José Marques levou-nos a ‘ver’ o Dakar por dentro

Por a 16 Janeiro 2021 16:32

Gintas Petrus e José Marques (Optimus Chevrolet) terminaram a prova no 31º lugar da geral, depois de começarem a prova na 57ª posição. O Optimus foi uma boa surpresa, pois sendo um carro que não é muito potente, não permitindo por isso grandes feitos em termos de classificação, é fiável e porta-se muito bem nas dunas, e isso permitiu à dupla uma prova muito consistente que permitiu ao piloto bater, por larga margem o seu recorde no Dakar. Foi 41º em 2020, 31º agora.

Quanto a José Marques, que nos últimos tinha vindo a fazer o Africa Race com Elisabete Jacinto, regressou ao Dakar, e fê-lo pela primeira vez num Buggy Optimus. Uma experiência bem diferente do Camião MAN. As coisas correram bem pois Gintas Petrus e José Marques terminaram o Dakar na 31ª posição a 1m20s do Top 30.

O lituano tem participado no Dakar desde os tempos de África, em 2002, foi ele que abriu caminho aos seus compatriotas lituanos, como Antanas Juknevicius, Benediktas Vanagas e Vaidotas Zala que mais tarde descobriram o Dakar e depois de um longo hiato – nunca participou no Dakar na América do Sul – Gintas Petrus voltou ao rali no ano passado, terminando em 41º lugar. Desta feita, trocou a Toyota Hilux por um Buggy Optimus EVO3, e ao lado levou José Marques, um dos mais experientes ‘navegadores’ portugueses, e as coisas correram bem: “Chegar ao fim de um rali maratona desta dimensão, é sempre uma vitória de equipa, e cria sentimentos contraditórios. Se por um lado estamos felizes por ter superado o enorme desafio que é fazer um Dakar, felizes por voltar para casa, para junto da família e dos amigos; por outro ficamos tristes por amanhã não partirmos para mais uma etapa para percorrer pistas espetaculares, ver paisagens de uma beleza extraordinária e atravessar difíceis cordões de dunas. Ficamos também tristes por deixar as pessoas, que durante três semanas foram a nossa família. Criam-se de facto laços fortes e muito fora do comum, entre todos os que participam nesta grande aventura, quase como uma irmandade. A última etapa do rali, foi como todos já estavam à espera, curta mas bem difícil. Travessias de grandes dunas nível 2 e 3, difíceis e quase sempre quebradas (subida menos íngreme e descida a pique). As últimas para ajudar à festa, estavam pejadas de pedras enormes, o que deu direito a muitos furos entre a caravana, e um tocou-nos a nós. Depois continuámos em cima de calhaus durante umas dezenas de km, num percurso que como o Gintas classifica em jeito de brincadeira “more technical” (mais técnico). Ele diz que quando a organização nos quer por a andar muito devagar em 2 e 3 velocidades, anuncia um percurso mais técnico… No final a festa é feita por todos, participantes e organização e é muito recompensador ver as expressões de alegria misturada com cansaço nas caras de toda a gente”.

Feito o balanço, será bom recordar a forma como o Zé Marques nos levou a ‘ver’ o Dakar por dentro. Para lá da sua prova, logicamente, foi-nos mostrando outras perspetivas, que nos ajudam bem a perceber melhor o que é o Dakar.

Logo no primeiro dia: “fizemos o prólogo com o relé de uma das ventoinhas de refrigeração do radiador queimado, o que fazia com que a temperatura do líquido de refrigeração subisse muito. Fizemos por isso o prólogo com muito cuidado. No dia seguinte as coisas já correram normalmente, e subimos umas posições na classificação. De qualquer maneira o objetivo do Gintas era simplesmente chegar ao fim de mais um Dakar. Esta primeira etapa foi muito dura, especialmente uma parte, com imensa pedra onde não existia pista. Foi sobretudo demolidora para os motard e os SSV. Encontrámos muitos avariados ao longo do percurso. Nesta altura a nossa intenção era apenas manter o ritmo e melhorar o conhecimento do carro, pois era a primeira prova que o Gintas fazia com ele. O ano passado fez com a Toyta Hilux ex Paulo Ferreira” disse Zé Marques, que foi acrescentando capítulos à história: “A etapa 2 correu-nos bem. Foi das especiais mais bonitas que já tive oportunidade de fazer, só comparáveis às da Mauritânia. Aliás, foram várias as vezes que comentámos durante a especial, que parecia que estávamos em Marrocos ou na Mauritânia. Tivemos varias travessias difíceis de dunas, onde passámos por muitos concorrentes a cavar. O Optimus surpreendeu-me pela facilidade com que passa nas dunas. É certo que o Gintas já tem muita experiência de condução na areia, mas o carro parece que ensina a conduzir. Tudo parece tão fácil.É certo que pesa bem menos que os 4×4, e antes de entrarmos na dunas esvaziamos os pneus em andamento, pelo que não perdemos tempo nenhum”.

Nesta altura, Gintas Petrus e José Marques, que no primeiro dia tiveram alguns contratempos, com o sistema de arrefecimento do motor do seu buggy, continuavam a subir posições no Dakar. Na etapa 5, José Marques revelava que “a ASO reconheceu que o rali estava a ser exageradamente duro”. Começou por dizer Zé Marques num dia em que foram 39º na especial e com isso subiram do 41º lugar em que se encontravam para o 37º: “A etapa de hoje foi, tal como o Jorge Monteiro comentou, uma etapa chata. Ligações demasiado grandes, quer no início quer no final, sendo que a segunda foi feita, pela grande maioria, toda de noite. Aliás a esta hora 21:00 ainda muitos concorrentes não chegaram ao bivouac. A especial em si, apesar de variada, não teve interesse nenhum, ao contrário das anteriores.

Planaltos sem fim a fazer lembrar os dos Andes na Argentina, com constantes mudanças de direção. Início complicado com muitos carros, mais de 10, todos juntos à procura de um waypoint, e depois a fazer uma trialeira demolidora. As dunas tinham a areia molhada, em consequência das chuvas dos últimos dias. Apesar disso a travessia não foi nada fácil, pois os sulcos ficavam mais fundos, e as pancadas nas dunas quebradas eram bem mais violentas.

A nós começou por nos correr bem. Ao km 43, estávamos na 21ª posição. A meio da especial o carro começou a parar com um corte total de energia. O motor desligava-se e tínhamos de reiniciar o painel de controlo. Numa das vezes em que foi abaixo, ficávamos presos na areia e tivemos que tirar as placas. Mas com os macacos hidráulicos, nem é necessário tirar as pás. Espero bem que assim continue… À chegada ao bivouac, a embraiagem do Optimus começou a patinar. Os mecânicos estão agora a acabar da substituir. Também já arranjaram solução para a avaria do painel de controlo, que na ligação viemos a verificar que se desligava a cada 10 minutos. A organização reconheceu que o rali estava a ser exageradamente duro e decidiu encurtar a especial seguinte. As ligações, essas continuam enormes…”, disse.

Após a Etapa 6 “finalmente o tão esperado dia de descanso no Dakar. Quando iniciámos o rali, vamos estabelecendo etapas para chegar ao tão ambicionado pódio final. A primeira é estar à partida do Dakar, o que para a grande maioria já é uma vitória. A segunda é chegar ao dia de descanso para recuperar as máquinas e o nosso físico. Alguns aproveitam para recuperar a moral e o ânimo depois de seis dias muito difíceis. Para nós foi mais um dia de trabalho do que de descanso. Há sempre um sem número de pequenas coisas a fazer, melhorar a posição da bacquet, organizar e limpar o interior do carro, arrumar a roupa e limpar todo o equipamento.

Mas arranjamos sempre um bocadinho de tempo para estar com os amigos portugueses, e os novos amigos lituanos, para tomar um café.

O balanço desta primeira semana de Dakar foi muito positivo. O carro está a portar-se lindamente e o Gintas adaptou-se muito bem ao Optimus.

Há sempre espaço para melhorar, mas para uma primeira vez com um carro de tração atrás, o Gintas está a desenvencilhar-se muito bem nas dunas. O buggy MD é realmente fantástico na areia. A minha adaptação a este estilo de navegação foi rápida, e penso que a opção de entregar os roadbooks 15 minutos antes da especial faz todo o sentido, e não prejudica em nada o nosso trabalho de navegador. O rali em si, tem todas as condições para continuar por aqui pelo menos nos próximos três anos, e o deserto da península arábica é muito vasto e tem um grande potencial para fazer excelentes edições do rali, inclusive como está previsto, a passagem por outros países como a Jordânia.

Na Etapa 7, o primeiro dia da Etapa Maratona, dois dias seguidos,sem assistência ao final do primeiro dia: “as equipas que fizeram uma pequena revisão aos veículos aquando da chegada ao bivouac de Sakaka. A organização instalou-nos numas camaratas com distanciamento de mais de 2 metros entre camas, mas permitiu que as equipas oficiais e as que dispõem de motorhomes, as pudessem trazer para este bivouac. Quanto às assistências seguiram diretamente para o próximo bivouac em Neom. A nós a especial correu-nos bem apesar de um furo. A primeira metade até ao almoço, (neutralização de 20 minutos, que dá para comer qualquer coisa e ir à casa de banho) não foi nada agradável. O início com 100 km de erva de camelo, muito duros, e depois continuação em pistas de areia com muitas pedras escondida. A segunda parte da especial foi verdadeiramente espetacular. Primeiro com a travessia de um Erg com dunas de nível 1, que deram um verdadeiro prazer de condução e de navegação, (a organização classifica as dunas em três níveis, sendo que de nível 1 são as mais fáceis). Depois seguiu-se uma sequência de pistas rápidas a muito rápidas até ao final com muita e difícil navegação. Acabámos por furar já perto do final, e assim amanhã temos de ir com cuidado pois só temos mais um pneu sobressalente”.

Na etapa 8, Gintas Petrus/José Marques já estavam no 33º lugar da geral: “Este foi o último dia da etapa maratona. Depois de uma noite dormida em camarata, num bivouac 1/4 do tamanho do normal, foi o único dia em que todos os pilotos e navegadores se encontraram, e se viram pela primeira vez as caras mais conhecidas, pelo menos a nível dos autos. Devido à situação de pandemia, existem de facto ‘sub-bivouacs’ das equipas principais, onde ninguém entra e sai. Por exemplo no sub-bivouac da Honda, elementos de fora da equipa só podem entrar jornalistas, depois de medida a temperatura à entrada. A especial de hoje, foi relativamente curta com uma neutralização de 35 km pelo meio, em que fizemos o percurso de ligação entre os dois sectores por asfalto. Hoje quase que não tivemos dunas, muitas pistas em areia, mas ergs muito pequenos. O final da especial foi entre desfiladeiros bastante bonitos mas sem a grandiosidade das passagens da Mauritânia. Se ontem em Sakaka estávamos todos bem agasalhados com blusões e sacos cama quentinhos, hoje em Neom, estamos, já de noite, em calções e manga curta.

Na Etapa 9: “Dia de trial, não de Cross Country…” Gintas Petrus e José Marques subiram mais uma posição e a três dias do fim, estavam na 32ª posição da classificação geral, 25 posições ganhas com muito mérito e uma excelente navegação: “Pedra, pedra e mais pedra. O fabuloso início da especial de hoje, não fazia prever as centenas de quilómetros em cima de pedras que nos esperavam. A especial começou à beira do Mar Vermelho, numa pista de 11 km sempre junto à água, que deu direito a fotos espectaculares. Logo depois de um pequeno troço de 8 km de alcatrão. A partir daí fizemos centenas de km em cima de pedra, ou de pistas em areia com pedra por baixo, o que ainda é pior. Sempre entre primeira, segunda e terceira velocidades, e muitas vezes a parar para conseguir subir as trialeiras que fomos apanhando pela frente. Sem conseguir tirar prazer nenhum da condução nem da navegação, lá fomos andando até ao final da especial, passando por uma infinidade de concorrentes furados e avariados.

A maior parte da especial fizemos no pó, tal como todos os outros concorrentes, era uma caravana de motos, carros e camiões que não se conseguiam ultrapassar. Compreendo que o Dakar tem de manter a fama do rali mais duro do mundo, mas o que fizemos hoje não é Cross Country, é puro trial, e acho que não é esse o espírito inicial deste rali, nem aquilo que os concorrentes procuram. O descontentamento com a especial de hoje, é unânime entre todos os pilotos com quem falei. Claro que sendo todos eles amadores, e não tendo um carro novo à partida para cada especial como as equipas oficiais, tiveram de poupar muito as mecânicas, para conseguir chegar ao final do rali. Se ainda houvesse uma razão válida para nos levar por aqueles caminhos, paisagens espectaculares, dunas difíceis de transpor, tal como houve nas outras especiais, ainda conseguíamos compreender, agora numa etapa com começo é final no mesmo sítio…

No dia seguinte, Gintas Petrus e José Marques tiveram um dia diferente: “Esta etapa 10 foi uma espécie de rali tradicional, com a especial cortada em três partes, de cerca de 100 km cada uma. Pelo meio fizemos transfers por asfalto, onde podíamos ter assistência. No segundo transfer, o nosso percurso e o das assistências tinha 1 km em comum. Toda a gente aproveitou para fazer assistência, e a nós veio mesmo a calhar, pois tínhamos uma dobradiça do capot traseiro partida, o que mais cedo ou mais tarde, faria com que perdêssemos o capot, que com um pouco de azar poderia danificar o Optimus. A especial em si foi bem mais agradável do que a anterior, na mesma com alguma pedra e trialeiras a fazer devagar, mas desta vez as pistas e as paisagens justificavam o sacrifício. Passamos de facto em sítios espectaculares, no meio de vales entre desfiladeiros gigantescos. A etapa 11 foi encurtada 64 km, mas as dunas difíceis nível 2 e nível 3 mantêm-se, durante cerca de 80 km”.

No penúltimo dia, na etapa 11, foi altura de relembrar as assistências do tipo do antigo Rali de Portugal: “A organização prometeu que a etapa seria a mais difícil deste Dakar, e de facto teria sido se não a tivessem encurtado 62 km e tivessem colocado dois transfers pelo meio. Mais uma vez num deles tivemos direito a assistência, do tipo do antigo Rali de Portugal. Camiões e veículos de assistência parados na berma da estrada, e os mecânicos a fazerem uma assistência rápida. Se isso quebrou a dureza da etapa, não lhe retirou a beleza, e o gozo de voltar a fazer dunas. Mais uma vez o Optimus MD esteve ao mais alto nível, e as escolhas de trajectória do Gintas foram as mais correctas, fazendo com que o que diziam ser as dunas mais difíceis do rali, fossem feitas sempre sem parar e sem o mais pequeno ameaço de atascanço. Só ao chegar ao final, o sistema de enchimento dos pneus, pregou-nos um pequeno susto, com o pneu traseiro a esvaziar muito rapidamente, e a não querer voltar a encher. Finalmente acabou por correr bem, e conseguimos fazer a parte final com a pressão correta, sempre em cima de pedras. Como disse o Castera no briefing, a corrida só acaba no parque fechado, e amanhã ainda vamos apanhar dunas nível 3…”

Mas tudo correu bem, chegaram ao palanque final de mais esta aventura. Para José Marques, agora é tempo de descanso no confinamento em Portugal, e depois não vai ter que esperar muito para novo arranque da época de TT em Portugal, que promete ser intensa…

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