Crónica: Red Bull dá-te asas?

Por a 14 Agosto 2019 11:16

A troca de Pierre Gasly por Alex Albon na Red Bull veio agitar um verão que parecia destinado a ser calmo e com poucas notícias de relevo. Além de surpreendente, esta decisão mostra que a Red Bull continua feroz no tratamento dos seus jovens pilotos. Interessa, pois, saber como chegamos até este ponto, e quais as consequências.

O filme até aqui

Para entendermos toda esta situação, temos de recuar até 2018. Nesse ano, um tal de Pierre Gasly chegava à Toro Rosso determinado em deixar a sua marca na F1 e essa determinação tinha fundamento. O mais novo talento saído do programa de jovens da Red Bull era o único piloto que tinha mostrado qualidade para subir ao grande circo, após a promoção meteórica de Max Verstappen. Depois de anos a “fabricar” talentos a um ritmo alucinante, o programa liderado por Helmut Marko parecia ter perdido o gás e o regresso de Brendon Hartley à F1, 10 anos depois de ter sido dispensado, era a prova disso.

Gasly nunca venceu um título nos Karts, mas nas categorias de iniciação o cenário mudou. Chegou o primeiro título na Fórmula Renault 2.0 Eurocup em 2013. Em 2014 foi vice-campeão na Fórmula Renault 3.5 já inserido no programa da Red Bull, em 2016 conquistou o título no GP2 e em 2017 foi vice-campeão na Super Fórmula Japonesa, no mesmo ano em que se estreou na F1 a meio da época, para substituir um Danill Kvayt à deriva.

Em 2018 a época começou com um abandono na primeira prova, mas a segunda corrida ficou marcada pelo espectacular quarto posto no Bahrein. Gasly entrou de rompante na F1 e voltou a fazer boas corridas no Mónaco, na Hungria, em Spa e no México. Terminou a época em 15º com 29 pontos, contra quatro do seu colega de equipa (Hartley).

Quando Daniel Ricciardo anunciou a sua saída da Red Bull, Gasly passou a ser a opção mais que óbvia. A velocidade estava lá e, embora ninguém esperasse que ele fosse ser uma ameaça a Verstappen a curto prazo, com tempo e com o devido apoio poderia tornar-se um piloto sólido.

Mas a época 2019 começou da pior forma. Em Barcelona cometeu dois erros que prejudicaram o programa de testes da equipa e a pressão começou a subir. Talvez tenha sido esse o ponto fulcral nesta história. Gasly perdeu a confiança e a equipa começou a duvidar do jovem.

A época começou e de um lado tínhamos um Verstappen numa forma soberba e um Gasly à procura de entender um carro que não se adaptava ao seu estilo de condução. A equipa manifestou sempre o apoio total ao jovem e dava a impressão que a Red Bull tinha aprendido com os erros do passado, não sacrificando um piloto demasiado cedo. E o plano seria esse até ao final do ano, mas a parceria Honda/Red Bull começou a dar frutos… se o início algo “frio” refreou o ânimo dos Bull´s que encaravam esta época como um “ano zero”, as vitórias de Verstappen na Áustria e na Alemanha aproximaram a equipa da Ferrari e os responsáveis sentiram que podiam bater o pé à Scuderia… mas faltava um Gasly mais forte.

A diferença média de tempo em qualificação entre os pilotos rondava os 0.5 seg. (demasiado) e na corrida a corrida da Hungria terá sido a gota de água, com a Red Bull incapaz de defender Verstappen de Lewis Hamilton, pois Gasly andava em luta pelo sexto posto.

O motivo da substituição?

A substituição aconteceu porque a Red Bull passou a acreditar que pode tentar lutar pelo título já em 2020. Para isso precisa que a Honda continue a trabalhar, o que fará agora com mais motivação, e vai depender do enorme talento de Verstappen. Mas precisa de um bom número dois, que possa dar mais pontos à equipa. Gasly tem 63 pontos contra 181 de Verstappen. Se o francês trouxesse pontos para a equipa ao mesmo ritmo que Valtteri Bottas e Charles Leclerc, a Red Bull seria segunda no campeonato. A substituição vem não tanto a pensar no presente, mas sim para preparar o futuro, tentando escolher o piloto certo para fazer companhia à estrela da equipa. Na teoria faz todo o sentido… mas a teoria, neste caso, não diz tudo.

Porquê Alex Albon?

A escolha de Albon é também óbvia. Kvyat é já uma cara conhecida da equipa, os engenheiros já trabalharam com o russo e sabem do que ele é capaz. Também já trabalharam com Gasly e do lote de quatro pilotos à disposição, só faltava conhecer Albon. O jovem estreante da Toro Rosso, foi uma das referências no karting e chegou a ser piloto da Red Bull, mas foi retirado do programa por falta de resultados. Nunca venceu um título nas categorias de iniciação (uma carreira quase diametralmente oposta à de Gasly) e teve de implorar para ter lugar na F2 no ano passado, onde foi terceiro classificado. Foi chamado à ultima hora, já depois de ter acordo para ir para a Fórmula E, uma vez que a Red Bull continuava sem pilotos no seu programa para subir à F1. Albon tem feito uma excelente época de estreia, lidando de forma impecável com a falta de experiência (nunca tinha pilotado um F1, nem em testes) e mostrando uma evolução tremenda. É o único que falta conhecer para que depois a equipa possa delinear o plano para 2020. Albon tem talento, tem potencial e pode ser um excelente piloto na F1.

Red Bull dá-te asas?

Desde os tempos que um tal de António Félix da Costa viu o seu sonho da F1 acabar de forma abrupta, que os portugueses ficaram sempre com alguma desconfiança quanto ao slogan da marca de bebidas energéticas. E a quantidade de pilotos que o programa mastigou e cuspiu é também a prova disso. Mas não nos podemos esquecer que a Red Bull dá uma oportunidade única a quem entra no programa… a única contrapartida é a de ser sempre fantástico em todas as provas (uma exigência dura para jovens ainda em crescimento, sem dúvida).

A Red Bull sempre apostou em encontrar talentos ao nível de Vettel, Ricciardo e Verstappen. E quem mostrar o mínimo de fraqueza é chutado para canto. O caso mais flagrante foi o de Kvyat, largamente elogiado enquanto na Toro Rosso, passou de bestial a besta em quatro corridas. A sua carreira na F1 ia terminando de forma dramática e apenas a falta de novos talentos na Red Bull lhe abriu de novo as portas do grande circo.

Pensava-se que a Red Bull tinha aprendido com a injustiça feita ao russo e que iriam apoiar Gasly até ao fim da época, como prometido. Afinal, se tinham visto potencial e qualidade nele, era uma questão de paciência até ele o comprovar. Em menos de uma semana o apoio transformou-se numa despromoção. Um golpe rude num jovem de 23 anos.

Assim, embora a substituição faça sentido a nível teórico, pode acabar com a carreira de três pilotos de uma vez: Se Gasly não recuperar do “tombo” irá penar como aconteceu com Kvayt… o russo pode sentir o peso de ter sido esquecido nesta fase e pode também cair de produção… e se Albon não se der bem nos próximos meses, poderá também ficar em risco. Isto para um piloto que há seis meses atrás não tinha sequer testado um F1.

Não deixa de ser algo questionável esta opção. Sabemos que a F1 é um mundo cruel, mas o programa da Red Bull torna-o ainda mais. Quem aposta em jovens, deveria lidar com essa aposta e dar algum tempo. Apoiar e aguentar com os momentos menos bons. Gasly merecia ter ido de férias, recalibrar e tentar novamente na segunda metade do ano. Se era para “testar” Albon para a próxima época, podia ter sido feito nas últimas corridas do ano e se o rendimento de Gasly não melhorasse, seria justificado até. Assim, de um lote de quatro pilotos, três estão na corda bamba.

Que ninguém duvide que os três são excelentes pilotos. Kvyat foi muito elogiado enquanto piloto de simuladores da Ferrari, Gasly também mostrou talento até chegar à Red Bull e Albon sempre foi dos pilotos mais respeitados entre os seus adversários. Mas se não tiverem tempo de crescer, errar e recuperar, dificilmente terão sucesso.

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