António Félix da Costa: “A Fórmula E, é o sítio ideal para estar, e espero também vencer Le Mans”

Por a 20 Fevereiro 2020 11:29

Por Fábio Mendes

António Félix da Costa foi eleito pelos leitores do AutoSport com o melhor piloto nacional da década, numa votação em que bateu Filipe Albuquerque e Tiago Monteiro. Connosco, fez o balanço dos seu últimos dez anos de carreira e deixou alguns desejos para o futuro.

A conversa com Félix da Costa foi como sempre em tom leve e descontraído. Já em preparação para o E-Prix do México, o piloto dispensou algum do seu tempo para falar connosco e começou por agradecer aos leitores do AutoSport pela distinção: “Na minha vida e na minha carreira não faço as coisas para ter este tipo de reconhecimento e não é esse o objetivo final, mas obviamente que fico feliz por ter sido eleito o piloto da década pelos leitores do AutoSport. Significa que fiz algumas coisas bem e de facto tive uma década incrível, cheia de coisas boas. Estive muito próximo de chegar à F1, trabalhei durante cinco anos com uma equipa que foi quatro vezes campeã do mundo, a Red Bull, vivi coisas fantásticas, ganhei Macau duas vezes, cheguei a uma marca conhecida no mundo inteiro, a BMW, ganhei corridas no DTM, na Fórmula E, no WEC, corri contra grandes pilotos, conseguindo superá-los algumas vezes, outras ficando atrás, mas as corridas são mesmo assim. Tive muitas derrotas é certo, mas ajudaram-me a crescer e a tornar-me quem sou hoje em dia.”

OS ALTOS E OS BAIXOS

Desafiado a relembrar os momentos mais marcantes, Félix da Costa falou de momentos altos mas não escondeu os momentos negativos que também o fizeram crescer : “Vivi momentos muito altos mas também vivi momentos muito baixos. No final de 2011 quase pensei em desistir, ir para a faculdade tirar um curso e seguir outro rumo. Mas no espaço de poucos meses tudo mudou, entrei na Red Bull, que me deu oportunidades incríveis. Assim que entrei lá as coisas começaram a correr bem e logo nos primeiros meses testei dois carros de F1. Foi uma mudança radical. Claro que há sempre momentos em que começamos a duvidar e as coisas não saem como queremos. No DTM, por exemplo, aprendi muito, essencialmente a estar pronto psicologicamente e fisicamente para estar no topo, apesar de ter tido quatro ou cinco corridas más, porque a oportunidade pode surgir. No DTM tinha tido duas ou três corridas más e de repente faço pole e consigo a vitória. Isso ensinou-me a não pensar muito no passado e estar sempre presente para os desafios que temos pela frente.”

“Um dos momentos mais altos foi a primeira vez que andei de F1 em 2010, com a Force India em Abu Dhabi. Mais incrível ainda foi quando voltei a andar no mesmo circuito com a Red Bull, equipa campeã do mundo em título. Na primeira vez tinha a família comigo mas na segunda era trabalho a sério e fui sozinho, mas hoje tenho pena de não ter partilhado aqueles momentos com eles. Aquela sensação de vestir o fato igual ao do Sebastian Vettel são coisas que naquela altura, como miúdo que era, me tocaram e quase que tive de me beliscar.”

“Outro momento muito alto foi ganhar Macau em 2012 e terá sido um dos momentos mais felizes da minha vida. Não corria de F3 há três anos, caí ali de paraquedas e foi um fim de semana complicado porque tinha morrido o Luís Carreira na sexta feira. Foi um fim de semana algo ensombrado com o que tinha acontecido e vencer foi como me tirarem um peso de cima pois pude dedicar a corrida ao Luís.

Assinar pela BMW foi também um grande momento, apesar de vir do momento mais difícil da minha carreira. Depois de já ter o fato à medida, o banco, tudo pronto para a minha estreia na F1, receber a chamada a dizer que afinal aquele lugar não era para mim… foi dos dias mais difíceis da minha vida para ser sincero.

Na altura recebi a notícia, estava com o meu pai, o meu irmão e o meu melhor amigo. Fiquei muito triste pela notícia e afetou-me também ter deixado as pessoas tristes à minha volta.”

Apesar da desilusão, Félix da Costa nunca apontou o dedo à Red Bull, mostrando-se sempre grato pelas oportunidades que a marca lhe proporcionou: “Temos que perceber o jogo e o dinheiro que está envolvido. Na mesma chamada disseram-me logo que iria para o DTM e iria pilotar pela Audi. Na altura não quis saber nada disso. No dia a seguir ligaram-me de novo e afinal era para a BMW e não pela Audi. Realmente tiraram-me esse sonho, mas fui o primeiro e único piloto até agora que não foi promovido à F1 mas manteve o lugar na estrutura. Eles sabiam que a escolha do Daniil Kvyat era arriscada e ele até estava inicialmente num plano a três meses, por isso ainda estava na calha caso fosse preciso. Mas ele safou-se e andou bem e eu tive de me agarrar com tudo à oportunidade da BMW, pois entendi que ali estava o meu futuro. A Red Bull tirou-me o sonho da F1 mas também me deu oportunidades e sou o que sou hoje graças a eles. Entendi o jogo, entendi a política envolvida e quanto mais rápido acabasse com essa frustração, melhor. Foi o que fiz.

MUDANÇAS PROFUNDAS EM 10 ANOS

Muito muda em dez anos e a evolução do piloto luso foi gigante. Passou de um miúdo cheio de potencial para um piloto de créditos firmados com vários sucessos à mistura. Foi mesmo no início da década que começou a fase decisiva da sua evolução : “Em 2010 assinei pela Motopark para correr na F3 e foi nesse ano que também andei de F1 pela primeira vez. Foi talvez esse o ano em que me comecei a conhecer como piloto. Até esse ponto sentava-me no carro, acelerava e não sabia bem porque era rápido. Em 2010 comecei a entender melhor o que o carro precisava. Por isso é que continuo a experimentar carros novos todas as épocas e a ser rápido. Fui bem ensinado, consigo entender o que faço no carro e usar isso para cada carro e, desse modo, adaptar-me mais rapidamente.”

“Quando és um miúdo cada volta é a volta da tua vida. Houve uma altura que me achava imbatível e que era o mais rápido do mundo. Hoje em dia sei que não é assim. Sei que hoje posso ser o mais rápido mas amanhã posso não ser, sem perder a motivação e o foco de que posso voltar ao topo. E os maus dias permitem ver melhor alguns pormenores pois ajudaram-me a tornar-me mais metódico. Agora, quando as coisas não correm bem, consigo entender melhor se fui eu ou se houve outros fatores associados.

A segunda vez que ganhei Macau foi claramente com maturidade. Não era o piloto mais rápido nesse dia, mas afinei o carro para a corrida, geri os pneus melhor que os outros, sabia que o nosso momento ia chegar. E assim foi. Hoje estou mais maduro e enfrento os desafios de forma diferente. Se numa sessão de treinos na Fórmula E ficar em sexto ou sétimo não entro em pânico, e consigo entender o que posso fazer melhor. No passado ficava mais nervoso e pensava também no que as outras pessoas iam pensar. Estou rodeado de pessoas que acreditam em mim e no meu valor o que me ajuda muito pois não tenho de provar o meu valor todos os dias, até porque isso desgasta-nos e leva a que as coisas corram mal. Estar rodeado de pessoas que acreditam em nós ajuda a que tudo corra melhor.”

PARQUE O’HIGGINS CIRCUIT, CHILE – JANUARY 18: Antonio Felix da Costa (PRT), DS Techeetah, 2nd position during the Santiago E-prix at Parque O’Higgins Circuit on January 18, 2020 in Parque O’Higgins Circuit, Chile. (Photo by Simon Galloway / LAT Images)

O PRESENTE

No final da época anterior largou a BMW para ingressar na DS Techeetah, equipa campeã de Fórmula E, numa mudança surpreendente. O espírito aventureiro

de Félix da Costa foi claro, mas o piloto explicou os motivos da mudança e fez o balanço até agora: “Quero continuar a arriscar e experimentar coisas novas. Há dois ou três anos atrás nunca me passaria pela cabeça sair da BMW. Para mim era o sítio perfeito para começar e acabar a minha carreira profissional.”

“A BMW ajudou-me muito, de facto, mas houve momentos em que não me senti tão valorizado quanto acho que merecia. Havia conversas sobre outros pilotos mas ao mesmo tempo tinha muitas equipas interessadas em mim e todos os anos recebi propostas. Fui me mantendo,

mas depois decidi arriscar e sair da minha zona de conforto. Mudei de uma equipa onde conhecia toda a gente para uma equipa francesa, com um colega de equipa francês, bicampeão. É um desafio mas estou a adorar. Tenho de voltar a provar um pouco o meu valor, mas se eles me foram buscar é porque acreditam em mim.”

“É um momento um pouco estranho porque ia ganhando duas corridas este ano, mas quem acabou por ganhar foi a minha antiga equipa. É o cenário perfeito para estar em pânico e começar a duvidar de muitas coisas mas estou completamente tranquilo. Sei como a BMW trabalha, sei como a DS trabalha e tenho a convicção que a longo prazo vamos sair por cima!”

Outra das grandes mudanças na carreira do piloto foi a sua entrada para o endurance, uma modalidade que inicialmente não agradava mas que passou a ser uma paixão: “Quando entrei na BMW nem queria ouvir falar de GT, muito menos de corridas de 24h. De repente, com a entrada na BMW, tendo eles uma presença forte nas competições de longa duração, comecei a interessar-me, experimentei e adorei. Decidi sair do DTM para ir para o WEC, e na altura foi complicado porque não tínhamos a estrutura ideal e o carro também não estava no nível desejado. Agora nos LMP2, que é quase uma competição monomarca, a qualidade dos pilotos evidencia-se muito mais e estou a adorar. Os resultados tem sido bons e agora adoro corridas de resistência.

As 24h de LeMans, as 24h de Daytona e as 24h de Nuburgring são três eventos que aconselho a qualquer fã de corridas.

O FUTURO

Quanto a desejos para o futuro, António Félix da Costa tem objetivos bem definidos para a próxima década: “Estamos a passar por uma fase de muitas mudanças e há ainda muitas incertezas de como irá ser o futuro, quer ao nível do desporto motorizado, quer mesmo ao nível da indústria automóvel.”

“Neste momento a médio prazo a Fórmula E o sítio ideal para estar e a minha posição na competição é boa. Estou a trabalhar muito para vencer este campeonato pois acredito que tenho tudo o que é preciso para o conseguir. Mas não é fácil e o campeonato está recheado de grandes pilotos e grandes equipas. É um desafio muito complicado, mas acredito que irei conseguir.”

“Espero também vencer em Le Mans pois é algo que quero muito colocar no meu palmarés. Gostava de ganhar Daytona, Nurburging e ficar com vitórias nas três grandes corridas de 24 horas. E gostava de sair de novo da minha zona de conforto. Já fiz as quatro horas de Fronteira este ano num Can-Am e quero fazer um Dakar, tenho mesmo de fazer um Dakar, e vou chatear o Tiago Monteiro para irmos juntos, cada um num carro e vamos um atrás do outro. Espero nos próximos anos conseguir realizar esse desejo.”

Félix da Costa continua a representar Portugal ao mais alto nível. Os sucessos conquistados, tal como o respeito, fazem dele um dos melhores do mundo, ao que junta uma simplicidade no trato e uma alegria contagiante. A paixão com que fala de corridas é clara tal como a sua vontade de vencer. Não cumpriu o grande sonho, mas começou uma carreira de sucesso e ainda tem muito pela frente. Os desejos do piloto luso são os nossos… que conquiste muitos mais sucessos e faça tocar a Portuguesa tantas vezes quanto possível! O resultado da votação é um sinal claro que o público português o acompanha e reconhece o seu valor. Esse prémio já ninguém lhe tira.

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