GP de Portugal de 1996: Triunfo de Villeneuve na ‘despedida’ da F1 do Estoril

Por a 1 Dezembro 2022 16:55

Com a possibilidade de regressar a F1 a Portugal, hoje recordámos o GP de regresso a Portugal em 1984, e agora recordamos também o de ‘despedida’, em 1996, ganho pelo improvável Jacques Villeneuve , numa corrida que ficou marcada pela ultrapassagem que fez a Michael Schumacher na Parabólica por fora. Com este triunfo, adiou para a derradeira ronda, no Japão, a decisão sobre o título de Campeão do Mundo.

O AutoSport é eloquente na entrada para a crónica da prova, assinada pela experiente ‘pena’ de Luís Vasconcelos: “Grande Jacques Villeneuve! Quando já ninguém dava nada pelas suas hipóteses de lutar pelo título mundial, no seu ano de estreia na F1, o pequeno canadiano impôs-se de forma categórica no Estoril e manteve em aberto a possibilidade de ainda ser Campeão este ano.”

E continuou, resumindo de forma sucinta e eficaz, em escassas e definitivas linhas, tudo o que se passou em 70 voltas de ação: “É certo que, só se ganhar em Suzuka, dentro de três semanas, sem Hill marcar um único ponto, é que Villeneuve ganhará o Mundial, mas o simples facto da possibilidade persistir é mais do que suficiente para a expectativa ser grande… até porque Damon Hill parece insistir em perder campeonatos, pelo menos a julgar pela pálida exibição que fez nas últimas 50 voltas do GP de Portugal, depois de ter estado magnífico nas 20 primeiras.

É: contra factos não há argumentos. “Apenas quarto na primeira curva, vendo Hill ir-se embora a um ritmo alucinante, o canadiano não entrou em pânico e, quando Schumacher lhe deu uma abertura, efetuou a ultrapassagem do ano e começou uma recuperação impressionante, culminando com a vitória que lhe permite, ainda, sonhar com o título.”

Ao mesmo tempo, assistir ao apagar do (curto) rastilho do seu colega de equipa, Damon Hill: “Avariou-se” – sentenciou o AutoSport. O que se passou com ele? “Como se explica que um piloto ganhe quase um segundo por volta aos seus rivais até ao primeiro reabastecimento e, daí para a frente, ande muito mais devagar que o seu companheiro de equipa? “

Simples: “Com carros iguais, sem ter tido problemas técnicos impeditivos de manter um rito elevado foi o próprio Damon Hill que se ‘avariou’, pois baixou subitamente de rendimento, sem que ele próprio encontrasse explicação para isso no final da corrida.”

E pronto: temos dito! Numa prova “com poucos abandonos”, em que Schumacher foi humilhado, apesar de se mostrar satisfeito com o terceiro lugar do pódio, atrás dos dois Williams, a Benetton foi a equipa mais penalizada, voltando a sofrer bastante, “pois o seu chassis não está ao nível dos melhores, acabando por perder dois pontos para a Ferrari, na luta pelo segundo lugar no Mundial de Construtores.” Apesar de “Alesi ter voltado a estar em grande nível nos momentos iniciais da corrida, (..) perdendo nas boxes para Schumacher o último lugar do pódio.”

Villeneuve humilhou Schumacher na Parabólica

Jacques Villeneuve foi o herói do Estoril. Não só porque venceu a prova, adiando a decisão do mundial para a última corrida, no Japão, como teve a ousadia de ultrapassar, por fora e em plena Parabólica, de acesso à reta da meta, Michael Schumacher, infringindo-lhe uma humilhação que, certamente, o alemão nunca mais esqueceu.

Foi na 16ª volta e ainda hoje recordo bem esse momento: um Williams branco e azul a aparecer do lado de lá do Ferrari vermelho, em plena Parabólica, a crescer, a crescer, até o passar antes do final da curva. A sala de Imprensa encheu-se de exclamações de espanto e – depois, de palmas. Foi na 16ª volta e o AutoSport contou assim a façanha do ousado novato: “Aconteceu quando o alemão apanhou [Giovanni] Lavaggi à entrada dos Esses e, na saída da esquerda que antecede a Parabólica, abrandou mais que o normal, para não ter de fazer a longa curva atrás do Minardi, o que o faria perder muito tempo na reta da meta. Apercebendo-se disso, Villeneuve colocou-se à esquerda do Ferrari e entrou na Parabólica a par com o alemão, concretizando a ultrapassagem na entrada da reta da meta. Um portento de oportunidade e determinação!”

Instado a comentar o sucedido, Villeneuve falou assim da manobra: “Foi divertido! Penso que a experiência nas ovais me ajudou, pois é uma curva semelhante às que temos nesses circuitos, se bem que para a direita. Vi que abrandava e não hesitei, meti-me ao seu lado e acabei por lhe ganhar o lugar!”

Por sua vez, “menos impressionado” Schumacher foi algo crítico sobre a manobra do canadiano: “Abrandei para não fazer a Parabólica atrás do Minardi e, quando olhei para os espelhos, o Jacques já não estava lá. Fiquei espantado quando o vi a meu lado, mas depois passamos por um momento de grande perigo, quando a minha roda da frente ficou entre as duas rodas direitas do Williams. Não me podia desviar mais para dentro, porque já estava junto à relva, nem tirar o pé, senão ele passava sobre a minha roda da frente esquerda e tinha um grande acidente!”

E o AutoSport terminou assim, em jeito de chave d’ouro: “Uma ultrapassagem inédita no Estoril – nunca vimos ninguém fazer AQUILO na Parabólica e muito menos a um piloto da envergadura de Schumacher. Bem vindo, Jacques Villeneuve, ao ‘Clube dos Grandes’!”

Damon Hill, o Figurão

O AutoSport tinha, nessa altura, uma forma muito sua de definir os dois principais protagonistas de um GP. Pelo melhor (Figura) e pelo pior (Figurão). No Estoril, e com razão, este acabou por ser Damon Hill, que podia ter saído com o título de Campeão do Mundo no bolso e deixou tudo a perder com uma prova amorfa, apesar de ter sido 2º classificado: “Ao fim de 20 voltas, ninguém apostaria um centavo em como Damon Hill não iria sair do Estoril com uma vitória e o título mundial no bolso… mas isso acabou por acontecer. Como o inglês não mencionou qualquer problema técnico que tivesse diminuído as capacidades do seu FW18, só se pode concluir que foi dentro de Damon Hill que qualquer coisa aconteceu, pois o seu ritmo baixou assustadoramente daí para a frente, perdendo segundos sobre segundos para Villeneuve e acabando por perder uma corrida que estava perfeitamente ao seu alcance. (…) Será que existe um bloqueio psicológico que faça um piloto não querer ser Campeão?”

Pedro Lamy terminou em 16º lugar: A “traição” da chuva

Pedro Lamy queria chuva – muita chuva: “O que eu queria mesmo é que chovesse a cântaros durante todo o fim-de-semana. Podia começar a chover na sexta-feira de manhã e acabar no domingo às quatro da tarde, que eu não me importava nada.”

Mas afinal, não choveu – e Lamy teve que se contentar com as debilidades do seu Minardi, perante os outros carros, na prática quase todos eles bastante mais fortes. E até fiáveis: acabou em 16º e último lugar, penalizado ainda por cima por uma má partida, em que o Minardi ficou parado no seu 19º lugar da grelha: “Devo ter aquecido demasiado a embraiagem na volta de lançamento. Na altura da largada senti que algo se passava e ainda levantei o pé, mas era tarde demais. O motor foi mesmo abaixo.”

Lamy confessou que, então, sentiu “uma tristeza enorme. Pensei que ia desistir.” Mas não: ao ser empurrado para a linha das boxes, o motor do Minardi voltou a funcionar e Lamy regressou à pista “na frente dos primeiros, que tinham acabado de efetuar a segunda passagem pela meta.”

Depois disso, Lamy limitou-se a fazer a sua corrida, com as duas esperadas paragens nas boxes. Chegou a recuperar uma volta ao seu colega de equipa, Giovanni Lavaggi, mas então degastou em demasia os pnus do seu carro, que “ficou um tanto instável de traseira” limitando-se, na parte final, a tentar trazê-lo de volta para a boxe.

FICHA DA PROVA

15º e penúltima prova do Campeonato do Mundo de F1

70 voltas (305,200 kms.)

Tempo seco, temperatura elevada

Comandantes: Hill, da 1ª à 17ª volta; Alesi, da 17ª à 22ª volta; Hill, da 22ª à 34ª volta; Villeneuve, da 34ª à 36ª volta; Hill, da 36ª à 50ª volta; Villeneuve, da 50ª à 70ª volta

CLASSIFICAÇÃO

Corrida: 1º Jacques Villeneuve (Williams FW18/Renault), 70 voltas, em 1h40m22,915s (média de 182,423 km/h); 2º Damon Hill (Williams FW18/Renault), a 19,966s; 3º Michael Schumacher (Ferrari F310/Ferrari), a 53,765s; 4º Jean Alesi (Benetton B196/Renault), a 55,109s; 5º Eddie Irvine (Ferrari F310/Ferrari), a 1m27,389s; 6º Gerhard Berger (Benetton B196/Renault), a 1m33,141s; 7º Heinz-Harald Frentzen (Sauber C15/Ford), a 1 v.; 8º Johnny Herbert (Sauber C15/Ford), a 1 v.; 9º Martin Brundle (Jordan 196/Peugeot) a 1 v.; 10º Olivier Panis (Ligier JS43/Mugen Honda), a 1 v.; 11º Mika Salo (Tyrrell 024/Yamaha), a 1 v.; 12º Ukyo Katayama (Tyrrell 024/Yamaha), a 2 v.; 13º David Coulthard (McLaren MP4/11/Mercedes), a 2 v.; 14º Ricardo Rosset (Footwork FA17/Hart), a 3 v.; 15º Giovanni Lavaggi (Minardi M195B/Ford) a 5 v.; 16º Pedro Lamy (Minardi M195B/Ford), a 5 v.

“Pole position”: Damon Hill, 1m20,330s

Volta mais rápida: Jacques Villeneuve, 1m22,873 (volta 37)

ABANDONOS

Rubens Barrichello (Jordan 196/Peugeot), despiste (volta 42); Pedro Diniz (Ligier JS43/Mugen Honda), toque em Ricardo Rosset (volta 47); Jos Verstappen (Footwork FA17/Hart), motor partido (volta 48); Mika Hakkinen (McLaren MP4/11/Mercedes), danos de acidente com David Coulthard (volta 52)

CAMPEONATOS (após o GP)

Pilotos: 1º D. Hill, 87 pontos; 2º J. Villeneuve, 78; 3º M. Schumacher, 53; 4º J. Alesi, 47; 5º M. Hakkinen, 27 (etc.)

Construtores: 1º Williams/Renault, 165 pontos; 2º Benetton/Renault, 65; 3º Ferrari, 64; 4º McLaren/Mercedes, 45; 5º Jordan/Peugeot, 20 (etc.)

Subscribe
Notify of
1 Comentário
Inline Feedbacks
View all comments
Pity
Pity
3 anos atrás

Lembro-me bem dessa ultrapassagem do Villeneuve ao Schumacher. O alemão abrandou para não ultrapassar o 2º pior piloto que passou pela F1 ( o primeiro é Yuji Ide) e que era cerca de quatro segundos por volta mais lento do que Lamy (só para comparar com o colega de equipa), enquanto Villeneuve teve a coragem, e talvez a loucura, de arriscar na parabólica. Mas é como ele diz, a experiência em ovais ajudou. A partir daí, passei a ser seu fã, mas isso, só durou mais um ano… até ao título.

últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico