Circuito Internacional de Vila Real – Edição 2020 improvável, mas futuro assegurado.

Por a 23 Março 2020 10:00

Por: Fábio Mendes

Vila Real é uma pacata cidade do interior de Portugal, que recebe quem a visita com boa gastronomia, bom vinho e com a imponência do Marão que “protege” a cidade e a região. Mas há uma altura do ano em que a pacatez da cidade é interrompida com a montagem de estruturas metálicas, com mudanças no quotidiano das pessoas que culminam com a chegada da caravana do WTCR. E de repente, a pacata cidade transforma-se num palco de excelência de uma das maiores competições automobilísticas do mundo. Nesse fim de semana, Vila Real transforma-se numa janela para o mundo, para a qual milhões espreitam. Vila Real passa a ser um dos traçados mais exigentes do mundo das corridas automóveis onde apenas os melhores vencem.

Não é exagero dizer que as corridas de Vila Real são o maior evento de desporto motorizado do país, a par do Rali de Portugal. A capital transmontana é o palco mais desejado da velocidade nacional e cada vez mais reconhecido a nível internacional. O surto de COVID-19 tem afetado sobremaneira o nosso país e o desporto nacional está neste momento parado. A 51ª edição do Circuito Internacional de Vila Real está agendada para 20 e 21 de junho, mas numa altura e que as interrogações se acumulam, interessa falar com os responsáveis maiores da prova. Depois de falar com o presidente do CAVR, o AutoSport falou com o presidente da Associação Promotora do Circuito Internacional de Vila Real. José Silva falou abertamente, como é habitual e explicou a situação atual.

O

responsável máximo da APCIVR fez questão de, antes de mais,

descansar algumas vozes que desconfiaram da capacidade da organização

vilarealense em organizar as três provas anunciadas pelo promotor do

WTCR:

“O calendário do WTCR tem sofrido algumas alterações e com essas alterações surgiram notícias de que o promotor pretende fazer três corridas em certos eventos, onde Vila Real está incluído. Apesar das dúvidas de algumas pessoas, para nós fazer três corridas do WTCR não é novidade, já o fizemos no passado e por isso não há nada que nos preocupe, se tal se vier a concretizar. A novidade era fazermos apenas duas corridas. A APCIVR, o CAVR e o Município de Vila Real já provaram ao longo destes anos em que temos recebido provas do promotor Eurosport, ou seja, o WTCC e o WTCR, que somos capazes de corresponder à grande exigência do promotor, conseguindo organizar vários formatos, o que temos feito sempre com qualidade e para isso basta ver os elogios que temos recebido por parte do responsáveis do Eurosport. Aliás, a vontade de regressarem a Vila Real é também um sinal forte do bom trabalho que temos feito. Assim, quanto à possibilidade de termos três corridas no fim de semana, tal não é um problema para nós.”

“Inicialmente o plano estava alinhavado para três dias de provas, mas com a política de diminuição de custos imposta no WTCR e com a mudança de formato para apenas duas corridas por fim de semana, tínhamos em cima da mesa um plano para um fim de semana com apenas dois dias de atividades em pista. Estávamos a falar com a FPAK para que tal fosse possível, ajustando também com as provas nacionais um cronograma adequado para todos. Se ficar confirmado o cenário de um fim de semana com três corridas do WTCR, teremos que fazer um acerto no que a custos diz respeito e certamente que o promotor do WTCR terá isso em consideração. Manteremos o plano inicial que já estava previsto desde que começamos a preparar a edição deste ano.”

No

entanto, José Silva não escondeu que a situação que vivemos

atualmente poderá significar que não teremos corridas de Vila Real

em 2020:

“Vivemos num momento de grande incerteza. A cada dia que passa somos confrontados com notícias e novos planos de ação, pelo que temos de avaliar a situação diariamente. Ainda antes deste surto chegar ao nosso país, estávamos a trabalhar vários cenários, um dos quais era a não realização das corridas. As pessoas já repararam que a divulgação feita não está ao nível da que estaríamos a fazer num ano dito normal e além disso, os contactos que temos desenvolvido com os promotores e prestadores de serviços têm sempre em conta esta possibilidade. Não podemos contratar um serviço, havendo a possibilidade da corrida não ser feita. Já há cerca de um mês que estamos a acautelar esta situação, até para salvaguardar os encargos que são muitos.”

“Na última semana as coisas alteraram-se significativamente e as dúvidas adensaram-se. Como presidente da APCIVR, neste momento, essa não é a nossa grande preocupação. Valores mais altos se levantam e neste momento a grande preocupação da nossa associação é o combate a esta pandemia e o bem estar das pessoas. As corridas, que são a nossa paixão, têm de ficar para segundo plano, pois há outras prioridades nesta fase. Mas devo ser honesto com todos os nossos fãs e, apesar de sem certezas e da situação ser muito volátil, as expetativas de termos corridas em Vila Real são muito diminutas. Olhando para o que o nosso governo diz e atentando a que esta situação se pode arrastar até maio, é um facto que a probabilidade de termos corridas este ano é muito baixa, como as pessoas compreenderão.”

O

responsável pela associação promotora deu um exemplo prático das

dificuldades que a situação atual acarreta:

“Basta vermos, por exemplo, a montagem do circuito. É uma operação que demora à volta de dois meses e que implica custos elevados. Não podemos avançar com a montagem nas circunstâncias que vivemos atualmente, pois corremos o risco de pagar a montagem, e consequente desmontagem, sem termos corridas. O nosso plano até há bem pouco tempo era adiar o máximo possível a montagem, fazendo-a de forma faseada, ou seja, montando por exemplo 10% e fazendo o pagamento do valor correspondente (montagem e desmontagem). Se a prova não acontecesse, não teríamos o mesmo encargo que se avançássemos para a montagem total da estrutura. A montagem teria de começar o mais tardar no início de maio, idealmente finais de abril, mas olhando à situação atual, será muito, muito difícil que tal aconteça.”

Apesar

do cancelamento da prova ser uma forte probabilidade, o adiamento

está também em cima da mesa:

“O adiamento é uma possibilidade, mas é impossível dar agora uma resposta. Imaginando um cenário otimista em que apenas fosse necessário um adiamento de 15 dias, tal cairia na janela temporal em que habitualmente recebemos as corridas e não seria grande problema. Mas realisticamente, é difícil que tal aconteça, Um adiamento para outras datas tem de ser avaliado e não posso dar resposta sobre essa possibilidade, pois para já sem mais dados não consigo fazer essa avaliação.”

A

situação é difícil, mas José Silva optou por um discurso

positivo e ambicioso:

“A vida continua e não queremos que a vida pare. Todos temos de dar o nosso contributo para o combate a este flagelo que agora nos atinge, mas isso não pode significar que tudo irá ficar parado ou acabar. Queremos e devemos olhar para futuro com vontade de regressar à normalidade e essa normalidade, para nós, inclui as corridas de Vila Real. É algo que não queremos perder. No cenário mais provável das corridas não se realizarem, as pessoas entenderão, pois vivemos tempos conturbados, mas tal não implica que o futuro do Circuito Internacional de Vila Real esteja em causa.”

O

acordo entre Vila Real e o WTCR é de dois anos, mas José Silva deu

mais pormenores sobre esta situação:

“Existe um acordo de dois anos entre o CIVR e o WTCR. O promotor queria um contrato de maior duração (quatro anos) mas o Sr. Presidente do Município de Vila Real, Eng.º Rui Santos, entendeu que apenas deveria assinar um acordo de dois anos, já que o mandato termina em 2021 e outro se iniciará nesse ano. Assinou-se um contrato de dois ano, com mais dois de opção. Se nada de anormal acontecer, voltaremos a ter corridas em 2021.”

O

futuro do CIVR está a ser acautelado pelos seus responsáveis e José

Silva está otimista, e continua a liderar o esforço para manter as

corridas de Vila Real por mais anos:

“Apesar de tudo o que foi dito acima, temos consciência de que o mundo das corridas é muito volátil e que muda rapidamente. Há campeonatos que gozam de muita saúde, mas que de um momento para o outro podem enfraquecer. O que posso garantir a todos os fãs do CIVR é que estamos a trabalhar para o futuro do Circuito a médio/ longo prazo. E posso dizer que tínhamos tudo preparado para receber outra grande prova este ano. Como entenderá, não posso revelar qual seria, mas posso assegurar que seria uma prova que iria agradar a todos os fãs de automobilismo. Temos desenvolvidos contactos para outras provas em 2021 e até para 2022. Em 2021 esperamos ter uma grande prova que nunca tivemos em Vila Real e estamos a avaliar a nível logístico quais as implicações da vinda dessa prova.”

2021

será um ano de grande importância para o Circuito de Vila Real e a

APCIVR trabalha para que essa data seja memorável:

“2021 é uma data histórica para o CIVR. No ano passado celebramos a 50ª edição do Circuito, mas em 2021 celebraremos os 90 anos do Circuito Internacional de Vila Real, pois o circuito nasceu em 1931 É uma data importantíssima para nós e queremos festejar a efeméride com a dignidade e a importância que a data merece, deixando as bases para um futuro risonho. Esse é o nosso grande objetivo. Reforço que continuamos a trabalhar para o futuro, temos falado com muitas pessoas e organizadores. Não podemos revelar nada ainda, mas preferimos trabalhar com seriedade e serenidade, e a seu tempo divulgaremos as boas notícias.”

O

AutoSport tentou saber um pouco mais sobre as provas que poderão vir

para a capital transmontana e ficou a certeza que serão provas

Sprint, com o endurance a ficar de lado… para já:

“Uma prova de longa duração em Vila Real, para já não acontecerá. Serão provas Sprint. Mas tal não significa que isso não possa vir a acontecer. Já fomos contactados por um promotor no sentido de fazer uma prova de endurance em Vila Real. Mas isso traz dificuldades acrescidas pois para ter provas de sprint e de endurance, implica, à partida, um segundo fim de semana, o que implica também custos acrescidos. E nós, como organizadores, seguimos à risca a filosofia do Eng.º Rui Santos, de que as corridas são muita paixão, muita emoção mas também muita razão. E não podemos que deixar que a paixão se sobreponha à razão. Este evento é de grande importância para a nossa região e por isso devemos sempre olhar para a sustentabilidade do mesmo, afim de o manter por muito tempo, o que significa que os custos têm de ser muito bem controlados. A ideia não está posta de lado, de todo, mas para já, não é nossa intenção fazer provas de longa duração em Vila Real. “

As

dúvidas quanto ao futuro do CIVR são legitimas, olhando para o

cenário de crise que se avizinha, mas José Silva tem noção do que

o futuro pode trazer e ainda assim, não se atemoriza:

“Temos todos consciência do impacto a nível económico que esta situação acarreta. Infelizmente o cenário é pouco animador, nesta fase. Mas da nossa parte, como sempre fizemos, teremos sempre um orçamento equilibrado. Recebemos muitas sugestões no sentido de fazer mais ações, ou outro tipo de investimentos e por vezes apontam-nos o dedo por não fazermos mais. Mas a verdade é que não fazemos mais porque não temos essa possibilidade. Assim, manteremos a mesma postura, que é de fazer sempre um investimento razoável, olhando sempre às circunstâncias. E se podemos antecipar alguma quebra a nível de publicidade e patrocínios, é lógico pensar também que os custos inerentes a receber este tipo de provas também irão diminuir. A única certeza que temos é que manteremos o equilíbrio e nunca colocaremos em causa o futuro do Circuito.”

Mesmo em cenário de crise, as corridas de Vila Real fazem sentido, como explica o presidente da APCIVR:

“As corridas não são apenas uma questão de paixão. As corridas têm um peso cada vez maior na nossa economia. Temos um excelente exemplo que prova essa importância. A Continental, que é um dos maiores empregadores da nossa zona, investiu muito em Vila Real também graças às corridas. O anterior responsável da Kathrein tinha uma grande ligação às corridas e isso foi o catalisador para uma relação cada vez mais forte e um investimento cada vez mais significativo na nossa região. E outros investimentos são feitos graças à visibilidade que as corridas dão à nossa região. São vários os casos de patrocinadores e convidados que vêm à Vila Real e que não faziam ideia sequer de como era a cidade. As pessoas ficam a conhecer-nos e começam a entender o potencial da nossa zona. Assim as Corridas são também uma parte importante da engrenagem do motor económico da nossa região. Este é também um dos fatores fundamentais para manter as corridas.”

“Já no tempo das corridas no Porto se falava do retorno que existia e que as corridas eram importantes pelo turismo e pela visibilidade. As mesma entidades que fizeram estudos do impacto económico no Porto, são as mesmas que o fazem para Vila Real. E se na altura acreditávamos nos valores dados, devemos acreditar também nos valores que são anunciados para Vila Real. Mas realço novamente que a organização será sempre razoável no seu investimento, olhando para a situação da região e do país. Não podemos esquecer que quando as corridas regressaram a Vila Real ainda era uma fase delicada a nível económico, com a presença da Troika no nosso país. E mesmo assim, conseguimos arrancar com este grande evento e receber pela primeira vez um campeonato do mundo.”

O

negativismo pode tomar conta da generalidade da população nesta

altura, mas José Silva olha para a frente e pensa no futuro a médio

prazo:

“Temos de regressar o mais depressa possível à normalidade. Certamente teremos de nos adaptar numa fase inicial, mas não podemos resignar-nos e iremos lutar como pudermos para que a vida volte ao que era. A vida foi temporariamente interrompida, mas queremos regressar o quanto antes. As corridas fazem parte do nosso ADN e claro que temos a parte emocional que é muito importante. Mas se as corridas eram um excelente investimento até agora, certamente que o serão no futuro. Teremos de nos adaptar à situação que encontrarmos para que consigamos continuar a fazer este grande evento. Mas faremos tudo para que as corridas continuem. Disso podem estar certos.”

A confirmar-se o cancelamento das corridas de Vila Real, o cenário mais provável, será um golpe tremendo nos fãs de automobilismo nacional. Mas a prioridade está agora em regressar à normalidade. Por parte da APCIVR, temos a garantia que o trabalho continua e que a jóia da coroa do automobilismo nacional está a ser tratada como merece. Vila Real, tal como, Portugal regressará em grande no tempo certo e quando assim for, poderemos voltar a olhar deliciados para a descida de Mateus, que os maiores talentos do desporto automóvel voltaram a percorrer. É tempo de ficar em casa pacientemente, cumprir as ordens que nos são dadas, para que possamos voltar a ter os melhores, no melhor traçado nacional.

Start of the first race during the 2015 FIA WTCC World Touring Car Championship race of Portugal, Vila Real from July 10th to 12th 2015. Photo Alexandre Guillaumot / DPPI.
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