24h Le Mans: Os Hypercar chegaram a La Sarthe

Por a 17 Agosto 2021 16:30

A 89ª edição das 24h de Le Mans ganha um peso ainda maior na história do endurance pois será a edição em que os Hypercars se vão estrear no mítico traçado francês.

A história do nascimento dos Hypercars é bem conhecida de todos os que seguem o endurance. Os LMP1 foram máquinas espantosas quer na performance em pista quer na exigência financeira e as equipas começaram aos poucos a retirar-se. Era preciso uma solução mais simples, mais barata, que convencesse as marcas, mas que permitisse aos privados competir também. Depois de mais de dois anos de avanços e recuos, chegaram as regulamentações com uma visão completamente diferente do que é habitual atualmente.

Os LMP1 usavam um tipo de regulamento semelhante ao que vemos na F1, muito restritivo, com regras que muitas vezes impediam o uso de soluções diferenciadas e por isso os LMP1 tinham aspetos semelhantes. O objetivo era ter carros com tecnologia de ponta, e performances de cortar a respiração. Para os Hypercar essa visão foi abolida e agora o que as regras definem são janelas de performance. Ou seja, os responsáveis do campeonato definiram potência máxima, carga de apoio aerodinâmico máximo e outro conjuntos de parâmetros ligados à performance, sem no entanto definirem o que pode ser ou não feito no carro, o que dá muito mais liberdade aos engenheiros para tentarem soluções diferentes e, mais que isso, permitia que os carros tivesse linhas mais aproximadas ao que os fabricantes usam nos seus carros de produção. Os LMP1 eram máquinas fantásticas mas completamente desprovidas de linhas que os fãs pudessem identificar como sendo de uma ou outra marca, o que logicamente retirava algum peso ao nível do marketing. Assim com esta solução teremos carros com uma identidade própria e isso já se começa a ver com a proposta da Peugeot, completamente diferente da apresentada pela Toyota e pela Glickenhaus. Passou-se a olhar para o espetáculo e os custos como prioridades e não para a tecnologia e inovação.

Este conjunto de regulamentos além de permitir carros diferentes, permite também que estruturas como a Glickenhaus possam competir também. Com carros maiores, mais pesados e mais lentos, os custos de produção baixaram e os carros tornaram-se mais baratos de construir. A abertura a novos conceitos e a homologação por cinco anos faz com que o desenvolvimento constante não seja uma preocupação. Os carros são desenvolvidos o quanto as marcas quiserem, mas depois de homologados manter-se-ão iguais até ao fim do período definido, o que diminui drasticamente os custos de desenvolvimento. A aerodinâmica simplificada também permite poupança pois agora os carros terão apenas um kit aerodinâmico para toda a época e apenas um elemento poderá ser ajustável. No caso da Toyota é a asa traseira, na Glickenhaus é um elemento aerodinâmico colocado na frente do carro e no Peugeot 9X8 será uma superfície específica para o efeito.

Todo este conjunto, muito mais interessante a olho nu, confere uma diversidade que aumenta com a possibilidade de usar, ou não, um sistema híbrido. Com a diminuição da potência total para os 700 cv (contra os 1000cv dos LMP1), os motores de combustão ganharam mais relevância e o sistema híbrido perdeu força contribuindo agora com apenas 268 Cv (contra os 400 cv dos LMP1). Agora temos motores de combustão maiores, assumindo o papel principal no fornecimento de potência às rodas. Esta menor exigência no sistema híbrido contribui para a simplificação e redução de custos. O sistema híbrido deixa de ser coprotagonista com o motor de combustão e passa apenas a ser um ator secundário. Se, como a Glickenhaus, não houver vontade de usar um carro híbrido, a performance não sai prejudicada pois os regulamentos terão um sistema de Balance of Performance. Com isto, os andamentos dos carros serão equivalentes, mesmo que usem tecnologias diferentes. Uma das grandes vantagens dos LMP1 híbridos contra os não-híbridos era a saída de curva, com os motores elétricos a darem potência imediata na tração integral dos carros, enquanto os não-híbridos estavam limitados por terem um sistema de tração traseira apenas e com as limitações nas curvas de potência que os motores a combustão. Com os Hypercars isso não acontece e o sistema híbrido entra apenas quando o carro ultrapassa os 120 km/h retirando essa vantagem e facilitando a tarefa de equivaler performances.

As regras da LMH permitem duas escolhas nos pneus. Os carros podem funcionar com pneus 14 polegadas à frente e atrás ou 13,5 à frente e 15 atrás. A Toyota seguiu a primeira via, a Glickenhaus a segunda. A ideia é que as traseiras mais largas compensem a vantagem em termos de desgaste dos pneus num carro com tração dianteira. Na Toyota a escolha passou por também aproveitar a tração do eixo dianteiro, onde está montado o motor elétrico.

Tudo isto foi pensado para equilibrar performances, melhorar o espetáculo, cortar custos e assim convencer as marcas. Mas também foi pensado para permitir uma convergência com o IMSA. Se numa primeira fase o ACO não se queria unir aos americanos, a recepção fria dos novos regulamentos levou o ACO a rever a sua posição e os regulamentos dos Hypercar foi alterados para ficarem em sintonia com a ideia americana. A decisão foi sensata e com as marcas a poderem competir em Le Mans e Daytona com apenas um investimento o interesse subiu em flecha e as marcas começaram-se a associar, quer à filosofia americana LMDh, quer à filosofia europeia LMH (Hypercar).

A nova era do endurance chega finalmente à sua casa espiritual, e os novos bólides da Toyota e da Glickenhaus enfrentarão pela primeira vez as exigências da prova. É um grande passo pois a expectativa em torno dos novos regulamentos e da convergência com o IMSA é grande e poderá dar-nos uma das melhores eras de sempre do endurance, com um número incrível de marcas envolvidas, variedade nas máquinas e uma competição que se espera equilibrada e emocionante. Le Mans será uma espécie de entrada, numa receita ainda cozinhada a lume brando e sem o sabor que o prato principal promete. Se os responsáveis conseguirem que a convergência funcione teremos corridas espetaculares, com carros distintos, ideias e filosofias distintas, além de podermos ver as mesmas máquinas em Le Mans e Daytona. É uma oportunidade de ouro que os responsáveis do ACO e IMSA devem agarrar com unhas e dentes. E os Hypercar, apesar do desinteresse inicial, podem permitir algo que há muito não vemos nos protótipos. Variedade. Não teremos performances de topo, é certo, mas o interesse tecnológico poderá vir da forma como os engenheiros chegam aos objetivos traçados. E nem sempre os carros mais rápidos nos deram as melhores corridas. Foi um passo difícil de dar, mas que tem potencial para ser bem sucedido.

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can-am
can-am
2 anos atrás

Apenas sob o aspecto estético o Toyota, mais largo e comprido, tem um visual bem mais agradável que os protótipos atarracados que têm corrido nos últimos 10 anos que conseguiam ser mais estreitos que os GTs, e que não tinham qualquer impacto visual de prender a atenção. O Peugeot e o Ferrari seguem a mesma linha, comprida e larga como um protótipo deve ser. Falta serem mais baixos, como os antigos, mas a FIA não permite por medo da segurança. O Glickenhaus nem tanto. Os carros são para já bem mais lentos,mas irão, como sempre, ganhar velocidade com o passar… Ler mais »

Last edited 2 anos atrás by Speedway
mpedro
mpedro
2 anos atrás

Está tudo muito bem até chegar ao “Balance of Performance”.
Ou seja, corta-se a quem trabalhou melhor e dá-se a quem trabalhou pior.
Do meu ponto de vista completamente anti desportivo.

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