Os ralis do WRC mais equilibrados de sempre

Por a 23 Novembro 2023 14:28

Se olharmos para o Mundial de Ralis como um todo, percebemos que a evolução da modalidade também se deu com provas cada vez mais equilibradas. 74% das que constam no top 10 realizaram-se depois do virar do século, 90%, se contabilizarmos de 1997 para cá. São esses eventos que vamos relembrar. Como se sabe, desde o Rali da Croácia de 2021, o top 3 mudou de figura, depois de Sébastien Ogier bater Elfyn Evans por 0.6s.

Desde 1973 que se disputa o Mundial de Ralis, e desde essa data que a disciplina não para de crescer, em todos os quadrantes, mas especialmente no seio do interesse dos adeptos. O espetáculo, a emoção, a adrenalina resultante de ver os carros a grandes velocidades em pisos difíceis, os pilotos que se foram tornando cada vez mais grandes vedetas e ídolos.

Há muitas formas de olhar para a história do WRC, mas nestes quase 50 anos que a competição tem (cumpre-os em 2023), há um pormenor que é interessante. Os ralis mais equilibrados. Vamos recordar quais foram aqueles em que o mais ínfimo pormenor fez a diferença, quais foram os que pareciam ‘entregues’ e depois acabaram por ser decididos por “uma unha negra”.

Se recuarmos no tempo, a pré-história do Mundial de Ralis está centrada nos anos 60 e 70, eram tempo em que se andava mais para o lado do que para a frente. Agradecemos esses tempos, pois foi dessa forma que os ralis começaram por ser cada vez mais conhecidos, mas apesar do primeiro Campeonato Internacional de Ralis Europeu se ter iniciado em 1953, o Campeonato Europeu para Construtores em 1968, só mesmo em 1973 surgiu a criação daquele que se pode chamar o verdadeiro Campeonato do Mundo de Ralis, dirigido para as marcas, ainda que apenas com provas europeias.

Os ralis foram crescendo devagar, os carros que eram na sua grande maioria consideravelmente pequenos e leves, mas as coisas iriam mudar já que termos como o ‘turbo’ e ‘quatro rodas motrizes’ começavam a revolucionar o mundo dos ralis.

Nos anos 80, os ralis tiveram um crescimento incrível, muito graças aos fabulosos grupos B, que despareceram, como todos sabem devido às tragédias e falta de segurança, mas deixaram também uma enorme herança.

Os adeptos desconfiaram dos primeiros Grupos A, mas não demorou muito tempo até termos carros a andar cada vez mais. Não demorou uma década até que os registos dos Grupos B fossem caindo.

Ao mesmo tempo, fomos tendo cada vez mais marcas, melhores carros, e quando a era do Grupo A terminou para dar lugar ao WRC, em 1997, foi dado o passo decisivo para a existência de provas com cada vez mais interesse.

Neste contexto, vamos recordar os ralis mais equilibrados da história do Mundial, sendo que curiosamente, no top 30, 90% deles, tiveram lugar depois de 1997. O mais recente desta lista é o Rali de Monte Carlo deste ano.

O top cinco

Começamos a nossa viagem pela história pelo melhor local que pode imaginar: Portugal. Recuamos até 1998 para relembrar um dos ralis mais disputados de sempre, e o mais equilibrado desde 1976. A diferença observada ao final do evento significou um novo recorde na modalidade, que se mantinha desde o Rali de San Remo em 1976, quando Bjorn Waldegaard bateu Sandro Munari por 4.0 segundos.

Mas falemos do rali em si. O protagonista principal foi Colin McRae, que com Carlos Sainz escreveu uma das páginas mais marcantes da história da competição. Ambos lutaram até ao derradeiro troço pelo triunfo na prova, e quem assistiu à prestação de Colin McRae na primeira etapa do rali, guardará certamente ainda na memória uma das mais extraordinárias exibições de um piloto no nosso país. Sentindo-se como peixe dentro de água a bordo do Subaru Impreza WRC, o escocês voou nas classificativas de Fafe e continuou o recital na parte da tarde. Quando tudo indicava que iria ter uma vitória tranquila, o motor do Subaru foi perdendo óleo ao longo dos troços e, com isso, a vantagem de quase 30 segundos sobre Sainz até então amealhada.

No último troço, Amarante, Colin McRae e Carlos Sainz entraram separados por meia dúzia de segundos. O espanhol ganhou quatro dos últimos seis troços, e no último, em Amarante, foi ‘buscar’ 4,7s em apenas 11 quilómetros, mas nem mesmo assim chegou e a vitória coube ao escocês pela diferença mais curta até então: 2,1 segundos!

Com o segundo lugar, Carlos Sainz abriu uma vantagem de 12 pontos para Tomi Mäkinen, que viria a conquistar o Campeonato com apenas dois pontos de diferença sobre Carlos Sainz.

De referir que a diferença verificada entre McRae e Sainz significou na altura um recorde, que não era batido há 22 anos. Em 1976, em San Remo, a diferença entre primeiro e segundo foi de quatro segundos.

Mas, naturalmente, o recorde de 1998 também já foi batido. Na Nova Zelândia, em 2007, a diferença entre Marcus Grönholm e Sébastien Loeb foi de 0.3 segundos, e fez o recorde de 1998 parecer uma eternidade! Curioso perceber que se este mesmo rali tivesse sido realizado antes de 1998, tinha sido Loeb a vencer por… um segundo.

O rali em si conta uma história incrível. Foi impossível perceber qual foi a diferença entre um e outro, mas a verdade é que a houve. Na altura apontou-se o dedo à escolha de pneus, pois Loeb usou pneus mais duros no seu Citroën C4 do que Grönholm no seu Ford Focus. À entrada para o último dia, quem liderava era mesmo Loeb, com mais 1.7 segundos que Grönholm, mas o finlandês deu a volta ao texto, e ao início do último troço liderava com 0.7 segundos de diferença. A vantagem acabaria por decrescer, mas não o suficiente para o francês levar a vitória.

Grönholm conseguiu na altura, 10 pontos de vantagem sobre Loeb, que não se mostrariam suficientes, pois no final quem venceu foi Sébastien Loeb, com uma vantagem de 4 pontos sobre o finlandês da Ford.

O incrível recorde estabelecido na Nova Zelândia acabaria por ser batido apenas quatro anos depois, por Sébastien Ogier e Jari-Matti Latvala, apesar de muitos pensarem ser impossível. Ogier (Citroën) terminou o Rali da Jordânia de 2011 com 2h48m28.2s, e Latvala (Ford) com 2h48m28.4s… observe bem, a diferença está nos decimais. A diferença de tempo entre um e outro foi apenas de 0.2 segundos, recorde que se mantém até agora. O recorde torna-se mais incrível quanto mais pensamos nele. O que pensa que consegue fazer em 0.2 segundos? Piscar os olhos talvez?

Mas o que interessa é o rali. E novamente, se este rali tivesse sido realizado antes da introdução da cronometragem digital, quem ganhava era Sébastien Ogier, mas com uma diferença de… 19 segundos! Antes do rali, o campeonato disputava-se a quatro: Sébastien Loeb, Mikko Hirvonen, Sébastien Ogier e Jari-Matti Latvala. Relatos da época, contam que o Rali da Jordânia viu a sua primeira etapa anulada, após vários atrasos na logística das equipas, e após o público ter colocado pedras na estrada.

No entanto, no final do segundo dia, Latvala tinha 33.1 segundos de desvantagem sobre Ogier. Mas antes do último troço, já tinha recuperado e tinha 0.5 segundos de avanço sobre Ogier. No entanto, no final Sébastien Ogier recuperou o suficiente para vencer a prova: 0.7 segundos. Assim, estabeleceu-se um novo recorde de 0.2 segundos, que dura até aos dias de hoje.

No que toca ao Campeonato de 2011, e após o Rali da Jordânia, era Loeb que liderava, e assim se manteve até final, tornando-se o francês campeão à frente de Hirvonen e Ogier.

As menções honrosas deste recorde ocorreram em 2017 e 2018. Desde a cronometragem digital tem havido vários registos impressionantes, mas estes dois destacam-se… e estão, até, empatados.

Em 2017, na Argentina, a diferença foi feita entre Thierry Neuville (Hyundai) e Elfyn Evans (Ford). Antes do rali, Sébastien Loeb liderava, perseguido por Jari-Matti Latvala e Thierry Neuville. E no final do segundo dia, parecia que Elfyn Evans estava pronto para levar a vitória, com 11.5 segundos de avanço sobre o belga da Hyundai.

No dia seguinte o caso mudou de figura, e, em dois troços, Neuville recuperou a diferença, entrando para o decisivo troço apenas a 0.6 segundos de Evans. Neuville acabaria mesmo por recuperar um segundo a Evans, vencendo o rali, e estabelecendo a diferença em 0.7 segundos. Estes pontos ajudaram Neuville, mas não o suficiente para vencer o campeonato, que seguiu para Sébastien Ogier, enquanto o belga ficou em segundo.

O último rali que mereceu destaque pela diferença temporal entre vencedor e segundo classificado ocorreu na Sardenha, em 2018. Protagonistas: Thierry Neuville, novamente no seu Hyundai, e Sébastien Ogier num Ford. O Campeonato estava a ser disputado exatamente pelos mesmos pilotos, que mantinham uma saudável diferença de cerca de 20 pontos, com Ogier na frente.

No rali, ao final do segundo dia, era o belga que liderava com menos 3.9 segundos que o francês, e faltando apenas quatro troços para o final, parecia perto de recuperar a sua diferença na classificação geral. No entanto, no último dia, Ogier começou a recuperar, e fez a diferença decrescer para 3.1s, 1.3s, e, no penúltimo troço, 0.8 segundos. A tendência apontava para um Ogier a vencer, mas tal não se verificou, e Neuville venceu o evento com 0.7 segundos de vantagem sobre Ogier.

No final, não foi esse rali que fez a diferença, pois foi mesmo Sébastien Ogier que se tornou novamente campeão, com cerca de 20 pontos de vantagem sobre Thierry Neuville.

Estatísticas

Ao observar o top 10 de chegadas mais próximas em ralis do WRC, percebemos que nenhuma entrada ocorre antes da cronometragem digital. Antes de 1998 a cronometragem dos tempos era feita com o cronómetro, e os tempos eram arredondados. A partir desse ano as coisas mudaram e as provas começaram a ser muito mais disputadas. Se olharmos para o top 23 destes tempos, percebe-se que apenas 13,33% dos registos foram feitos antes de 1998, e nenhum deles ficou abaixo dos quatro segundos.

Olhando ainda para o top 10, percebe-se que 60% dos resultados foram feitos após 2010, o que significa uma maior igualdade entre veículos, o que pode significar que este recorde pode não durar assim tanto tempo no topo da tabela.

Impressionante perceber também, que os carros são muito mais equiparados na gravilha. Em dez resultados, apenas um não foi obtido neste tipo de piso, mas sim em piso misto.

Destaque também para Sébastien Ogier que parece ter uma aptidão incrível para este tipo de disputas. O piloto aparece quatro vezes no top 10, embora tenha ganho apenas metade dessas disputas.

No que toca a recintos, Argentina e Nova Zelândia parecem oferecer mais condições para este tipo de resultados. Os ralis no país da América do Sul aparecem cinco vezes no top 23, e três vezes no top 10, enquanto o país da Nova Zelândia, aparece quatro vezes no top 23 e duas no top 10.

Também existe uma relação entre estes resultados, e a altura da época em que estes ocorrem. Na sua maioria este tipo de resultados ocorre entre o início e o meio da época, mas principalmente entre o 5º e o 7º evento da temporada. É curioso observar as coisas desta forma, podendo este fenómeno estar relacionado com as afinações dos veículos ainda não estarem perfeitas mais no início da época.

Destaques

Existem casos especiais nestes casos. Não só o final é frutífero neste tipo de disputas chegadas. Em Portugal, em 2001, Tommi Mäkinen e Carlos Sainz discutiam a vitória do evento, e chegaram ao último dia com 13 segundos de diferença, com vantagem para o finlandês.

Porém, passado apenas um troço Carlos Sainz recuperou toda a diferença e ficou à frente por… 0.3 segundos. No último troço disputou-se a vitória, com os nervos à flor da pele, mas Tommi Mäkinen acabou por vencer, com 8.6 segundos de vantagem.

O Ford do espanhol teve um pequeno problema, e a diferença acabou por ser enorme. Mas mesmo sem isso, quem viu Makinen a passar, sinceramente, pareceu totalmente imbatível. Mas nunca se sabe. Para a história ficou o seu triunfo.

Esta temporada também já se observou uma entrada no top 10. Em Monte Carlo, Sébastien Ogier e Thierry Neuville ficaram separados por 2.2 segundos o que significou o 6º lugar na classificação de ralis com menor diferença entre primeiro e segundo classificado.

Mas noutras modalidades também se observam disputas chegadas. Na Fórmula 1, a chegada mais próxima entre primeiro e segundo, separou os protagonistas por 0.01s. Ocorreu em Itália, em 1971, e o vencedor foi Peter Gethin da BRM, que venceu sobre Ronnie Peterson, da March/Ford. De resto o top 5 ficou separado por 0.61s…

No MotoGP, a chegada mais próxima realizou-se em Portugal. No Autódromo do Estoril, em 2006, Toni Elías (Honda), ultrapassou na última volta Kenny Roberts Jr. (KR211V) e Valentino Rossi (Yamaha), e disputou com o último até à linha de meta. Acabaram com uma diferença de 0.002s! Incrível.

Nos veículos de duas rodas, mas sem motor, a diferença mais pequena entre campeão e vice da Volta a França em Bicicleta, foi de oito segundos. Em 1989, Greg LeMond e Laurent Fignon disputaram até à última esta edição. Mas a marca serve para perceber que os motores proporcionam corridas muito mais disputadas e emocionantes.

POS. Rali Diferença Pilotos

1 2011 Jordânia 0.2 segundos Ogier – Latvala

2 2007 Nova Zelândia 0.3 segundos Gronholm – Loeb

3 2017 Argentina 0.7 segundos Neuville – Evans

4 2018 Sardenha 0.7 segundos Neuville – Ogier

5 1998 Portugal 2.1 segundos McRae – Sainz

6 2019 Monte Carlo 2.2 segundos Ogier – Neuville

7 1999 Argentina 2.4 segundos Kankkunen – Burns

8 2010 Nova Zelândia 2.4 segundos Latvala – Ogier

9 2011 Argentina 2.4 segundos Loeb – Hirvonen

10 2000 Austrália 2.7 segundos Gronholm – Burns

11 2018 Catalunha 2.9 segundos Loeb – Ogier

12 2015 Catalunha 3.1 segundos Mikkelsen – Latvala

13 2003 Alemanha 3.6 segundos Loeb – Gronholm

14 2014 Finlândia 3.6 segundos Latvala – Ogier

15 1976 San Remo 4.0 segundos Waldegard – Munari

16 2002 Argentina 4.0 segundos Sainz – Solberg

17 1998 Nova Zelândia 4.1 segundos Sainz – Auriol

18 1989 San Remo 5.0 segundos Biasion – Fiorio

19 2020 Sardenha 5.1 segundos 6 Sordo – Neuville

20 2006 Japão 5.6 segundos Loeb – Gronholm

21 2000 Catalunha 5.9 segundos McRae – Burns

22 2004 Nova Zelândia 5.9 segundos Solberg – Gronholm

23 1979 Monte Carlo 6.0 segundos Darniche – Waldegard

24 1994 Argentina 6.0 segundos Auriol – Sainz

25 1997 Austrália 6.0 segundos McRae – Makinen

26 1997 San Remo 6.0 segundos McRae – Liatti

27 2012 Finlândia 6.1 segundos Loeb – Hirvonen

28 2004 Grã-Bretanha 6.3 segundos Solberg – Loeb

29 2011 Alsácia 6.3 segundos Ogier – Sordo Castillo

30 2015 Suécia 6.4 segundos Ogier – Neuville

31 2000 Portugal 6.5 segundos Burns – Gronholm

32 2011 Suécia 6.5 segundos Hirvonen – Ostberg

NOTA: Em 2020, entrou uma nova prova para o Top 20, o Rali da Sardenha

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