Mercedes: Adeus DTM, olá Fórmula E…

Por a 7 Setembro 2018 14:08

Após 30 anos, a Mercedes diz adeus ao DTM no final da temporada de 2018. No verão passado, a notícia da debandada da Mercedes-AMG caiu como uma bomba paddock do campeonato. Afinal a Mercedes estava para o DTM como a Ferrari está para a Fórmula 1

De um momento para o outro, o DTM passou de um dos campeonatos mais sólidos a nível mundial para entrar num estado comatoso. Para agravar a consternação, a Mercedes-AMG anunciou ao mesmo tempo que iria juntar-se ao Campeonato FIA de Fórmula E, uma competição que ainda não conquistou o coração dos mais puristas adeptos do automobilismo.

Desde 1988, quando se juntou ao DTM como equipa de fábrica, a Mercedes-AMG Motorsport DTM Team arrebatou 10 títulos de pilotos, cinco deles com Bernd Schneider, assim como 13 de equipas e seis de construtores. Ao todo, o construtor de Estugarda celebrou 187 vitórias e 553 posições de pódio; números impressionantes e que também tiveram a mão do português Domingos Piedade, que durante anos a fio foi uma peça fundamental nos sucessos da AMG.

Para a temporada do adeus, a Mercedes-AMG não poupou esforços: “O nosso objectivo é terminar em beleza este capítulo da sua história. Não é só por nós, mas pelo DTM”, explica Ulrich Fritz, o CEO da HWA, estrutura que gere as atividades desportivas da Mercedes, com a exceção da Fórmula 1.

Após tantos e tantos anos no DTM, é facilmente percetível em qualquer conversa banal sobre o assunto, seja com as figuras de proa da companhia ou com o incógnito funcionário do catering, que é com enorme mágoa que muitos destes homens e mulheres se prepararam para a despedida.

“Contínuo a acreditar que vão mudar de ideias”, confessa, com pouca convição, o piloto catalão Daniel Juncadella a um grupo de jornalistas espanhóis. “É um campeonato em que podes medir forças com os melhores, onde dá imenso gozo correr.”

A tristeza do abandono só aumentou a vontade de vencer este ano. A equipa do DTM foi recuperar Pascal Wehrlein à Fórmula 1 e deu uma nova hipótese ao espanhol Juncadella. Ambos juntaram-se a nomes incontornáveis do campeonato como são os de Edoardo Mortara, Lucas Auer, Gary Paffett e Paul Di Resta. E os resultados estão à vista. Os Mercedes-AMG C 63 DTM dominaram a primeira metade do campeonato e somam já seis triunfos em 10 possíveis, num total de 17 pódios.

Não foi capricho

A decisão de rumar à Formula E foi tomada nas altas esferas da marca e não se tratou de um mero capricho administrativo. Apesar dos números das vendas ainda não o justificarem presentemente, a necessidade de um projeto desportivo com veículos elétricos e a impossibilidade de manter dois projetos a operar ao mesmo tempo forçaram a esta resolução “desportivamente controversa”.

Ao mesmo tempo é preciso compreender que a realidade do DTM de hoje não é a mesma de um passado não muito distante. Isto apesar da chegada de Gerhard Berger à liderança da ITR, empresa que gere os destinos do campeonato, ter dado um novo impulso ao campeonato. O DTM tem perdido público nos circuitos e audiências televisivas, principalmente no coração do campeonato, a Alemanha, onde rivaliza com outras competições do desporto motorizado, mas também com outros desportos nas tardes dos fins de semana. Até o número de jornalistas que acompanham o campeonato decresceu. Um olhar atento às decorações dos 18 carros permite perceber que os patrocinadores presentes não têm a pujança de outros de outrora. A isto, ainda há que acrescentar os custos de participação proibitivos do atual Deutsche Tourenwagen Masters.

O muito antecipado regresso da BMW em 2012 deu um safanão inesperado no campeonato. Não foi por mero acaso que o construtor de Munique ganhou logo no seu primeiro ano. O construtor da Baviera entrou com tudo e obrigou as rivais Mercedes-AMG e Audi a fazerem um esforço suplementar para o conseguirem acompanhar. As corridas deixaram de se decidir só nas pistas, mas também a milhares de quilómetros, nos quartéis-generais, onde correm custosos programas de simulação e foram feitos investimentos absurdos em minúcias aerodinâmicas que passaram completamente despercebidas ao comum espetador.

As marcas não gostam de falar publicamente de quanto gastam nos seus programas desportivos, mas os valores investidos pelos construtores no DTM rondarão os 40 a 60 milhões de euros por temporada, com a Mercedes-AMG a posicionar-se no “low side” desta faixa. Estes valores elevadíssimos, a maior parte alocados para pesquisa e desenvolvimento, e a profunda raiz alemânica do campeonato, foram, ao longo dos últimos anos, afastando um eventual interesse de outros construtores e obrigaram o DTM a implementar cortes significativos no desenvolvimento aerodinâmico já este ano, acelerando, por outro lado, as conversações para a celebração do acordo com o campeonato japonês Super GT para o lançamento da plataforma comum, “Class 1”, já em 2019.

Para além disso, a Mercedes-AMG também não digeriu de bom grado a forma como a BMW, com Marco Wittmann, venceu em 2016 um campeonato envolto de polémica e foi bastante vocal contra os “pesos de performance” utilizados até praticamente ao final da temporada passada, que prejudicavam os C 63 DTM.

Contudo, as estórias do automobilismo têm um peso reduzido quando comparado com as centenas de milhões de euros que a Daimler vai colocar nos próximos anos no desenvolvimento e produção de veículos elétricos. E como a Fórmula E é, por agora, a única competição adequada para os EV, a Mercedes-AMG ficará pela primeira vez na sua história sem um produto para oferecer nos carros de Turismo. O conceito TCR não aparenta interessar e, enquanto não surge um campeonato de carros de Turismo elétricos realmente atrativo, o Customer Racing da Mercedes-AMG vai continuar entretido na produção e venda dos seus modelos de sucesso das categorias GT3 e GT4.

E agora?

Cerca de centena e meia dos 300 funcionários da HWA estão envolvidos só no projeto do DTM e nem todos vão ser absorvidas pelo projeto da Fórmula E. Só num fim de semana de DTM, a Mercedes-AMG tem, como limitam as regras, 64 técnicos no terreno, um número dois terços superior ao que uma equipa de Fórmula E pode ter em campo num fim de semana. Algum pessoal, aquele com ligações à Daimler, irá rumar à Fórmula 1, enquanto outro, principalmente de formação técnica, será colocado ao serviço de uma vintena de outros projetos especiais e estudos em curso. Garantida está a continuidade de todos os postos de trabalho.

Quando anunciou a sua retirada do DTM, a Mercedes-AMG deixou claro que “não iria colocar pedras no caminho do campeonato” e, com um riquíssimo “know-how” na categoria, está disposta a colaborar com quem quer que esteja interessado em entrar no campeonato. Já ceder os seus carros a equipas privadas ou continuar a participar no DTM como HWA, sem o suporte da casa-mãe, são tópicos fora de questão. “Não que não fossemos capazes de o fazer em termos de engenharia e staff”, reconhece Ulrich Fritz, o CEO da HWA, “mas seria produtivo competir com equipas privadas contra equipas de fábrica inscritas por construtores? Provavelmente não. Para além disso, penso que é difícil que um projeto desta natureza possa ser sério e viável dependendo de financiamento privado.”

Um projeto para colocar dois carros a competir no DTM rondará os 3 a 6 milhões de euros, dependendo de diferentes variáveis, quantias difíceis de granjear por qualquer estrutura privada. Dos seis chassis que este ano vemos a competir no DTM, mais um sétimo que está a ser preparado em Affalterbach para um piloto convidado, um ou dois ficarão para o espólio da marca, enquanto os outros serão vendidos a colecionadores privados, que podem desfrutar da sua condução em track-days ou eventos privados, mas não estão autorizados a usá-los em competição.

Todavia, seria um enorme desperdício trancar numa gaveta todo o conhecimento adquirido até aqui e tudo indica que a HWA continuará com pelo menos um pé no DTM para além 2018 (ver caixa).

Novo mundo elétrico

Não será com certeza no dia 15 de outubro, um dia depois da última prova da temporada 2018 do DTM, que em Affalterbach se vai começar a pensar na Fórmula E. Esse processo teve início há mais de 12 meses.

A HWA, que carrega as iniciais de Hans Werner Aufrecht, o fundador da AMG, entrará no Campeonato FIA de Fórmula E uma temporada mais cedo que a Mercedes EQ Formula E Team, continuando a abrir o caminho para preparar a muito esperada grande batalha com as rivais Audi, BMW e Porsche.

Em parceria com a Venturi, colaboração essa que se iniciou já na recém-terminada temporada de 2017/2018, a HWA vai colocar no terreno os seus técnicos e os seus pilotos. Por seu lado, a equipa de Fórmula E da Venturi Automobiles, que terminou no sétimo lugar entre as 10 equipas que participaram na quarta temporada, emprestará aos germânicos, neste ano de aprendizagem e de absorção de conhecimento, os propulsores fabricados pelo ZF Group.

“A Fórmula E é uma disciplina do automobilismo completamente nova e com concorrência extremamente forte”, explica Fritz. “A HWA AG é a equipa com maior sucesso sempre na história do DTM e o nosso objetivo é continuar a história de sucesso da empresa na Fórmula E.”

A vontade em sair-se bem é tão grande que a HWA foi reforçar-se à arqui-rival Audi, contratando o engenheiro Franco Chiocchetti, figura instrumental na conquista do título de Lucas Di Grassi na terceira temporada. Ao mesmo tempo, a equipa montada pelo milionário monegasco Gildo Pallanca Pastor também já assegurou os serviços de Felipe Massa para a próxima temporada. Emprestados pela HWA, Maro Engel e Edoardo Mortara defenderam as cores da Venturi na quarta temporada e possivelmente um deles continuará na equipa. A entrada da Mercedes EQ Formula E Team na sexta temporada abrirá mais duas vagas para os pilotos do “Universo Mercedes”, com Gary Paffett, Lucas Auer e Pascal Wehrlein a assumirem-se como os mais sérios candidatos.

Quando a Mercedes EQ Formula E Team entrar em força na sexta temporada, a HWA adotará o papel de parceiro logístico e tecnológico, devendo ser igualmente responsável pelas operações no terreno nos fins de semana de corridas. Todavia, a cooperação com a Venturi Formula E Team não deverá cessar completamente. Até porque a influência germânica dentro da Venturi Formula E Team continua a crescer. Susie Wolff, ex-piloto de testes da Williams F1 e esposa de Toto Wolff, responsável máximo por todas as atividades desportivas da grande família da Mercedes, tornou-se acionista da estrutura e será a diretora desportiva da equipa a partir da próxima temporada.

Por seu lado, a Mercedes vai integrar o projeto Fórmula E nas suas atividades desportivas para maximizar os conhecimentos e recursos que tem em mão. Os propulsores irão nascer na HPP de Brixworth, em Inglaterra, onde o construtor alemão produz as suas unidades de potencia para Fórmula 1, enquanto em Brackley, onde nascem os chassis de Fórmula 1, uma pequena equipa de técnicos irá igualmente colaborar diariamente nesta ofensiva.

E porquê toda esta aposta na Fórmula E? Porque a Mercedes-Benz Cars planeia lançar 10 novos modelos elétricos até 2020, prevendo que dois anos depois todo o portfólio da Mercedes-Benz vá ter pelo menos uma oferta elétrica por segmento. A Daimler assume que 15 a 25% das vendas da Mercedes-Benz em 2025 serão EVs. A Mercedes-Benz Cars irá investir 10 mil milhões de euros na expansão elétrica e cerca de mil milhões de euros numa rede global de produção de baterias. Perante a preponderância destes números, a Fórmula E ainda só custa por temporada metade do DTM.

Sérgio Fonseca

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