MEMÓRIA: Chaparral Cars (1962/1970) Construtor de sonhos estranhos


A Chaparral Cars foi uma mais que uma equipa de corridas – foi um construtor de sonhos, qual deles o mais ousado e estranho. Entre 1963 e 1970, lançou alguns dos mais emblemáticos modelos que correram nas pistas norte-americanas, culminando com o icónico Chaparral 2J, o primeiro carro de sport a ter efeito de solo, juntando um primitivo túnel de Venturi a duas enormes ventoinhas, situadas na sua traseira, que funcionavam como um aspirador e mantinham o carro ‘agarrado’ à estrada.

Chaparral, em espanhol, é um pequeno bosque de arbustos, curiosamente também existente na Califórnia. Em Portugal, é um conjunto de chaparros, árvore característica do Alentejo. Chaparral é, também, uma região do Novo México. Mas, aqui, funciona como a junção livre das palavras Sharp e Hall, dando como resultado o fonema Chaparral. A Chaparral Cars foi fundada, em 1962, pelos pilotos Hap Sharp e Jim Hall. Este, além disso, era um rico magnata texano, com poços de petróleo e conhecimentos de engenharia automóvel surpreendentes. A Chaparral, que durou até 1982, desfazendo-se após vencer as Indy 500, ficou famosa pelos carros excêntricos que construiu, muitas vezes utilizando soluções aerodinâmicas arrojadas – foram os primeiros a aparecer com spoilers nas carroçarias, como pela enorme rapidez evidenciada… a par de uma por vezes perigosa fragilidade estrutural. O ponto alto aconteceu com o Chaparral

2E, que correu com sucesso na Can-Am em 1966, mas o mais conhecido – e polémico – de todos foi o 2J.

Do 1 ao 2K O modelo 1 não foi um verdadeiro Chaparral. Na verdade, foi o carro que Jim Hall pilotou entre 1957 e 1962 e a única coisa de facto Chaparral era o pequeno motor, colocado na frente. Foi feito na Califórnia por Dick Troutman e Tom Barnes, os mesmos que fizeram o Scarab. A partir de 1963, Jim Hall lançou os primeiros modelos de fabrico próprio, a que chamou simplesmente 2. Pensado para competir nas corridas do United States Road Racing Championship (USRRC) e noutras competições para carros de sport, em especial na Costa Oeste, com mais de 300 quilómetros de duração. Hall utilizou maioritariamente materiais novos e muito leves, mas estranhamente resistentes, como fibras de vidro na carroçaria e no chassis, embora algumas versões tenham sido feitas em liga de alumínio, como o 2C. O Chaparral 2 teve várias derivações, ao longo de menos de uma década, não sendo fácil separá-las, tal a profusão de soluções que o inventivo Hall imaginava em continuidade, para cada modelo.

Assim, o Chaparral 2A foi o primeiro de todos – e, só por isso, torna-se mais fácil de dizer qual foi. Nele, Hall mostrou os primeiros apêndices aerodinâmicos, mas depressa se mostraram demasiado frágeis nas altas velocidades que o 2A conseguia atingir, provocando demasiadas vibrações na direção e, em consequência, minando a confiança dos pilotos. Apesar de tudo, tinha uma forma bastante convencional. O Chaparral 2B não foi mais que uma derivação do primeiro, maior e mais pesado. Correu até finais de 1965. Veio a seguir o Chaparral 2C, que tinha uma inovadora asa traseira, ajustável. Ficava plana nas retas, para aumentar a velocidade mas, nas curvas, levantava-se, como se fosse um travão, tal como se fazia na indústria aeronáutica.

Era o piloto quem fazia isso, utilizando o pé esquerdo, livre porque o 2C tinha uma transmissão semiautomática. O 2C era mais pequeno que o 2B e foi baseado num chassis Chevrolet, que não era feito em fibra de vidro, mas sim em alumínio. Foi com o 2C que surgiram os primeiros pneus feitos para a competição, desenvolvidos pela Firestone. O Chaparral 2D foi o primeiro chassis com cockpit fechado, desenhado para corridas de resistência. Ganhou os 1000 km de Nürburgring em 1966, com Phil Hill e Jo Bonnier, e desistiu nas 24 Horas de Le Mans, ao fim de 111 voltas. O 2D tinha um motor Chevrolet de 5,3 litros em liga de alumínio, com 420 cv, para um peso de 924 kg. A seguir ao 2D veio o Chaparral 2E que, apesar de estar baseado no chassis Chevrolet em alumínio do 2C, foi aquele em que Jim Hall concretizou as teorias aerodinâmicas mais arrojadas. Tinha os radiadores colocados um de cada lado do cockpit, em vez de estarem na frente. Tinha ainda uma enorme asa montada numa fina estrutura, vários centímetros acima da traseira do carro. Essa asa tinha a forma de uma asa de avião, mas invertida, proporcionando um efeito para baixo (downforce, ou carga aerodinâmica), que fixava o carro contra o chão, impedindo-o de

levantar voo a alta velocidade, mas permitindo-lhe muito maior tração e apoio enquanto curvava. Na frente, um ‘nariz’ em forma de túnel canalizava o ar para cima, fornecendo downforce extra. Esta era manipulada pelo piloto, através de um pedal situado onde, nos outros caros, estava a embraiagem. Mais tarde, as asas foram banidas, a exemplo do que, nessa altura, sucedeu com os carros de F1, por serem demasiado frágeis e perigosas.

Apesar de todas estas inovações, o 2E apenas ganhou uma corrida, com Phil Hill, em Laguna Seca, em 1966. Era o carro favorito de Jim Hall, que o manteve com o motor Chevrolet de 5,3 litros, bastante menos do que os rivais, que tinham motores em liga de ferro fundido, até 7 litros de cilindrada.

O Chaparral 2F não foi mais que o velho chassis do 2D, equipado com os apêndices aerodinâmicos do 2E. Correu na temporada de 1967. A asa traseira estava

contudo montada sobre a suspensão e era móvel. Os radiadores ficaram mais perto do piloto. O motor Chevy de 5,3 litros foi substituído por um motor em alumínio de 7 litros. Revelou-se demasiado frágil, pois a potência era muita para a transmissão automática. O 2F conseguiu vencer, a 30 de Julho de 1967, a BOAC 500, em Brands Hatch, com Hill e Mike Spence, na que foi a sua única vitória, depois de terem sido resolvidos os problemas com a caixa de velocidades.

A seguir a este triunfo, a FIA mudou as regras, afastando o 2F e Ford GT40 Mk IV, que tinha ganho em Le Mans e os Ferrari 330 P3/4 e 365 P4, este vencedor em Daytona e segundo em Le Mans.

Ainda em 1967, surgiu o 2G, que mais não era que uma evolução do 2E, equipado com pneus maiores e um motor Chevrolet 427 em alumínio. Em 1968, foi com ele que Jim Hall fez a Can-Am e teve um grave acidente no Stardust Grand Prix, nos arredores de Las Vegas, quando embateu violentamente na traseira do McLaren de Lothar Motschenbacher, que estava a rolar muito devagar, obrigando-o a encerrar a sua carreira de piloto.

Finalmente, em 1969 foi construído o Chaparral 2H, em que Jim Hall procurou diminuir o arrasto e aumentar a capacidade de tração, sem prejudicar a downforce Não o conseguiu pois, apesar de mais rápido em velocidade pura, era mas lento em curva. A Chaparral encerrou a ‘produção’ com o 2J, o ‘carro-aspirador’ e o 2K, um monolugar para a IndyCar

Chaparral 2J (1970) O carro-aspirador

O Chaparral 2J foi o carro mais icónico e mais arrojado criado por Jim Hall. Excêntrico nas formas em cunha, com a sua enorme asa, foram as ainda maiores ventoinhas traseiras que o lançaram para a lenda.

Chaparral 2J foi o primeiro de um (pequeno) punhado de carros de corrida equipados com ventoinhas, para promover uma maior aerodinâmica. O mais conhecido dos outros foi o Brabham BT46B/Alfa Romeo, com que Niki Lauda venceu GP da Suécia de 1978. Voltando ao Chaparral 2J, que apareceu em 1970, tinha um poderoso motor Chevrolet V8, de 8,1 litros, associado a uma caixa automática de três velocidades. Na realidade, esta, tal com o resto do carro, era única, pois não passava de uma caixa de velocidades manual, com um conversor de binário no lugar da embraiagem. Cada velocidade era selecionada da mesma maneira que numa caixa tradicional mas, ao eliminar a embraiagem, o condutor podia concentrar-se a 100 por cento na pilotagem… e usar o pé esquerdo nas travagens. Tinha apenas três relações, mas eram equivalentes a um 3º, 4º e 5º, numa caixa convencional de cinco velocidades!

Basicamente, o Chaparral 2J era um aspirador gigante sobre rodas. Um túnel, feito de ‘saias’ móveis sob o carro, permitia criar um vácuo constante, através de duas ventoinhas, situadas a traseira e que aspiravam o ar e o mandavam para dentro desse túnel, criando um feto de solo único e agarrando o carro ao asfalto. Na verdade, todo o sistema funcionava como um hovercraft, mas invertido! A área entre as ‘saias’ começava logo a seguir às rodas da frente e envolvia totalmente as traseiras, formando cerca de dois terços de toda a área do fundo do carro. Cada saia consistia em secções independentes feitas de um material sintético de O longa duração, chamado Lexan, parecido com o plexiglass. E cada uma dessas secções estava articulada de forma também independente no chassis tipo monocoque, em alumínio e ficava mais longe ou mais perto do solo através de molas, o que era suficiente para ‘selar’ o chassis à superfície da estrada, mesmo em pistas com muitas ondulações.

As duas ventoinhas eram ativadas por um único motor de dois cilindros JLO Rockwell de 274 cm3 e 45 cv, bastante usado então em motos de neve, que trabalhavam sempre à mesma velocidade, o que queria dizer que a força descendente criada pelo vácuo era praticamente constante, mesmo em diferentes velocidades. O Chaparral 2J competiu na Can-Am, apenas na temporada de 1970, qualificando-se dois segundos mais rápido que o seu adversário imediato.

Porém, não teve sucesso: primeiro, porque era mecanicamente muito frágil; depois, porque foi rapidamente banido pelo SCCA (Sports Car Club of America), a ‘pedido’ das outras marcas, como a McLaren, que argumentaram que as ventoinhas não passavam de artefactos aerodinâmicos móveis, indo contra os regulamentos das FIA, uma regra que tinha sido já aplicada ao Chaparral 2E, por causa das suas asas móveis

A Chaparral na IndyCar

A Chaparral não se limitou a construir chassis mais ou menos estranhos, ou carros mais ou menos ‘monstruosos’. Deu, também, o nome a uma equipa na IndyCar, que aliás foi bastante bem sucedida. A estreia da Chaparral na principal competição de monolugares norte-americana, genericamente conhecida então por Fórmula Indy (mais tarde, CART, ChampCar e hoje IndyCar), muito graças à fama da Indy 500, ou 500 Milhas de Indianápolis, foi em 1978, com Al Unser a pilotar um Lola T500/Cosworth DFX com as cores dos First National City Traveler’s Checks. Unser conseguiu vencer logo a Indy 500 e, mais tarde, também a California 500 e a Schafers 500, esta em Pocono, mas falhou a conquista do título para Tom Sneva, apesar deste ter ganho menos uma prova.

No ano seguinte, nasceu a CART e a Chaparral decidiu continuar a apoiar Al Unser nesta competição, ao volante do mesmo carro, mas com as cores da Pennzoil. Mas, na Indy 500, Jim Hall decidiu lançar o Chaparral 2K/Cosworth DFX, com o qual Unser liderou 89 das 200 voltas da corrida, até um problema com o motor o atrasar, na volta 105, obrigando-o depois ao abandono. Unser venceu nesse ano a Miller High Life 200, em Phoenix, mas deixou a Chaparral em desacordo com Hall. Johnny Rutherford foi o piloto que lhe sucedeu, em 1980, ao volante do 2K, que não recebeu qualquer evolução.

Rutherford estreou-se a ganhar, no Ontario, vencendo de seguida a Indy 500, Mid-Ohio, Michigan e no Wisconsin, além de terminar por mais três vezes

no pódio, sempre em segundo lugar. O resultado foi mais um título para a Chaparral Cars Inc., o primeiro e único de Rutherford, que já tinha 42 anos. Em 1981, a equipa liderada por Jim Hall não sofreu alterações, com exceção do número na carenagem do Chaparral 2K, que passou a ser o 1. A época até começou bem, com um triunfo em Phoenix mas, a partir daí, os resultados foram muito inconstantes e Rutherford foi apenas quinto no campeonato. Na Indy 500, Rutherford ainda passou brevemente pelo comando, antes de desistir cedo, com problemas na bomba de combustível. Para a temporada seguinte, o Chaparral 2K estava já desatualizado e, após quatro corridas e um quarto lugar em Phoenix, a equipa trocou-o por um March 82C, com que Johnny Rutherford foi terceiro em Riverside. Na Indy 500, o piloto acabou em oitavo, ainda com o velho 2K. Nesse ano, a Chaparral deixou a competição, mas Jim Hall voltou em 1991, com John Andretti e uma nova equipa, a Hall-VDS Racing, que ganhou logo na estreia, em Surfers Paradise. A equipa de Hall manteve-se ativa até 1997, quando o ex-piloto decidiu encerrá-la, retirando-se com 13 vitórias em corridas e dois títulos de campeão.

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