Circuito de Vila Real: Mais do que um circuito

Por a 24 Maio 2022 13:45

Desde o regresso das corridas em Vila Real, em 2014, que temos assistido ao crescimento de um dos maiores eventos desportivos do ano em Portugal. No fim de semana das “Corridas da Bila”, a capital transmontana torna-se na capital de Portugal, sendo palco para uma competição com milhões de espectadores por todo o mundo. Desde 2015, data da primeira corrida do WTCC em Vila Real, que o circuito adorado por tantos neste país, voltou a ser notícia lá fora. A reta de Mateus encantou meio mundo e desde então que a trajetória do circuito tem sido sempre ascendente, com a ajuda dos sucessos de Tiago Monteiro. Poucas vezes se cantou o Hino Nacional com tanta vontade e tanta alma como naquelas tardes quentes em que Monteiro venceu , a primeira vez no WTCC e na segunda vez no WTCR, regressado de lesão depois do grave acidente em Barcelona. Vila Real transformou-se no grande evento do WTCR, a competição maior de Carros de Turismo da FIA, a prova que todos os pilotos nacionais querem fazer e que os pilotos internacionais olham com respeito e carinho.

Infelizmente, a pandemia veio parar uma sequência fantástica de cinco eventos internacionais, mas nem por isso a paixão esmoreceu. Teve de ser guardada enquanto o mundo se adaptava a uma nova realidade. O Circuito de Vila Real parou, mas agora está de regresso e os responsáveis do evento começam novamente a preparar o presente, olhando para o futuro.

Um dos rostos da organização é o Presidente da Câmara Municipal de Vila Real, o Eng. Rui Santos. Com ele e a sua vasta equipa, uns apaixonados pelas corridas, outros apaixonados pela cidade, Vila Real saltou para o panorama internacional. O município, juntamente com o muito experiente Clube Automóvel de Vila Real e a Associação Promotora do Circuito Internacional de Vila Real, conseguiram algo único: ultrapassar o ceticismo inicial, quer dos locais, quer dos promotores, oferecendo um espetáculo único. A transformação de uma cidade pacata do interior, num dos palcos maiores do desporto motorizado mundial.

Com a montagem do circuito já a decorrer em bom ritmo, o AutoSport falou com o presidente do município para fazer o balanço e apontar o caminho para o futuro. E nesta conversa, ficamos a perceber que as corridas são muito mais do que apenas os melhores carros e os melhores pilotos em pista. Nesta corrida relembramos o que de mais importante têm as corridas de Vila Real… a sua ligação com as pessoas.

“Há muita vontade de voltar a ter corridas e as saudades são grandes”

Começamos a conversa olhando para o passado recente e o presente. Com dois anos de interregno, não seria de espantar que a vontade de receber corridas tivesse esmorecido, mas não parece ser o caso e Rui Santos explicou-o de forma simples:

“Já ultrapassamos os 120 inscritos nos campeonatos da ANPAC e provavelmente, não teremos espaço suficiente para todos os interessados, o que é uma pena, mas as limitações a isso obrigam. Vou percebendo, quando falo com as pessoas de Vila Real, que há muita vontade de voltar a ter corridas e as saudades são grandes. Admito que nem tudo volte a correr como antes desta interrupção, porque a máquina já estava oleada, mas acredito que rapidamente regressaremos à realidade de 2019.”

As corridas de Vila Real voltaram a ser motivo de conversa, depois de declarações de um partido da oposição, que referiu o valor. Segundo a Universidade FM, órgão de comunicação local, os vereadores do partido da oposição consideraram que para além de uma paixão dos vila-realenses as corridas eram sobretudo “um património da cidade” e uma “marca que cria a diferença”. No entanto, admitiram alguma preocupação pela falta de financiamento para a realização da Taça do Mundo de Carros de Turismo. Os vereadores dizem que o executivo informou que o valor previsto é o que está inscrito em orçamento para este ano, 1 milhão e 530 mil euros, sendo apenas receitas da própria autarquia uma vez que os avisos de candidaturas a fundos comunitários do Portugal 2030 para a internacionalização ainda não estão abertos. O presidente do município rebateu essas questões, referido que teme que as Corridas se tornem numa arma de arremesso político:

“Temo que as corridas se tornem em arma de arremesso político e será uma pena se isso acontecer. Temos tido vários apoios para que as corridas sejam uma realidade. Este ano, em concreto, vivemos uma fase complicada pois o quadro comunitário 2020 já terminou e o 2030 ainda não se iniciou. Acresce ainda que a publicação do Orçamento de Estado atrasou. Mas se não acreditássemos que seria possível, este ano não haveria corridas. Para desencadear todo o mecanismo de contratação pública e garantias para que as corridas sejam uma realidade, tivemos de orçamentar a verba. Mas o que fizemos este ano, fizemos em todos os anos anteriores. Orçamentamos e fomos à procura de financiamento. Admito que este ano seja mais difícil, pelas razões anteriormente mencionadas. Mas quem faz este tipo de perguntas e sobretudo as torna públicas, sem considerar as respostas e as consequências dessas perguntas, não o faz de forma inocente e talvez não veja este tema como algo importante para Vila Real. O facto desta questão ser referida apenas agora causa-me alguma estranheza pois o orçamento já foi aprovado há meses e a verba já estava estipulada. Eu espero que as corridas não sejam algo que divida os Vila-Realenses e que os continue a unir, como até agora.”

“Temos sempre essa esperança que as corridas permaneçam ao longo do tempo”

Questionado sobre o futuro do circuito, e sobre a possibilidade de vontades políticas alterarem o curso dos acontecimentos, o presidente do município deixou claro que não vê motivos para que as corridas não se perpetuem no tempo:

“Muitas das pessoas que estão na minha equipa, e há sempre a possibilidade de elas ficarem aqui no futuro, partilham da mesma paixão que eu tenho. Por isso, temos sempre essa esperança que as corridas permaneçam ao longo do tempo e que deixem de ser uma questão, para serem um dado adquirido. Não acho que seja lógico que algo que tenha mais de 50 edições, com uma história que vem desde 1931 e com o investimento que já foi feito, nas condições de segurança da pista, no paddock, na magnífica sala de imprensa, seja terminado. Seria uma pena tremenda perder isso.”

No entanto, já aconteceu no passado eventos de grande monta serem terminados por falta de vontade política. Rui Santos admite que a vontade política será sempre um fator fundamental para que as corridas aconteçam ou não:

“Temos o exemplo do Porto, com o Dr. Rui Rio. Uma pessoa que, quer se goste ou não, sabe fazer contas. Uma coisa sabemos bem, é que ele fazia muito bem o estudo do investimento e do retorno em tudo o que era eventos na cidade do Porto. O Dr. Rui Moreira não considerou prioritário o investimento no Circuito da Boavista e abandonou esse caminho. É muito difícil que a política não esteja ligada às corridas pois a infraestrutura é pública. O circuito é feito nas ruas da cidade, algumas da cidade, outras da Infraestrutura de Portugal. A infraestrutura do circuito é do município. A candidatura a fundos comunitários ou outros tem de ser feita pela autarquia. É muito difícil imaginar corridas sem esta ligação e sem os custos políticos que isso acarreta. Há pessoas que gostam destes eventos, outras que não, com tudo o que isso implica.”

“Já pensamos numa nova estrutura organizacional”

A estrutura organizacional do Circuito Internacional de Vila Real é amadora. Pessoas que abdicam do seu tempo livre para trabalharem nas corridas das mais variadas formas. E esse tem sido, em parte, o segredo do sucesso. A abnegação, a dedicação sem limites das pessoas que ajudam a montar e organizar este evento é a chave do sucesso. Obviamente que para Vila Real se manter apelativa e interessante, será necessário ponderar algumas mudanças, algo que Rui Santos admitiu estar em curso:

“Já pensamos numa nova estrutura organizacional, mas a pandemia parou este processo. Havia aqui ou ali uma reflexão para poder ou não, introduzir um certo grau de profissionalismo. Até 2019 tudo correu bem, paramos estes dois anos, vamos agora no final desta prova ver o que correu bem, o que correu mal e tomar os passos para continuarmos a evoluir. Uma organização semiprofissional tem vantagens e desvantagens. Fazemos as corridas com metade do dinheiro do Porto e as nossas corridas não são piores que as do Porto. E isso é possível graças à paixão, ao voluntarismo, à envolvência das pessoas que dão o melhor de si. Isso traz um sentimento de pertença que o dinheiro não compra. E isso traz-nos vantagens e, aqui e ali, algum inconveniente. Tendo visitado outros circuitos do WTCR, tendo falado com várias pessoas ligadas às corridas, como pilotos, mecânicos, membros da organização do campeonato, uma das coisas que nos dizem sempre, e pelo qual somos muito elogiados, é que nunca dizemos que não a nada. Encontramos sempre uma solução para os problemas. Em alguns locais, com estruturas profissionais, não há a mesma entrega e aqui o improviso é fundamental. Temos de nos adaptar à realidade e à necessidade do momento, tendo em conta que já temos alguns profissionais das corridas, com a única diferença é que não recebem. Mas a dedicação é inquestionável e ao nível dos maiores profissionais. No entanto, estamos atentos e saberemos mudar o que for necessário para manter o nível das nossas corridas. Ainda não foi por causa deste modelo que fomos impedidos de dar o salto que queríamos. Temos contactos com vários promotores, alguns das melhores competições do mundo, que mostram interesse em vir cá, mesmo com esta estrutura que temos.”

“O circuito vai muito para além dos fundos comunitários”

A questão levantada dos fundos comunitários foi, de alguma forma pertinente. Há muitas pessoas a acharem que sem fundos comunitários, as corridas não acontecem, o que pode causar alguma insegurança, mas o presidente da autarquia vila-realense fez questão de apaziguar essas inseguranças:

“O circuito vai muito para além dos fundos comunitários. Há patrocinadores que cobrem já uma parte importante do custo da organização. Pelo menos 25%. Há fundos comunitários, há fundos nacionais, há patrocinadores e claro, há a câmara municipal. Se me pergunta se é possível fazer crescer a fatia dos patrocinadores, sim, é. Mas mesmo assim é necessário pensarmos bem como o fazemos, sem esquecer que o mais importante é a ligação das pessoas ao circuito. Sem essa ligação nada disto faz sentido. Assim, temos que encontrar um equilíbrio entre patrocinadores que nos permitam fazer a nossa festa, mas não de forma que os locais se sintam afastados de uma festa que é deles, para eles. Não estamos nem perto da otimização que pretendemos. Mas cada passo tem de ser muito bem ponderado. Essa ponderação está a ser feita e se não fosse a pandemia estaríamos num estado de desenvolvimento superior. E eu não tenho a certeza, para a sustentabilidade do circuito, se é preferível um parceiro forte que, quando cai, nos deixa numa situação complicada, ou vários parceiros mais pequenos que nos permitem ter uma base mais sólida, e ao mesmo tempo mais flexível. A única certeza que tenho, é que nunca colocarei em risco as contas do município por causa das corridas ou de qualquer outro evento.”

O Circuito de Pau apresentou uma abordagem muito interessante este ano. O evento voltou-se para as energias renováveis, com a presença de alguns carros elétricos e híbridos e o conceito de combustíveis sustentáveis está cada vez mais presente. O WTCR é oferecido agora por um combustível feito à medida, com 15% de componentes renováveis desenvolvidos pelo fornecedor oficial P1 Racing Fuels, o que significa que todos os carros WTCR utilizam combustível sustentável. Vila Real também está atenta a essa nova realidade:

“Há algo que temos de entender também é que a indústria automóvel atravessa uma transição e até há bem pouco tempo parecia que os carros com motor de combustão interna tinham passado à história. De repente as petrolíferas apresentaram a solução dos combustíveis sintéticos que contribuem significativamente para a neutralidade carbónica e tendo uma infraestrutura montada com esse propósito, faz sentido aproveitá-la ao mesmo tempo que se consegue reduzir as emissões. Estamos atentos às novas tendências, mas sabemos que são isso mesmo… tendências. Por isso temos de ter muito cuidado com as decisões que tomamos para o presente e o futuro.”

“Se uma competição sair de Vila Real, temos alternativas”

Outro dos pontos de conversa é o momento atual do WTCR. Com apenas 17 inscritos para a época toda, a Taça do Mundo vive um momento de menor fulgor, mas nada que preocupe Rui Santos. Vila Real escolhe as competições que recebe, olhando a vários fatores:

“Mesmo a escolha das competições tem de ser muito bem ponderada. Felizmente temos muito interessados em correr em Vila Real. Mas há uma ligação também do público, das pessoas, aos pilotos que não pode ser esquecida. Há pilotos que já vão a casa das pessoas, há ligações que se criam e que não devem ser quebradas. Vila Real é único por vários motivos e não podemos esquecer esses fatores nas várias escolhas que fazemos, correndo o risco de perdermos o que realmente é importante para este evento. Mas temos alternativas para o futuro. O que eu garanto é que estamos atentos e estamos sempre a pensar um ano ou dois à frente. E se uma competição sair de Vila Real, temos alternativas.”

Outra das metas do município é estender as corridas ao longo do ano. Vila Real é a Capital do Desporto Motorizado, o que se sente de forma clara no fim de semana das corridas. No resto do ano isso não acontece, mas o município está a desenvolver iniciativas para que a bandeira da cidade seja bem visível ao longo do ano:

“Temos a ideia de continuar a trabalhar no projeto do museu, assim como outras iniciativas mais amiúde, envolvendo tudo o que está ligado ao automobilismo. A ideia é que neste recomeço, voltemos a pensar nesse tipo de atividades que mostrem claramente que Vila Real é a capital do automobilismo, 365 dias por ano. Temos consciência que é preciso fazer algo mais durante o ano e que as corridas não são apenas em junho ou julho. Queremos imbuir cada vez mais a cidade no espírito das corridas. Mas as pessoas que não duvidem que as corridas “acontecem” durante todo o ano, pois os frutos do trabalho que fazemos nesta festa por vezes aparecem de onde menos se espera.”

Se há algo que podemos retirar desta conversa, é que gerir um evento destes exige uma sensibilidade especial. Não se trata de um evento feito num autódromo. É uma cidade que se transforma num circuito, uma vez por ano, com tudo o que isso implica. É uma transformação fascinante, mas que é também algo incómoda. Mais que isso, Vila Real é especial pela proximidade com as pessoas. Um circuito feito por pessoas de Vila Real, para pessoas da mesma cidade e do resto do mundo. Essa comunhão especial tem de ser gerida com cuidado, pois demasiado trabalho pode desmotivar as pessoas, mas desligar completamente as pessoas da organização circuito seria o primeiro passo para se desligarem do próprio evento. O município tem isso em conta e pretende manter acesa essa chama. Mais ainda, Vila Real é apelativa, com vários campeonatos a interessarem-se. Ainda no ano passado foi notícia a possibilidade falhada da Fórmula E passar por Vila Real, devido à pandemia. O AutoSport sabe, de fonte segura, que estava tudo pronto para avançar e não fosse o confinamento, Vila Real teria recebido os monolugares 100% elétricos. Outros campeonatos, com máquinas distintas dos Fórmula E, estiveram prestes a vir a Vila Real em 2020. Não faltam interessados. Assim, os alicerces para o futuro do circuito parecem minimamente sólidos. Dependem sempre das vontades políticas, mas se o público regressar em força este ano às ruas de Vila Real, os responsáveis presentes e futuros terão a prova que um evento destes deve perdurar. Assim o desejamos.

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2 Comentários
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TEXAS
1 ano atrás

Campanha politica feita…

Agora necessitava de uma resposta, visto ser daqueles que vai lá gastar dinheiro: quando irão ser os bilhetes postos à venda?

É que perguntamos à organização, via redes sociais, email e por telefone e ninguém, absolutamente ninguém, sabe dizer.

fernando-teixeira-de-sousa
fernando-teixeira-de-sousa
1 ano atrás

Circuito citadino era ele nos anos 70 e proporcionava corridas emocionantes com conduções e despiques fora do comum. Por isso vinham os grandes da Europa cá correr. Depois pelas famigeradas ” condições de segurança” transformaram o que era belo, num carrossel de rectas e rotundas onde não há lugar a nenhuma ultrapassagem. Vila Real nunca mais foi a mesma. E para ser parecida ao que era o circuito atual teria de levar uma revolução total para não dizer que teria de ser praticamente novo.
Façam e digam o que entenderem mas é somente a minha opinião.

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