Entrevista a Timo Salonen: HERÓI IMPROVÁVEL

Por a 8 Fevereiro 2021 15:33

No auge dos anos 80, a preparação física e mental dos heróis das provas de estrada não obedecia aos rigorosos programas que conhecemos hoje mas, cada um à sua maneira, adotava rotinas mais ou menos exigentes para superar os desafios da pilotagem de um carro de ralis. A exceção chamava-se Timo Salonen. Pouco entusiasta do treino intensivo, era no inseparável cigarro que encontrava o refúgio para gerir emocionalmente a pressão de fintar a morte a troco de um punhado de segundos ganhos no cronómetro. Salonen era a antítese de um atleta de alta competição e o facto de ser pago para fazer aquilo de que gostava, era o bastante para se sentir feliz e realizado. Parecia talhado para uma carreira sem a glória de outros finlandeses voadores até ao dia em que recebeu um telefonema de Jean Todt e aceitou, sem hesitar, integrar a poderosa equipa Peugeot. Ao volante do 205 Turbo 16, Salonen espalhou o seu talento pelas curvas do WRC, tornando-se no piloto com mais vitórias durante a era dourada do Grupo B. A mais saborosa seria obtida frente ao seu público, no Rali dos 1000 Lagos de 1985, no dia em que cumpriu o sonho de se sagrar campeão do mundo. Na rampa do pódio montado sob os céus de Jyväskylä, prestes a acender mais um cigarro, nascia uma nova lenda dos ralis…

Uma das memórias relacionadas com Timo Salonen que ainda hoje conservo da infância, remete-me para uma entrevista dada pelo finlandês logo após a conquista do título de campeão do mundo. Questionado sobre o que gostaria de ver melhorado no Peugeot 205 Turbo 16, o recém-coroado respondia, em tom de brincadeira: “Gostava que tivesse um cinzeiro!” Enquanto nos brindou com a sua presença na competição, os óculos de dimensões generosas e um cigarro Marlboro no canto da boca eram pormenores indissociáveis da figura de Timo Salonen. Hoje, com 69 anos, soma 15 de relações cortadas com o tabaco mas, à semelhança dos óculos, os automóveis continuam a fazer parte da sua vida. Dividindo-se entre a Helsínquia natal e a mediterrânica Málaga onde se refugia do rigoroso inverno escandinavo, Salonen dedica-se ao negócio de importação e venda de carros. Aproveitando um momento de descontração, o ex-campeão do mundo socorre-se de um cálice de vinho branco e mergulha nas suas memórias…

Como começou a sua relação com os carros e com o desporto automóvel?

O meu pai tinha um negócio de venda de automóveis e eu nasci rodeado de carros. Comecei a conduzir com sete anos. No inverno, guiava nos lagos gelados e, no verão, utilizava os caminhos de terra. Tive a oportunidade de começar a evoluir na condução bastante cedo e sempre me senti atraído pela competição, mas só fiz o meu primeiro rali quando tive a carta de condução.

Terá essa paixão sido influenciada pela visita diária de TimoMäkinen ao quiosque de jornais da sua mãe, quando era criança?

Sem dúvida! Nessa altura, alguns jornais saíam de tarde e quem os distribuía pelas bancas da região de Helsínquia era o Timo Mäkinen, cujo pai tinha uma empresa de distribuição. A minha mãe tinha um quiosque e todos os dias, às duas da tarde, eu aguardava a chegada do Timo. Ele chegava, puxava o travão de mão, derrapava o carro e parava-o em frente à banca de jornais. Aquilo fascinava-me.

Que memórias guarda do seu primeiro rali?

Foi um rali de inverno. Alinhei com um Datsun 1600SSS mas não disse nada ao meu pai porque sabia que, se ele soubesse que eu queria participar em ralis, iria dizer que não tínhamos dinheiro para isso. Mesmo assim, decidi arriscar, achando que ele nunca saberia. O problema é que ganhei a classe Júnior e o meu nome veio no jornal da região no dia seguinte, assim como uma pequena foto. Como é óbvio, o meu pai leu a notícia e perguntou-me “O que diabo aconteceu?” (risos). Apesar de ter sido apanhado, foi bom ter ganho porque isso ajudou a que o meu pai percebesse que era aquilo que eu queria fazer.

Nessa altura, qual era o espírito com que participava na competição e quais eram os meios à disposição que lhe permitiam alimentar o sonho?

O orçamento era próximo de zero e, após três ralis na categoria Júnior, subi de escalão porque já havia amealhado os pontos necessários para alinhar nos ralis principais. Comecei então a correr com um Mazda 1300. Nessa altura, não havia peças de substituição e a assistência era feita por amigos. Mais tarde, comprei um Volvo 142 e já tinha algum apoio do importador, nomeadamente ao nível da assistência mas acabei com o carro virado de cabeça para baixo. Éramos completamente amadores e, sem qualquer dinheiro, íamos conseguindo vencer alguns ralis na nossa classe, com alguns acidentes pelo meio.

Nessa época, o sonho ia além da diversão?

Não havia grande perspetiva de vir a tornar-me um piloto oficial mas o sonho persistia. Eu era concessionário de peças da Datsun e, certo dia, em 1975, havia uma reunião de concessionários em Jyväskyläonde iria estar o importador da marca na Finlândia. Por pura coincidência, fomos os dois à casa de banho na mesma altura e, quando nos cruzámos, ele perguntou-me se queria participar no Rali dos 1000 Lagos com um Datsun 160J uma vez que os japoneses queriam ter mais um carro à partida do rali. Respondi-lhe, obviamente, que sim porque, nessa altura, não tinha dinheiro, nem carro. Esse foi um ponto de viragem para mim, já que eu tinha muita vontade de me tornar piloto profissional.

Como surgiu a oportunidade de se tornar, em 1977, piloto oficial da Fiat?

A Fiat perguntou a Markku Alén quem seria a próxima estrela finlandesa, o Alén respondeu “Timo Salonen” e eles contrataram-me.

Qual é a sensação de, finalmente, se tornar piloto profissional e ser pago para fazer aquilo de que gostava?

Foi um grande sonho que se tornou realidade. Os ralis eram, acima de tudo, um passatempo para mim e, de repente tornam-se no meu trabalho. Receber dinheiro para fazer aquilo que nos apaixona é realmente fantástico.

Na Fiat, ganhou o primeiro rali que disputou fora da Escandinávia, o Rali do Québec, uma prova a contar para o campeonato do mundo. A adaptação ao Fiat 131 Abarth foi rápida?

A vitória no Québec de 1977 foi muito motivadora. Os meus companheiros de equipa eram Markku Alén, Walter Röhrl e Simo Lampinen e ganhei porque fui o mais rápido. Quando o triunfo nos cai no colo em virtude da desistência dos nossos adversários, não tem o mesmo valor mas, naquele caso, eles deram verdadeira luta e isso valorizou a vitória e tornou-a fantástica. Após o pódio, o Daniele Audetto, o chefe da equipa, veio ter comigo e disse-me: “Timo, tens de ir a Itália, o Gianni Agnelli[Presidente da Fiat]quer receber-te”. Eu tinha vontade de ir para casa e de festejar com a família e os amigos mas, enquanto o meu navegador [Jaakko Markkula] viajou para a Finlândia, eu rumei a Itália, onde me esperava um almoço com o senhor Agnelli.

O Fiat 131 era um carro fácil de conduzir?

Adaptava-se bem às condições do terreno. O único problema era o facto de ser um carro subvirador, o que nos obrigava a estar constantemente em derrapagem para negociar as curvas. No asfalto era particularmente rápido.

A primeira vitória abriu caminho para objetivos mais ambiciosos?

A partir dessa altura, só pensava em fazer mais ralis para voltar a vencer!

Como foram os anos na Fiat?

A Fiat era uma estrutura grande e verdadeiramente profissional. Eu estava habituado à Datsun, que dependia dos importadores locais e, na Finlândia, que era a realidade que eu conhecia, tratava-se de uma equipa pequena.

Depois de dois anos na equipa italiana, porque regressou à Datsun em 1979?

Por uma questão financeira. Eles apresentaram-me um programa interessante e ofereceram-me bom dinheiro. Era praticamente irrecusável.

Durante os seis anos em conduziu para a Datsun/Nissan, raramente tinha carro para lutar pela vitória à geral. Como é que alguém que já havia provado o sabor dos triunfos, mantinha a motivação à partida para cada rali?

É tudo uma questão de gerir as expectativas. Sabia que o Datsun não era especialmente competitivo em alguns ralis, nomeadamente em asfalto. Era pesado, não tinha a potência dos mais rápidos mas era extraordinariamente robusto e fácil de conduzir, sendo especialmente talhado para provas longas e duras como o Safari.

Em 1980, obtém, na Nova Zelândia, a segunda vitória no WRC, contra a Fiat e a Mercedes. Quando se derrotam carros teoricamente mais fortes, os triunfos têm um sabor especial?

Ganhámos esse rali ao Walter Röhrl precisamente por causa das características do Datsun e pelo facto de ser um rali sem treinos. Como o 160J era muito manobrável mas, ao mesmo tempo, mais pesado, conseguíamos chegar às curvas a fundo e fazê-las em derrapagem sem entrar em pião. A Fiat não conseguiu ganhar porque, como os pilotos não haviam praticado, não conseguiram encontrar o ritmo certo para fazer aquelas curvas típicas dos troços neozelandeses.

A terceira vitória da carreira surge em 1981, na Costa do Marfim. A dureza das picadas africanas era o habitat natural do carro japonês?

A robustez era um dos seus atributos e dava-se particularmente bem na lama, como foi o caso do Rali da Costa do Marfim desse ano. A certa altura, liderávamos com uma hora de avanço ou mais e, quando chegámos ao fim de um daqueles troços mais longos, a organização ainda não tinha montado o controlo (risos). Eram outros tempos…

Conduzir, mais tarde, os enormes Nissan Silvia e 240 RS em troços sinuosos, não devia ser propriamente entusiasmante…

O maior problema era o facto de o carro ser tão comprido que se tornava difícil ver a frente. Uma vez, em Portugal[troço de Alto Espinho, 1982], o nevoeiro era tanto que não víamos a frente do carro e era impossível andar depressa naquelas condições. Chegámos a ser ultrapassados em pleno troço por um piloto português [Carlos Torres]que conduzia um Ford.

Que balanço faz dessa longa ligação à marca japonesa?

Foram bons anos para mim. Em alguns ralis, sabia que as hipóteses de lutar pela vitória era poucas mas diverti-me. Ganhei muita experiência de pilotagem e isso foi importante, além, obviamente, da parte financeira. Essa experiência viria a ser determinante quando assinei pela Peugeot.

Como reagiu quando, no final de 1984, deitado na cama de um hospital, recebeu o convite da Peugeot?

Durante os treinos para o Rali dos 1000 Lagos, sofri uma lesão nas costas e tive de ser operado. Estava ainda no hospital em Helsínquia a recuperar da cirurgia quando recebo um telefonema do Jean Todt que me diz: “Timo, gostavas de ser piloto da equipa Peugeot?” Respondi-lhe que acabara de ser submetido a uma cirurgia complicada à coluna e que não sabia se podia voltar a pilotar. Ele disse-me então que o Dr. Duby, o médico da equipa Peugeot já havia falado com o cirurgião que me operara e sabia que eu podia voltar a conduzir, pelo que, assim que estivesse em condições de voar, iria a Paris para assinar o contrato. Foi uma decisão muito fácil, não pensei duas vezes e assim, dois meses após a operação, fui a França oficializar a minha ligação à Peugeot.

Como foi a integração na equipa francesa?

Foi fantástica. Todos me acolheram muito bem e fui muito feliz com aquela gente. Concluí rapidamente que eles estavam nos ralis para vencer. Foram, sem dúvida, os melhores anos da minha carreira.

Que emoções lhe despertou o primeiro contacto com o Peugeot 205 T16?

Foi na Suécia, num troço coberto de neve, a poucos dias do Natal de 84. Quando o conduzi pela primeira vez, percebi imediatamente que era um carro ganhador e que me iria permitir lutar pelas vitórias. Quando me sentei no carro e acelerei, senti a potência do carro aliada à tração e a sensação foi extraordinária. Conseguia andar e curvar extraordinariamente depressa, mesmo em pisos cobertos de neve.

O que mudou no seu estilo de condução quando passou a conduzir um carro de quatro rodas motrizes?

Honestamente, não mudou muito. Até aí, havia preferido conduzir carros de tração traseira, pois sempre gostei de sentir a aderência no eixo de trás. O Peugeot, apesar de ter tração total, tinha motor traseiro e as sensações eram semelhantes. Uma vez, conduzi o Audi Quattro e não gostei particularmente porque percebi que o seu comportamento era semelhante ao dos carros de tração dianteira. No caso do 205, foi fácil. A única coisa que não me agradava era o facto de não ter direção assistida pois exigia um enorme esforço para o conduzir em troços sinuosos.

Foi difícil convencer a equipa a instalar a direção assistida no Peugeot?

Não foi fácil. Em troços longos, como era o caso de Arganil, eu era habitualmente rápido nos quilómetros iniciais mas depois, à medida que o cansaço aumentava, começava a perder tempo. Apesar da minha insistência, a equipa não a queria instalar. O André de Cortanze, engenheiro chefe da equipa, tentava convencer-me a ir para o ginásio para fortalecer os braços e dizia que a equipa me pagava para isso (risos).

Eu argumentava que, se instalassem a direção assistida, isso produziria resultados mais rapidamente. A partir da Volta à Córsega de 1985, quando estreámos a Evolução 2, o carro passou, finalmente, a ter direção assistida.

Estávamos em 1985 e a realidade era bem diferente da que se vive hoje neste desporto. Como se preparava fisicamente para a competição?

No meu caso, fazia apenas caminhada e alguma corrida, nada mais…

O cigarro no canto da boca fazia parte da sua imagem nesta altura. O Timo era, digamos, um fumador pouco moderado. Sentia que isso afetava o seu rendimento?

Na altura, apesar de fumar, coisa que seria impensável nos dias de hoje, sentia-me bem e saudável. Talvez uma horas de ginásio pudessem ajudar-me a fortalecer a massa muscular, sobretudo nos braços mas, a verdade é que nunca senti que o tabaco afetasse o meu rendimento.

Como explica o sucesso tão imediato do Peugeot 205 T16 no Mundial de Ralis?

Na altura em que o Peugeot surgiu no Mundial, apenas o Audi Quattro oferecia verdadeira luta pois eram os únicos carros a ter tração integral. No entanto, o Peugeot tinha uma distribuição de pesos mais vantajosa, qualquer coisa como 45 à frente e 55 atrás e isso conferia-lhe uma grande facilidade de condução e uma potência que estava imediatamente disponível à saída das curvas.

No início da temporada de 85, qual era a sua expectativa e os seus objetivos?

Na verdade, não tinha objetivos a não ser amealhar experiência e ajudar a equipa a conquistar o campeonato do mundo. A imprensa francesa fazia pressão, questionando a razão da contratação de um piloto finlandês e fumador, quando a França tinha pilotos com tanta qualidade para assumir esse lugar. Mas o Jean Todt sempre me apoiou e procurava aliviar essa pressão. Na véspera do Monte Carlo, disse-me: “Timo, não importa o lugar que vais ocupar no rali. Quero que tragas o carro até ao fim”. Mesmo assim, consegui ser mais rápido do que o Bruno Saby, um piloto francês com mais experiência em ralis de asfalto do que eu.

Havia, na equipa, um piloto número um ou Salonen e Vatanen estavam em igualdade de circunstâncias?

Diria que apenas na cabeça do Ari Vatanen havia essa hierarquia. Numa entrevista a um jornal finlandês, o Ari disse que 1985 seria um ano para se sagrar campeão do mundo e que contaria com a minha ajuda para chegar ao título. Na verdade, não notei qualquer hierarquia e nunca me senti um número dois.

Como era a sua relação com o Jean Todt?

Sempre tive uma relação de amizade com o Jean. Para nós, os pilotos, era fantástico ter um líder como ele porque o Todt havia competido e conhecia o lado dos pilotos. Ainda hoje nos telefonamos com regularidade e, quando ele vem à Finlândia, encontramo-nos.

Depois de dois terceiros lugares no Monte Carlo e na Suécia, a primeira vitória surge no Rali de Portugal. Fale-nos das suas memórias do Vinho do Porto de 85?

Lembro-me muito bem do Rali de Portugal. Apesar de ainda não ter direção assistida, a equipa instalara uma direção com uma cremalheira maior e isso tornava-a mais leve e permitia-me curvar mais facilmente. O Ari teve problemas e partiu a suspensão de uma das rodas e eu fiquei sozinho a defender as cores da Peugeot. Foi um rali em que o azar bateu à porta de outros pilotos, nomeadamente do Walter Röhrl e, no meu caso, isso não aconteceu, pelo que consegui levar o carro inteiro até ao final e ganhei. Era sempre um rali marcado pela presença de muitos espectadores, como em Sintra ou Fafe mas também havia outros sítios, no norte mais profundo, onde era possível conduzir sem aquela moldura humana à beira da estrada e aí conseguíamos conhecer o verdadeiro prazer de conduzir nas estradas portuguesas.

Quão insano era competir naquela altura em troços repletos de espectadores como os da Serra de Sintra?

Era muito difícil. Na maioria das vezes, só tínhamos metade da estrada disponível. O resto, estava ocupado com espectadores e o sentimento de conduzir um carro de grupo B naquelas condições não é o melhor. A preocupação apoderava-se de nós e, no meu caso, eu não gostava de andar a fundo naquelas condições. O asfalto de Sintra era traiçoeiro, a aderência variava de curva para curva e a probabilidade de sair de estrada era grande, o que se tornaria numa tragédia, tal era a quantidade de pessoas à nossa volta.

A partir da Volta à Córsega, o Peugeot 205 passou a estar equipado com a tão desejada direção assistida. Seguiram-se 3 vitórias consecutivas na Grécia, Nova Zelândia e Argentina. Os resultados deram-lhe razão?

Mais do que isso: depois da Nova Zelândia, onde nenhum piloto teve problemas e eu ganhei porque fui o melhor, senti que era o piloto mais rápido do campeonato e esse sentimento deu-me uma enorme confiança.

O grave acidente sofrido por Vatanen na Argentina afetou-o emocionalmente?

Não. Quando colocava o capacete, e acredito que aconteça o mesmo com os outros pilotos, não pensava em mais nada a não ser no troço que estava à minha frente e nada do que se passava para além disso me afetava.

A partir do Rali da Argentina passou a ser o único piloto da equipa a lutar pelo título. Esse facto trouxe alguma pressão adicional?

Por ser honesto, não pensava muito nisso e, da parte da equipa, também não senti qualquer pressão até porque ia somando vitórias e as coisas iam correndo naturalmente bem.

Quando começou a acreditar que era possível ser campeão do mundo?

Quando subi a rampa do pódio no Rali dos 1000 Lagos (risos).

Conquistar o título mundial com uma vitória no Rali dos 1000 Lagos é aquilo a que se pode chamar uma combinação perfeita?

Para ser campeão do mundo, precisava de terminar o rali na quarta posição ou algo parecido. Antes da partida, o Jean Todt disse-me: “Timo, não tens de andar fundo. Para lutar pela vitória, temos o Kalle Grundel”.

Mas, logo no primeiro troço, o Kalle saiu de estrada e o Todt veio ter comigo: “OK, Timo, se quiseres, podes andar depressa.” “Claro que quero!”, respondi-lhe. E assim cumpri não um mas dois sonhos: vencer o Rali dos 1000 Lagos e tornar-me campeão do mundo de ralis.

Que significado tem para alguém que, dez anos antes, disputava ralis com o seu carro do dia-a-dia assistido pelos seus amigos, sagrar-se campeão do mundo?

Ser campeão tem um enorme significado para quem vive a competição por dentro. A mistura de emoções é tão forte que só nos apercebemos disso dias depois. No momento em que cruzamos a meta, as emoções, os festejos, os amigos, a família, as entrevistas, tudo isso nos coloca perante uma enorme mistura de sentimentos. Só passados alguns dias, quando a agitação passa e temos os primeiros momentos de tranquilidade é que interiorizamos verdadeiramente o feito que acabámos de conseguir.

Que segredos encerrava a condução do Peugeot 205 T16?

Não creio que tivesse propriamente segredos. A sua grande vantagem era a facilidade de condução, a manobrabilidade, o que nos permitia colocar toda a potência no chão quando era preciso ir buscar mais um segundo por quilómetro, sem correr grandes riscos porque o Peugeot tinha um comportamento muito honesto e, mesmo quando o atravessávamos em demasia, ele descrevia a curva sem entrar em peão. Era um carro fantástico.

Como compara as evoluções 1 e 2 do carro francês?

Na prática, não eram muito diferentes. O Evo 2 era mais leve, mais potente e chegou a ter uma caixa de 6 velocidades mas, do ponto de vista da condução, não fazia muita diferença. Quando se estreou, o Evo2era demasiado largo e isso não me agradava. Depois, foi alterado do ponto de vista aerodinâmico, ficou um pouco mais estreito e aí sim, ficou um carro verdadeiramente bom.

Ainda hoje deve ser difícil aceitar a derrota imposta por Henri Toivonen no Monte Carlo de 86. O que se passou na prova monegasca?

Foi tudo decidido numa escolha de pneus durante a última noite. Numa das assistências, os técnicos da Michelin informam-nos que o troço seguinte estava completamente seco e que deveria levar pneus slick. As decisões eram tomadas com base na informação dos batedores que passavam nos troços três horas antes. Eu parti com os slicks e, quando cheguei lá acima, o troço estava coberto de neve. Não conseguia andar a mais de 30-40 km/h e, a certa altura, o Toivonen passa por mim como uma flecha. Percebi que o rali estava perdido…

34 anos depois, pensa que os pilotos tomaram a opção correta ao decidirem abandonar o Rali de Portugal de 86 após o acidente de Joaquim Santos?

Penso que sim. Foi a única maneira de alertarmos para o problema e de garantir que houvesse consciência do perigo que constituía correr naquelas situações. Todos os anos alertávamos. Nesse ano de 86, eu próprio bati num operador de câmara inglês que voou com a sua máquina e eu perdi o capô do carro. A estrada estava ocupada pelas pessoas e simplesmente não havia espaço para conduzirmos os carros. Qualquer derrapagem, por mais pequena que fosse, significava tocar em alguém.

Era amigo próximo de Henri Toivonen, por isso pergunto-lhe, como geriu emocionalmente a morte de Henri e do seu navegador Sergio Cresto na sequência do acidente na Córsega?

Foi um momento muito difícil. Naquele ano, eu estava particularmente rápido na Córsega e estava a discutir os primeiros lugares com o Henri mas acabei por sair de estrada numa curva com gravilha e abandonei. No dia seguinte, estava no aeroporto de Nice a preparar-me para apanhar o avião de volta para casa quando recebi a notícia. Fiquei completamente desolado. Éramos bons amigos e havíamos passado bons momentos juntos. Ele começou a competir no Karting e nos Formula e, certo dia, o pai dele, o Pauli, pediu-me que lhe ensinasse a conduzir em terra para ele poder competir em ralis. Fomos passar uns dias no sul da Finlândia e transmiti-lhe como se conduzia um carro em troços de terra. O Henri era um bom coração, preocupava-se com os outros, como estavam, como se sentiam. Custou-me muito perdê-lo…

Em 1986, estava em excelentes condições para revalidar o título mundial. Tinha um carro competitivo e que conhecia bem mas, no entanto, não o conseguiu fazer e acabou por seu o seu companheiro de equipa, o jovem Juha Kankkunen a consegui-lo. O que faltou para repetir a proeza?

Tive muitos azares. Depois do Monte Carlo, voltei a liderar na Suécia quando o carro se incendiou após uma fuga de óleo. Foi frustrante desistir naquele que era o meu rali de eleição, pois sempre gostei de ralis com neve. No Rali da Acrópole, partiu-se um braço da suspensão dianteira que, por lapso, não havia sido soldado na parte inferior. Depois, na Nova Zelândia, havia um troço cujo início e o final usavam precisamente o mesmo acesso. Eu completei o troço e, quando vou pelo acesso, um concorrente japonês veio completamente desgovernado contra mim. Ainda ganhei o Rali dos 1000 Lagos e o RAC mas a falta de sorte nos outros ralis impediu-me de lutar pela revalidação do título.

Qual a sua opinião sobre a decisão de banirem os carros de Grupo B no final de 86?

Não concordei com a decisão. Os carros eram fantásticos e, se eram demasiado perigosos, então porque não retirar-lhes as peças em plástico e substituí-las por peças metálicas. Os carros ficariam mais pesados, a velocidade baixava e, em caso de acidente, estaríamos mais protegidos.

Os carros do Grupo B contribuíram em muito para o espetáculo e para a popularidade dos ralis. Não eram tão rápidos em curva como os de hoje, devido à evolução dos pneus e das suspensões, mas derrapavam mais e isso atraía as pessoas.

Quando olha para trás e recorda aqueles anos, que sentimento lhe desperta a era do Grupo B?

Foi um período fantástico. Os melhores anos da minha carreira! A sensação de conduzir aqueles carros é a recordação mais forte que guardo. Um dia, depois do Rali dos 1000 Lagos de 86, uma revista finlandesa quis fazer um teste no qual eu conduziria o Peugeot no aeroporto militar de Jyväskylä. Colocaram umas asas extra na traseira do carro com o objetivo de verem quanto tempo levava a chegar dos 0 aos 100 e aos 200 quilómetros por hora. A certa altura, pedem-me para levar ao meu lado o responsável pelo aeroporto. Eu arranco e, quando chego perto dos 200 km/h faço um pião a 360º. Só me lembro de ver a cara do senhor a pedir-me para voltar para a base (risos). Esta história mostra o quão fácil era manobrar o Peugeot.

Os pilotos conseguiam dominar completamente aqueles carros com 500 cavalos, com um enorme poder de aceleração e sem a evolução tecnológica que conhecemos hoje?

Nós tínhamos que colocar a potência no chão para não nos despistarmos. Em aceleração, era muito mais fácil dominar o carro pelo que esse enorme poder de aceleração ajudava-nos a manter o carro na estrada e a descrever as trajetórias que desejávamos.

O contraste face aos carros que iriam competir a partir de 1987 era evidente. Sentiu algum entusiasmo quando testou, pela primeira vez o Mazda de grupo A?

Não propriamente. Lembro-me que o primeiro teste ocorreu na Suíça, onde iríamos passar umas semanas nas montanhas a desenvolver o 323 4WD. Mas, quando lá chegámos, não estava a nevar e, quando dei a primeiras voltas com o carro, virei-me para o Seppo Harjanne, o meu navegador e disse-lhe: “recuso-me a usar capacete neste carro!” (risos). Os novos carros tinham agora apenas 200 cavalos e eram mais pesados. A diferença de potência e de velocidade era tão evidente que era difícil sentir entusiasmo.

O que faltava à Mazda para conseguir fazer frente à Lancia?

A Mazda era uma equipa mais pequena e, apesar de ter havido investimento, o dinheiro estava a ser colocado no bolso errado e isso comprometeu o desenvolvimento do carro. O 323 tinha potencial, era fácil de conduzir mas faltava-lhe motor e, quando a dureza dos troços amentava, partia-se sempre qualquer coisa.

Depois de alguns anos a competir com os carros de Grupo A, primeiro com a Mazda e depois com a Mitsubishi, decidiu muda-se para o Todo o Terreno, ao serviço da Citroën. Como descreve a experiência no Todo terreno?

Foi interessante. Competir no deserto do Sahara foi uma experiência única, embora não tão desgastante como correr na Acrópole com um Grupo B. A parte menos boa é que, no deserto, nós dormíamos em tendas e eu, para ser sincero, prefiro a cama de um hotel (risos).

As sensações de um Citroën ZX Rally Raid eram semelhantes às de um carro de Grupo B?

A sensação da condução era semelhante mas o Citroën que conduzi nunca ultrapassou os 430, 450 cavalos e o curso das suspensões era bastante superior. O ZX era mais pesado, levava mais rodas sobressalentes e mais combustível, o que fazia alguma diferença sob o ponto de vista da condução mas as sensações não eram muito diferentes.

Como passa os seus dias atualmente entre a Espanha e a Finlândia?

Tenho um negócio de importação de carros. Compro carros na Suécia e na Alemanha para os vender na Finlândia e isso mantém-me bastante ocupado. Divido o ano entre a Finlândia e a cidade espanhola de Málaga onde passo uma parte do ano.

Como vê a evolução que os ralis sofreram nas últimas décadas?

Não sigo muito os ralis hoje em dia e penso que não serei o único pois este deporto perdeu alguma da sua popularidade. Naqueles anos do Grupo B, dizia-se que 500 mil pessoas estavam nos troços a assistir. Os troços disputados à noite, o barulho, as derrapagens, tudo isso atraía as pessoas. Hoje, os carros parecem andar sobre carris. Todos os anos, durante o Rali da Finlândia, a organização convida-me para assistir mas acabo por recusar na maioria das vezes já que o trânsito é tão intenso que demoraria uma eternidade a chegar a Jyväskylä.

Quando os organizadores me convidam, eu respondo, a brincar “só se vierem buscar-me de helicóptero!”

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