Peugeot 905: Leão do asfalto

Por a 2 Junho 2023 11:44

Agora é o Peugeot 9X8 a correr no Campeonato do Mundo de Resistência, recordamos o ‘outro’ Leão do asfalto, o Peugeot 905. Há 30 anos, vencia pela segunda vez as 24 Horas de Le Mans.

Depois de muito sucesso nos troços de terra do mundo inteiro nos ralis, com o 205, o Peugeot 905 foi o primeiro verdadeiro rugido do leão nas pistas de asfalto, com duas vitórias nas 24 Horas de Le Mans. Numa altura em que já se ficou a saber do regresso da Peugeot às mesmas ‘lides’, recordamos a história do 905.

O Peugeot 905 foi o primeiro rugido do leão longe das pistas de terra e dentro das desconhecidas pistas de asfalto, rodeadas de rails metálicos. Surgiu dos lamentos do fim dos carros de Grupo B, nos ralis e pelas mãos de mesmo Jean Todt. Foi o percursor do atual 908. E com muito maior sucesso

Sobre o Peugeot 905, ocorrem-me duas memórias. Uma, penso que terá sido em 1992, em Monza. Nessa corrida, as coisas não correram bem ao 905: um deles abandonou com problemas de motor, depois de ter sido terceiro nos treinos de qualificação. Os seus pilotos eram Mauro Baldi e Philippe Alliot.

O outro ficou na escapatória de uma das chicanes, quando tinha Yannick Dalmas ao volante, num dos treinos livres, mas acabou depois a corrida em segundo lugar, após ter feito a pole position. Mas o que melhor recordo foi, como estava lá a convite da Peugeot, passei três dias nas boxes da equipa, a comer, com uma colher de pedreiro em miniatura, nacos de queijo parmesão, que arrancava de uma barrica totalmente feita de queijo, que esteve sempre junto à motorhome.

A outra foi nas 24 Horas de Le Mans de 1993, em que os Peugeot 905 foram magistrais, dominando a corrida e fazendo uma tripla no pódio. Viajei de e para Paris no TGV e fiquei na cidade-luz dois dias sem fazer nada, à espera de uma apresentação de um carro qualquer, de que não me recordo e que seria na quarta-feira. Deu para conhecer bem a cidade, subir à Torre Eiffel – onde, no cocuruto, o sol brilhava de um lado e, do outro, ficava-se a olhar uma tempestade, com as cordas da chuva a mergulharem no rio Sena. Desci a pé as escadarias metálicas, almocei num bistro ali perto e fui de metro para o Aeroporto Charles de Gaulle – perto do qual estava hospedado no mesmo pequeno hotel em que, anos depois, caiu o Concord. Memórias à parte, debrucemo-nos agora sobre o Peugeot 905.

Uma vida de sucesso

No final de 1988, dois anos depois do fim prematuro dos carros de Grupo B no WRC e após dois anos vitoriosos no Paris-Dakar, uma decisão ainda mais arriscada foi tomada no quartel general da Peugeot: correr nos sportprotótipos, para ganhar em Le Mans, tentando repetir a proeza que, em 1980, Jean Rondeau tinha conseguido, ao ser a primeira merca francesa a vencer na prova no pós-guerra.

Nasceu assim o Peugeot 905 e o génio por trás da ideia foi o mesmo que esteve nos Grupo B e nas picadas africanas: Jean Todt, o pequeno Napoleão dos automóveis, que estava então ao leme da casa de Sochaux.

O Peugeot 905 foi desenhado nos ateliers da Dassault, a empresa que fazia também aviões como os Falcon ou os Mirage. Tinha um chassis em fibra de carbono, com uma carroçaria muito baixa a aerodinâmica e um motor atmosférico, um V10 a 80° de 3,5 litros e capaz de uma potência inicial de 640 cv, que mais tarde subiu até aos 715. O carro pesava somente 780 kg e foi apresentado oficialmente a 4 de julho de 1990, com Jean-Pierre Jabouille (o mesmo que esteve ligado, 13 anos antes, ao Renault Turbo na F1) ao volante. O 905, que era o primeiro Grupo C da marca francesa, rodou então em Magny-Cours e, nesse dia, ficou a saber-se que iria participar nas duas últimas jornadas do Campeonato do Mundo de Sport-Protótipos (Montreal e México), com o próprio Jabouille (já com 48 anos) e com Keke Rosberg, que tinha sido campeão do Mundo de F1 em 1982 e contava 41 anos.

Os resultados foram algo modestos, desistindo numa prova e terminando longe dos dez primeiros na outra. Essa situação não melhorou muito na seguinte, em 1991, onde eram, com os Jaguar e os Sauber-Mercedes, os únicos verdadeiramente integrando o espírito das exigentes e custosas

regras do grupo C1, carros cujo peso mínimo era de 750 kg e cujos motores, sem turbo, eram de 3,5 litros, iguais aos da F1.

O 905 iniciou a temporada ainda nas especificações originais, ganhando logo na primeira corrida, com muita sorte à mistura. Depois foi o descalabro, com uma fiabilidade incipiente, que nem sequer lhes permitiu chegar ao fim nas 24 Horas de Le Mans, naquele que era o grande objetivo do projeto inteiro.

Por isso, a Peugeot decidiu então fazer uma evolução, o 905B, com 70 cv a mais, uma asa dupla atrás e uma inédita asa na frente, aumentando bastante a sua eficácia aerodinâmica. O carro estreou-se em Nürburgring e os resultados foram desde logo melhores, vencendo as provas de Magny-Cours e do México, com Dalmas e Rosberg ao volante. No final da temporada, a Peugeot foi vice-campeã nos sport-protótipos, mas viu-se de repente sozinha, pois a Jaguar e a Sauber-Mercedes, alarmadas com a escalada de custos, decidiram abandonar a competição.

Era o primeiro estertor do campeonato, que viria a chegar ao fim logo no ano seguinte. Este ano, o de 1992, foi contudo o ano da glória do Peugeot 905. Não apenas ganhou finalmente as 24 Horas de Le Mans, como dominou o Mundial, com quatro vitórias em cinco corridas e perdendo apenas a primeira prova do ano, em Monza, para a Toyota.

No final dessa temporada, já sem campeonato com que se concentrar, a Peugeot decidiu concentrar-se nas 24 Horas de Le Mans, procurando repetir o triunfo do ano anterior. Uma decisão que não poderia ter sido melhor sucedida, pois os três carros de Sochaux não apenas chegaram ao fim, como ocuparam os três lugares do pódio.

A Peugeot retirou-se então das corridas de resistência, pois já então estava a olhar para a F1, onde se estreou como fornecedora de motores da McLaren, em 1994. Uma decisão que fez com que Jean Todt, amuado, abandonasse a equipa, entrando para a Ferrari para dirigir o projeto de… F1 da Scuderia durante 15 anos. Por sua vez, a Peugeot – que deixou até a F1 em 2000, depois de fornecer a Jordan (entre 1994 e 1997) e a Prost (de 1998 a 2000) – apenas voltou às pistas já no novo milénio. O projeto foi anunciado em 2005 e o objetivo era bater os Audi R10 TDI nas provas de endurance, incluindo as 24 Horas de Le Mans. O novo carro era o 908 HDi FAP. Estreou-se em 2007 e acabou por ganhar mesmo a prova em 2009, com David Brabham, Marc Genè e Alexander Wurz.

Hélio Rodrigues, In Memoriam

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