FATO DE COMPETIÇÃO: 935 K3, o “parente” pobre do “Moby Dick”

Por a 26 Julho 2023 11:47

Na altura com 40 anos de idade, o Porsche 935 K3 com que Carlos Barbot ganhou a derradeira corrida do programa do Circuito de Vila Real de 2008 era ainda capaz de impressionar qualquer piloto. Até mesmo quem já andou de F1…no caso, Pedro Matos Chaves

Fiquei com algumas reservas depois de receber a notícia de que ia testar para o AutoSport um Porsche que alguém apelidou de “Moby Dick”. “Moby Dick”? Vamos para o alto mar? Isso não é perigoso?  Sinceramente, não me lembrava desse carro. Em 1978 quando, pelos vistos, ele fazia furor, eu juntava dinheiro para ir ao Estoril ver o Mundial de Karting disputado no ano seguinte e com 14 anos o que me ficou mesmo gravado na memória foi quando, eu e os meus amigos, fomos obrigados a sair de fininho de um pequeno restaurante porque afinal não tínhamos juntado tanto dinheiro assim…

Histórias à parte, o Porsche 935 K3 (parece que é assim que realmente se chama) é bastante agradável à vista. Linhas agressivas… e mais uma série de outras figuras de estilo que podia empregar se fosse poeta ou estilista, mas que, nem vale a pena já que o que interessa mesmo é medir o pulso a esta espécie de cetáceo de pista. Antes disso, só mesmo dar uma olhadela para toda a instrumentação do “cockpit”, onde destaco o manípulo para regular a pressão do turbo e o da afinação das barras de torção (importante devido ao diferente comportamento que o carro tinha com o depósito cheio e vazio nas corridas de resistência de outrora). “Bora” dar gás…

De bestial a besta…

Cinco ou seis voltas, deixam para me pôr a suar. É um animal difícil de domesticar este, simplesmente porque tem motor a mais e chassis a menos. É um carro que se guia com o físico e com a força de braços que tem que estar em perfeita harmonia com o acelerador. Na prática, pelo peso dos anos, pode-se dizer que nada passa despercebido ao chassis deste 935 K3, o que faz com que andar a direito à saída das curvas seja um “quebra cabeças” pois os dois turbos são brutais e não pedem licença para entrar! É verdade que “acordam tarde”, mas quando “acordam”, entre as 5000 e as 8000 rotações e, sobretudo, entre as 6300 e as 7500 são explosivos, dando-nos um tremendo “coice” e que nos imediato acorda para a realidade de termos que domar 550 cavalos (com a pressão do turbo de 1,2 bar, pode-se chegar aos 580!).

Mas, o principal problema nem é esse. É que como nesta altura os engenheiros da Porsche nem sequer sabiam o que era o ALS, os “pulmões” do turbo demoram um ou dois segundos a encher, obrigando o piloto a calcular o tempo de espera preciso para não ser surpreendido a meio da curva e gozar a descarga na altura certa. Para aumentar a aceleração de… cabelos brancos, o facto do pedal do acelerador não ser progressivo (ou seja, funcionar quase por “clicks”, o que não é normal e se poderá ficar a dever a um problema técnico) vêm agravar, sobremaneira, a exigência da sua condução e tornar o carro numa verdadeira besta.

Assim, a trajectória escolhida para cada curva tem que ser coordenada de acordo com a percentagem de acelerador dada e o tempo da sua resposta para evitar, por exemplo, fazer toda a recta entre a curva do Gatilho e a direita seguinte (no Circuito Vasco Sameiro) em “power slide”, com as rodas traseiras a patinarem a 100 km/h! Mas as dificuldades não acabam por aqui. A direcção, demasiado desmultiplicada e o volante excessivamente grande, colocam à prova ainda mais as capacidades do piloto, fazendo com que só com treino seja possível ser totalmente eficaz e preciso na colocação do carro nas curvas.

…E de besta a bestial!

Por falar nisso e avaliando o trabalho da suspensão, pode-se dizer que o Porsche ex-Interscope é bastante honesto. Mesmo sem serem afináveis, as suspensões não comprometem a inserção em curva, se bem que quando estamos já no seu interior (antes do “apex”, no momento em que o pé está a passar do travão para o acelerador), o carro ganha uma súbita tendência subviradora que penso poderia ser anulada, por exemplo, com mais camber. Uns décimos mais tarde (à saída do “apex”), o Porsche volta a fugir ligeiramente de frente, mas aí, essa saída é já positiva pois num carro tão potente não se pode ter a frente “amarrada” ao chão e ser apenas a traseira a escorregar sob pena dos pneus sobreaquecerem, a motricidade diminuir drasticamente e o cronómetro penalizar.

Voltando atrás e ainda ao desempenho do motor, convém acrescentar que utilizar a técnica do “ponta e taco” é essencial para evitar encomendar a sua alma ao Criador mais cedo e também para se conseguir acertar o chassis pois é fácil ser enganado e pensar-se que o carro está a fugir de traseira à entrada da curva quando, na verdade, apenas não se está a fazer um bom “ponta e taco”. Para além, disso também melhora o desempenho da caixa de velocidades cujas engrenagens são mais fáceis de fazer, apesar de terem um curso para aí de um palmo entre cada uma das quatro velocidades. Todavia, a precisão não merece reparos nem a queda de rotações a cada passagem já o mesmo não se pode dizer do “rapport” que, pelo menos para o circuito de Braga, tem uma primeira demasiado longa.

Sem comprometer minimamente estão os travões do Porsche. Potência e estabilidade dos enormes discos com a mesma medida à frente e atrás são uma mais valia no carro de Estugarda cujo sistema de travagem suporta perfeitamente as exigências dos 240/250 km/h a que se chega ao final da recta da meta de Braga!

Em resumo, trata-se de um carro à antiga, sem ajudas electrónicas e que, por isso, faz sobressair a qualidade do piloto. Sem dúvida que é preferível um grande motor com pouco chassis do que um grande chassis com pouco motor! Por outras palavras não me convidem para guiar PTCC’s e outros que tais, enquanto existirem carros destes…

935 K3, o “parente” pobre do “Moby Dick”

A história do Porsche 935 K3 (a terceira variação do modelo 935) pertença de Carlos Barbot tem já quatro décadas. Não se trata de uma das 13 unidades originais fabricadas pelos irmãos Manfred e Erwin Kremer (dessas 13 uma delas chegou a ganhar as 24 Horas de Le Mans em 1979) já que este 935 apenas foi transformado em K3 somente em 1980, dois anos depois de ver a luz do dia. Entre 1978 e 1980, o carro pertenceu à equipa Interscope tendo sido guiado por Danny Ongais e Ted Field no campeonato IMSA. Depois disso, a equipa Thunderbird Swot Shop, de Preston Henn adquiri-o e obteve o melhor resultado de sempre deste chassis (nº 930 890 0021) com a vitória na corrida de Lime Rock, com John Paul Sénior e John Paul Júnior ao volante, já depois de ficar em segundo nas 24 Horas de Daytona em 1980 (com John Paul Júnior e Al Hobert). Depois de duas épocas irregulares no campeonato IMSA em 1981 e 1982, o carro andou na mãos de coleccionadores até chegar às mãos de Monte Shelton que o fez correr no Festival Monterey em Laguna Seca antes de Barbot o adquirir.

É verdade que o 935 K3 não é ainda a versão oficial criada pela Porsche apelidada de “Moby Dick”, mas se tivermos em conta que, segundo os números da altura, o K3 já poderia atingir (com uma pressão de turbo de 1,7 bar) os 800 cavalos e dar 365 km/h, é suficiente para se perceber que se tratava já de um carro de eleição!

CARACTERÍSTICAS

Motor traseiro, longitudinal, 6 cilindros em linha, 12 válvulas; Cilindrada (c.c.) 3164;

Potência Máx. (cv/rpm) 550/8000 (variável); Binário Máx. (Nm/rpm) 510/3500 (variável); Alimentação Injecção Bosh e duplo turbo KKK; Transmissão Tracção traseira com caixa manual de quatro velocidades; Suspensão McPherson à frente, com triângulos sobrepostos e mola e amortecedor. Duplos triângulos sobrepostos atrás, com mola e amortecedor e barra anti rolamento; Travagem Discos ventilados e perfurados à frente e atrás; Comp./Larg./Alt. 4820/1985/1150 mm; Peso 970 kg; Vel. máx. 365 km/h (na época); 0-100 km/h 3,5s (aproximadamente); Consumo médio 67 l/100.

Pedro Matos Chaves e Filipe Pinto Mesquita

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canam
canam
8 meses atrás

O Porsche 935 teve imensas evoluções, com motores, mecânica e formas muito diferentes. Tudo vem daquele 911 turbo que fez o mundial de 74, o qual por seu lado também teve algumas interpretações diferentes de cá e de lá do Atlântico. O Moby Dick foi de facto a versão mais extrema, e a marca não prosseguiu com ele…porque não tinha necessidade disso. Os privados ganhavam por ela. Agora os carros mais extremos silhuetas foram os alemães do DRM, Ford Capri Turbo Zackspeed e BMW 320 Turbo Schnitzer, nas suas últimas versões. O Ford Capri turbo da divisão I, batia todos… Ler mais »

Last edited 8 meses atrás by Canam
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