Kimi Raikkonen: “Tanta felicidade que até dói!”


Passados 21 anos, a Fórmula 1 prepara-se para ‘perder’ Kimi Raikkonen. Todos se lembram de como chegou ao seu único título na F1, por isso que vamos recordar é a entrevista que lhe fizemos na semana a seguir, onde lhe tirámos a frase “Tanta felicidade que até dói!” Nem parece de Kimi Raikkonen, pois não? Explica ainda porque só fala “quando é preciso”, e vai ficar ainda a saber que o Autosport tem provavelmente o recorde em entrevistas ao finlandês: 12 minutos e 24 segundos para 100 perguntas. Absolutamente a não perder…

Quando Kimi Raikkonen saiu do circuito de Interlagos, no domingo ao final da tarde, a FIA ainda não estava a investigar os BMW e os Williams, devido a problemas com a temperatura da gasolina utilizada. Por isso só quando chegou ao hotel é que o finlandês soube que, afinal, podia ainda não ser Campeão do Mundo. Mas Raikkonen saiu para jantar com os Roberston, o seu amigo Villander e mais alguns finlandeses, para no final da refeição

receber, por telefone, a confirmação do seu título.

A discoteca onde iria festejar já estava reservada, e num grupo fechado, Kimi Raikkonen e amigos celebraram até às seis da manhã de terça-feira o título do nórdico, antes deste regressar ao seu hotel para marcar quarto para mais uma noite, pois não se sentia em condições de voar dali a poucas horas. O voo de regresso a casa foi tranquilo, seguido duma viagem até Maranello, onde participou com todos os elementos da Scuderia e com Montezemolo na primeira festa oficial. E foi aí que explicou que, “a realização de que sou Campeão do Mundo não é uma coisa imediata. Nem festejei muito quando cortei a meta, nem sequer me senti muito feliz enquanto estive no circuito. Tudo parecia irreal, mas pouco a pouco vais percebendo o que aconteceu e agora a felicidade é tanta que até dói!”

TÍtulo foi inesperado

O finlandês não teve problemas em admitir que o título acabou por chegar no ano em que menos esperava, devido aos problemas que foi tendo: “Mesmo quando abandonei em Espanha e marquei apenas um ponto no Mónaco, ainda continuei a acreditar. Depois das duas corridas na América do Norte, em que a McLaren dominou, comecei a duvidar um pouco. E quando abandonei no Nurburgring, numa corrida que poderia ter ganho, comecei a duvidar seriamente das minhas possibilidades de chegar ao título. Mas não sou de desistir e estava determinado a lutar até à última corrida. Na Ferrari encontrei a mesma determinação e foi impressionante ver

a forma como todos lutámos pelo mesmo objectivo até ao final. A equipa foi maravilhosa mesmo nos momentos mais difíceis, vi aqui uma união impressionante e confirmei tudo o que pensava da Ferrari antes de cá chegar:

é a melhor equipa do Mundo e estou muito feliz por ser seu piloto.”

Para as dificuldades em chegar ao título, Raikkonen encontrou diversas razões: “Em primeiro lugar não foi fácil para mim adaptar-me aos pneus da Michelin. Penso que o Fernando Alonso e o Robert Kubica, que têm estilos de pilotagem semelhantes ao meu, passaram pelo mesmo problema, e só no Mónaco comecei a tirar o máximo partido das suas características. Errei na qualificação, o que me custou muitos pontos, mas saí do Mónaco seguro que estava no caminho certo. Depois, e de forma inesperada, tivemos alguns problemas de fiabilidade, que me custaram duas vitórias, em Espanha e no Nurburgring, bem como alguns problemas em qualificação, enquanto os nossos adversários só conheceram o abandono por acidente. O Felipe também abandonou algumas vezes, pelo que tivemos de recuperar com vitórias os pontos que entretanto tínhamos perdido.”

Tudo isto teve, contudo, um condão, para Raikkonen: “Quando as conquistas são mais difíceis também são mais saborosas. Ganhar o Mundial seria sempre uma enorme felicidade, mas ganhá-lo desta maneira, quando

estava a 17 pontos do primeiro quando só faltavam duas corridas para o campeonato acabar, é ainda mais espectacular. Mas não me importava nada de ganhar para o ano de uma forma bem mais tranquila…”

Não vou mudar!”

Tal como em Interlagos, o finlandês foi confrontado com o facto de passar a ter ainda mais exposição mediática do que até aqui, mas reagiu da mesma maneira: “Penso que na Finlândia já era muito conhecida e ninguém

ficou a saber quem eu era só nos últimos dias. Fora do meu país acredito que exista muita gente que só nos últimos dias ficou a saber quem eu sou, mas as pessoas normais nunca me incomodaram, nunca me pararam

muito na rua… até porque andou pouco a pé! O que vai acontecer, provavelmente, é que vou ter mais fotógrafos a seguirem-me quando sair de casa, mas isso não me incomoda, pois faço o que tenho para fazer e se

me estão a fotografar, isso é problema deles. Não vou mudar a minha forma de viver, não vou mudar a minha atitude em relação à minha família e aos meus amigos, e também não é agora que vou começar a ler jornais ou

a seguir as notícias pela internet. Há muitos anos que já se escrevem disparates sobre a minha vida privada e o pior que pode acontecer é passarem a escrever ainda mais disparates. Mas isso não me incomoda nada, porque

o que me interessa é o que a minha família, os meus amigos e a minha equipa pensam de mim, não o que qualquer jornalista sentado numa secretária em qualquer parte do Mundo pode inventar sobre a minha vida privada.”

A REGRA DE OURO DE KIMI RAIKKONEN: Falar só quando é preciso

Uma das mais empolgantes e polémicas épocas de F1 de sempre, que ajuda a aumentar o interesse pela competição. Penso que Raikkonen acaba por ser um justo campeão , e que ao contrário do que muitos dizem, mostrou forte personalidade e um carisma muito próprio e que lhe vai granjear uma maior legião de adeptos.

BASTA alguém dizer que vai entrevistar Kimi Raikkonen e aparecem logo 50 engraçadinhos a dizer, em voz baixa e rouca, “yes”, “no” e “I don’t know”… as três expressões que o finlandês mais utiliza quando se coloca um microfone à sua frente. Nas conferências de imprensa o novo Campeão do Mundo chega a ser desesperante, sobretudo quando as coisas não lhe correram bem, mas mesmo quando ganha é quase um milagre ver-lhe um sorriso aberto no rosto,

ele que é o mais fechado de todos os finlandeses que já chegaram à F1.

Há anos coube-me fazer um questionário com cem perguntas a todos os estreantes na Fórmula 1 e em 2001 Kimi Raikkonen caiu-me em rifa. Até aí ninguém demorara menos do que 24 minutos a responder a todas as perguntas, mas o finlandês despachou-me em 12 minutos e 24 segundos, “marca” que até hoje está por bater. Curiosamente,

só numa pergunta em que se pretendia saber o que o irritava é que Raikkonen foi mais expansivo: “Não suporto que falem alto comigo sem razão e que me dêem ordens estúpidas, como acontece na tropa.

Tive de passar vários meses na tropa e esses foram os piores da minha vida!” Claramente tínhamos aqui alguém com pouco respeito pela autoridade excessiva!

MAU TRABALHO DOS SITES

Mas também existem outros exemplos de que Raikkonen não é só monossílabos. Antes do início de 2005 tive a sorte de ser o único jornalista a apanhá-lo antes do nórdico terminar o seu último teste pré-temporada, com a McLaren em Valência, e frustrado com a falta de fiabilidade do seu MP4/20, Raikkonen não teve problemas em falar durante 15 minutos, abrindo o jogo quanto aos problemas do seu monolugar. Publicada no Autosport, a entrevista acabou

por lhe dar problemas porque à medida que cada website foi copiando algumas citações, foi também mudando a história e, por isso, quando chegamos a Melbourne já existiam ‘citações’ em que Raikkonen garantia que a McLaren não iria terminar uma única corrida em 2005! Sem pestanejar, Raikkonen manteve o que me tinha dito e nem pediu uma cópia do jornal, “porque me basta a palavra do jornalista para saber que ele só publicou o que eu disse e o

resto tem sido o habitual mau trabalho dos “sites” que só copiam tudo.”

Mas a história que melhor ilustra a personalidade de Raikkonen aconteceu em Monza, há três anos. Uma revista francesa selecionara um jovem de 12 anos para fazer três perguntas a todos os pilotos quando estes entravam no circuito. A maior parte respondeu de forma concisa mas cordata, houve quem nem um “bom dia” dissesse,

mas Raikkonen parou, respondeu longamente às três perguntas e a outras que se seguiram, antes de pedir desculpa por ter de entrar no paddock, pois estavam à sua espera para uma reunião.

Peter Sauber: “O potencial era óbvio”

Um dos méritos indiscutíveis de Peter Sauber foi o de ter arriscado na contratação de jovens talentos, pois os dois atuais titulares da Ferrari começaram a sua carreira na F1 com a equipa do suíço, saltando, de permeio, alguns degraus. Raikkonen chegou à Sauber quando estava a correr na F. Renault inglesa, da forma que o helvético, divertido, recorda: “Era normal receber telefonemas de managers de pilotos de F3000 e de F3 mas não estava habituado a que me ligassem para me proporem um piloto que estava na F. Renault! Um tal Dave Robertson,

que eu não conhecia, ligou-me várias vezes e abriu-me a curiosidade acerca do Kimi. Disse-lhe que achava

que ele tinha conversa de vendedor de tapetes, mas ele não desistiu e acabamos por chamar o Kimi para um teste de

três dias no Mugello.”

O resultado não podia ter sido mais convincente: “Não estava lá no primeiro dia, quando ele fez poucas voltas de cada vez pois o pescoço não aguentava mais, mas fui lá com o Willy Rampf no segundo dia e o que vimos convenceu-nos a contratá-lo de imediato. Viemos a discutir o assunto no carro até Hinwil, durante toda a noite, e quando chegámos à fábrica já tínhamos decidido que ele iria correr para nós em 2001. Como ele fez o nosso melhor tempo até à altura no Mugello, no dia seguinte o assunto ficou completamente encerrado, pois o seu potencial era óbvio!”

Dave Robertson: o homem que investiu na carreira de Kimi Raikkonen

Uma das pessoas mais felizes no domingo ao fim da tarde em Interlagos era Dave Robertson, o homem que investiu na carreira de Kimi Raikkonen, delegando no seu filho Steve – rival de António Simões e Pedro Chaves na F. Ford e F. 3 inglesas – a gestão da carreira do finlandês. Por uma vez o britânico, com a sua fleuma e o champanhe a ajudar,

deu-nos a sua perspectiva acerca da carreira passada, presente e futura do seu protegido.

Robertson começou por recordar que, “o Steve viu este miúdo no karting e disse-me que ele era um campeão em potência. Decidimos investir na sua carreira, pagámos para ele ter melhor material no karting, pagámos para ele passar para uma boa equipa de Fórmula Renault depois de ter começado numa má e, no espaço de um ano, ele já

estava na Fórmula 1 depois de ter deixado o Peter Sauber de boca aberta com o que fez no famoso teste do Mugello.”

Falando do suíço, Robertson recorda que, “ele nem queria atender os telefonemas, mas eu disse-lhe que ele podia escolher entre dar-lhe um teste ou, um ou dois anos mais tarde, pagar cinco ou seis milhões de dólares para o contratar a outra equipa. E ele deu-lhe o teste!” O título conquistado não surpreendeu o pai Robertson, “porque o

Kimi é dos que nunca desistem e também funciona melhor quando só há um resultado que lhe interessa: a vitória. Se achas que este foi o seu melhor ano, estás enganado: o melhor está para vir, pois a perda dos títulos de 2003 e 2005 tinha- o frustrado bastante e este campeonato mundial libertou-o. Em 2008 o Kimi vai ser ainda mais

forte e duvido que alguém o consiga bater daqui para a frente.”

Um amigo a valer

Umas das frases mais ouvidas no paddock, quando se fala de pilotos e jantares, é a de que todos os pilotos têm os braços muito curtos… porque nas mãos nunca chegam aos bolsos! Sendo verdade para boa parte dos pilotos, esta é uma máxima que não se aplica ao novo Campeão do Mundo.

Quando convida os amigos para o seu barco, para umas férias, para um jantar ou para uma das festas que o tornaram no alvo preferido dos “paparazzi”, Kimi Raikkonen faz questão de pagar tudo, pois a maior parte dos seus amigos não tem meios para grandes despesas e o nórdico sabe bem o que é viver sem grandes luxos. Mas a benemerência de Kimi Raikkonen não fica por aqui. Depois de ter dado uma mão a alguns jovens finlandeses

que pretendiam correr em Inglaterra, o ferrarista financiou a formação da equipa de Fórmula Renault e Fórmula 3 Britânicas, a Raikkonen Robertson Racing, na qual há sempre um finlandês a correr quase de graça.

E o seu amigo Toni Vilander, que o acompanha em testes e corridas, sendo o seu porta-voz junto dos jornalistas que Raikkonen aprecia, tem tido a sua carreira paga na íntegra pelo piloto da Ferrari nas últimas épocas, agora que corre nos GT, mas também na temporada que o fez na F3000 europeia. Como se vê, para Raikkonen vale o adágio

“para os amigos, mãos rotas”!

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