior dos 3. Caiu muito no que eu pensava dele.

Kimi Iceman
Kimi Iceman
7 anos atrás

O Tiago Monteiro lutou contra a Citroen com as armas que tinha, enquanto o deixaram.
Depois veio aquilo do fundo irregular (se fosse com uma certa marca francesa, já era tudo regular!) e foi-se a esperança.
Agora sem Citroen e sem Lada a Honda têm a obrigação de ganhar, e esperemos que seja finalmente o ano que o Tiago ganhe o campeonato de WTCC.

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