F1: Acidente de Romain Grosjean foi há quatro anos
Há quatro anos, o mundo da F1 iria experienciar um dos maiores sustos de sempre e talvez o maior “milagre”. As imagens de Romain Grosjean a sair de um monolugar completamente desfeito no GP do Bahrein 2020 ainda hoje arrepiam. Uma memória que diz muito do que é a F1
Romain Grosjean está longe de ser um piloto unânime. A sua velocidade em pista era por vezes mascarada por erros graves que várias vezes deram em acidentes aparatosos. Longe de ser um piloto sem talento, Grosjean também brilhou na F1, com 10 pódios. Mas 2020 iria ser o seu último ano na F1, um final prematuro, motivado pelo seu maior acidente, que nos levou do choque à emoção.
O que lhe sucedeu desta vez, foi erro seu, atravessou a pista à frente de Daniil Kvyat, quando procurava uma melhor trajetória, mas o Alpha Tauri do russo estava no seu ângulo morto e o acidente foi inevitável. Esse já escalpelizámos, batida a 221 Km/g, 53G de impacto, o Halo a ‘abrir’ os rails e a salvar a vida do piloto, o carro a partir-se em dois com a secção dianteira a separar-se da traseira. Salvou, pelo menos por alguns momentos, já que a enorme bola de fogo que se seguiu era perigosa. Bastava que Grosjean tivesse fica inconsciente para que o desfecho fosse completamente diferente. Teria sido quase impossível haver por perto extintores suficientes para salvar o francês da inalação de fumo, exatamente a causa da morte de Roger Williamson no GP da Holanda de 1973 no seu March. O monolugar capotou devido ao rebentamento de um pneu e pegou fogo. Williamson nada sofreu do acidente, tal como Grosjean, mas sucumbiu ao fogo e inalação de fumo. Hoje em dia, com os combustíveis modernos, os depósitos de combustível deformáveis e desenho dos próprios carros tornaram as mortes devido ao fogo muito raras. Felizmente o francês ficou consciente e conseguiu sair do carro pelo meio do fogo. As imagens de Grosjean a sair das chamas vão ficar para sempre no imaginário dos fãs da F1.
Grosjean, a “Fénix”
Não é fácil gostar de um piloto que comete mais erros que o desejável, que se queixa demasiado no rádio e que por vezes se mete em problemas em pista desnecessários. Mas lembrar apenas Grosjean pelos seus erros será demasiado injusto para um piloto que em 179 GP conquistou dez pódios. Mais que isso, esses pódios foram conquistados com todo o mérito, numa fase em que três equipas lutavam pelo título (2012 e 2013) ou num carro claramente inferior (2015). Ao nível da velocidade pura, num dia bom, era capaz de se bater com os melhores. Faltou-lhe sempre a capacidade de evitar o erro quando estava no fio da navalha, mas quem tem carros menos competitivos e quer mais arrisca-se a tal.
Mas o que mais impressiona em Grosjean foi a tenacidade que apresentou durante toda a sua carreira. Campeão na Formula Renault francesa, na F3 e no GP2, Grosjean era visto como o sucessor de Alain Prost. Mas o começo foi atribulado com alguns erros graves, o mais famoso em Spa que lhe valeu uma corrida de suspensão. Apesar desse golpe, Grosjean procurou ajuda psicológica e regressou mais forte que nunca e iniciou uma sequência de bons resultados que foi interrompida com a chegada da nova era turbo-híbrida e com o declínio da Lotus, o que não o impediu de voltar ao pódio, precisamente em Spa, talvez o seu feito mais notável, num carro que não tinha argumentos para tal. Grosjean errou muito, mas voltou sempre e os constantes boatos da sua saída nunca passaram disso até 2020.
Mas, ironicamente, o acidente que sofreu é talvez a metáfora perfeita para a sua carreira… um começo titubeante, uma decisão mal tomada com consequências tremendas e… a capacidade de escapar às chamas e sobreviver mais uma vez. Grosjean fez isso desde o começo da sua viagem na F1. Grosjean pode ser visto como uma fénix do desporto motorizado… Nem um acidente tão violento o impediu de regressar às pistas, tendo corrido na Indy (onde nunca deixou de ser agressivo… por vezes em demasia). É agora piloto da Lamborghini nas corridas de resistência, mas o seu nome ficará associado a um dos momentos mais espantosos da F1. Um momento onde a evolução tecnológica permitiu manter vivo um piloto, quando nada o fazia prever. Um momento de superação em que um piloto que fintou a morte e regressou às pistas para fazer o que sempre fez.
A história na primeira pessoa
O relato é cativante e vívido, as coisas que não se lembra são muito poucas. Descrevendo detalhes espantosos da sua grande fuga: “Sou uma bola de fogo em corrida”.
Vinte e oito segundos. Foi o tempo que demorou desde o forte impacto até Grosjean escapar ao inferno de ferros retorcidos e enormes chamas. Mas para o francês, pareceram cerca de minuto e meio. Com palavras claras, mas angustiantes, revelou que o seu primeiro instinto foi esperar, e só quando viu o fogo, soube que tinha muito rapidamente de encontrar uma maneira de sair sozinho. Na primeira vez que tentou, ficou preso. “Quando o carro parou, abri os meus olhos. Desapertei logo o cinto de segurança. O que não me lembrei no dia seguinte foi o que fiz com o volante porque não tenho a memória de ter tirado o volante. E eles disseram-me que com o embate o volante ficou-me entre as pernas, a coluna de direção, e tudo se partiu e desceu. Depois salto e sinto que algo está a tocar-me na cabeça, por isso sento-me de novo no carro e o meu primeiro pensamento foi ‘Vou esperar’. Estou de cabeça para baixo contra a parede, por isso vou esperar até que alguém venha e me ajude’. Por isso, não estava em stress e obviamente não estava consciente na altura que havia fogo.
“Depois olho para a direita e para a esquerda, e aí vejo fogo. Por isso digo ‘OK, bem, não posso esperar aqui’. Por isso, de seguida tentei subir um pouco mais para a direita, mas não funcionou. Volto a subir pela esquerda, não funcionou. Sento-me de novo e depois penso em Niki Lauda, o seu acidente [no Nuburgring em 1976], e penso “não posso terminar assim, não pode ser a minha última corrida. Nem pensar’.
“Por isso, tento novamente e fico preso. Por isso volto atrás e depois há o momento menos agradável em que o meu corpo começou a relaxar. Estou em paz comigo mesmo, e sinto que vou morrer”, disse.
Mas não, foi aí que começou a reagir com mais vigor: “Fiz a minha pergunta ‘Será que vai queimar a minha bota, o meu pé ou a minha mão? Vai ser doloroso? Por onde é que vai começar? Para mim, isso parece-me dois, três, quatro segundos. Mas depois penso nos meus filhos e digo “não, eles não podem perder o pai hoje. Não sei porquê, mas decidi virar o meu capacete para o lado esquerdo e subir assim, e depois tentar torcer o meu ombro. Isso funcionou, mas depois apercebo-me que o meu pé está preso no carro.
“Por isso sento-me de novo, puxo com toda a força a perna esquerda e o meu pé sai da bota. Depois faço-o novamente e os ombros passam, e no momento em que os ombros passam, sei que vou saltar lá para para fora.
Mas ao fazer isso, pus as duas mãos no fogo e consegui ver as luvas a começarem a derreter. Senti a dor, as minhas mãos estão no fogo, mas, por outro lado, também sinto o alívio de estar fora do carro. E depois salto, vou para a barreira, sinto o [Dr] Ian [Roberts] a puxar o meu fato e aí sei que já não estou sozinho, há alguém comigo, passo rail, eles tocam-me nas costas e eu sou ‘Sou uma bola de fogo a correr’.
Neste momento, Romain Grosjean já tinha passado pelos 28 segundos mais longos da sua vida: “Depois, aperto as minhas mãos porque estão muito quentes e dolorosas, retiro as luvas imediatamente, pois tenho a imagem de que a pele está a fazer bolhas e a derreter e vai colar-se às luvas, por isso tiro as luvas imediatamente.
“E então, o Ian (Dr. Ian Roberts) vem ver-me, fala comigo e diz ‘senta-te!”. Eu disse-lhe, merda, ‘falem comigo normalmente, por favor’. E acho que ele aí compreendeu que eu estava bem, que estava normal. E depois sentámo-nos, mas estamos demasiado perto do fogo, e ouço os tipos dos extintores, ‘a bateria está a arder, tragam outros extintores, tragam outros extintores’.
“Depois puseram-me uma compressa fria na mão enquanto eu lhes dizia que as minhas mãos estavam a arder e o meu pé estava partido. Depois a dor começa a crescer, especialmente no pé esquerdo. Ian (Dr. Ian Roberts) explica que ‘a ambulância está a chegar, eles virão com a maca e tu vais ficar bem’. Continuamos a falar. Eu digo ‘não, agora vamos a pé até à ambulância’, eles dizem ‘não, não, a maca vem aqui’.
“Acho que do lado médico não foi uma decisão perfeita, mas eles compreenderam que para mim que era fundamental que houvesse imagens minhas a caminhar em direção à ambulância, por isso, apesar de ter saído do incêndio, precisava de enviar outra mensagem forte de que eu estava bem”, disse o francês, que revelou ser bastante tolerante: “Sou bastante forte com a dor”.