Q&A com Cyril Abiteboul: “O WRC é fantástico, tem enorme potencial, mas uma fraca adaptação ao mundo de hoje”

Por a 26 Maio 2023 15:07

Cyril Abiteboul chegou recentemente à Hyundai Motorsport, mas trouxe consigo uma visão nova e para quem chegou ao WRC há apenas alguns meses, tem um olhar mais distanciado do que é hoje em dia a modalidade e nesse contexto deu a sua opinião sobre vários temas, todos relativos ao futuro próximo do WRC.

“A melhor tecnologia é a que serve os interesses do desporto”

Há muita discussão sobre o futuro do WRC: conceito híbrido, não híbrido, qual é a posição da Hyundai sobre que tecnologia deve ser usada?

“A melhor tecnologia é a que serve os interesses do desporto, e o que eu penso que o desporto precisa antes do que tudo, é de fabricantes. Na minha opinião, para termos mais construtores precisamos de controlar melhor os custos, e ter um melhor valor na relação custo/benefício/espetáculo. Se existir espetáculo, pode-se depois pensar no que é mais relevante para os construtores em termos de tecnologia, eu penso que, na minha opinião não se deve pensar demais na tecnologia do motor/sistema híbrido, pois o WRC é uma fórmula de pilotos, mais do que tudo, e essas histórias temos que as contar melhor do que fazemos hoje em dia, antes de dar um salto de tecnologia eu penso que temos de pensar como construímos a storyline e como melhoramos a narrativa do que os pilotos fazem, e que é fantástico, e provavelmente único dentro do que todos os pilotos fazem nas outras disciplinas do motorsport. Depois, com a tecnologia penso que temos que encontrar um meio de nos certificarmos que isso traz valor ao desporto. Precisamos de um olhar fresco sobre isto para o futuro…”

Qual foi o teu primeiro impacto quando chegaste ao WRC?

“Tudo passou por tentar introduzir mais estrutura e ritmo nos dias de rali, que são muito, muito longos. Francamente, sem criticar o que foi feito antes, porque compreendo, que com dias tão longos fiquemos mais desligados da ação, não recebemos informação suficiente do carro, e com isso sentimos-nos um pouco limitados e isolados. Estar no parque de assistência é muito confortável, mas perdemos de vista o que se está a passar, portanto passamos a ter mais reuniões de ligação entre as equipas e os engenheiros, de modo a que estejamos sempre em cima dos acontecimentos, antecipar coisas, é o que tenho feito, e agora que os procedimentos estão instalados, há um pouco mais de estrutura. Agora é tempo de ‘atacar’ o lado da fábrica, e esse será o próximo capítulo, mas é um pouco cedo para falar disso”.

“temos de pensar como construímos a storyline e como melhoramos a narrativa do que os pilotos fazem, e que é fantástico”

Qual foi o teu primeiro feeling de alguém que veio duma realidade totalmente diferente, que é a F1?

“O WRC é um desporto fantástico, com um enorme potencial, mas com uma fraca adaptação ao mundo de hoje. Hoje em dia neste mundo as coisas precisam de andar mais depressa em termos de informação, temos de ser rápidos, ágeis na forma como nos estamos a adaptar às expectativas, ao ambiente e penso que somos demasiado ‘pesados’.

Os parques de assistência são muito bons mas francamente a ação não está aqui, prefiro um parque de assistência menor, deem-me um camião eu vou para onde estiver a ação, levaremos convidados, imprensa levamos engenheiros para se ligarem aos carros, vamos para perto da ação, para mim não faz sentido estar tão longe da ação, fazer ‘castelos’ onde trazemos centenas de pessoas, mas não temos assistência de manhã, acordamos muito cedo de manhã fazemos 250 Km para dois quilómetros de especial, o que eu entendo, mas do meu ponto de vista não faz sentido o parque de assistência como é feito agora.

Temos que olhar para esta ineficiência no desporto, e quando no mundo atual falamos de sustentabilidade, ser sustentável é também ser eficiente, e o WRC não é eficiente, não é ágil e não nos estamos a adaptar ao mundo atual. Penso haver apetite para a mudança no WRC. Não falo de tornar o WRC numa F1, o WRC tem que encontrar o seu próprio caminho, mas nós temos que desenvolver o nosso caminho”.

“Eu acho que cada um dos dias deve ter um storyline. Isso é algo que a F1 faz muito bem”

Que passos devem ser dados para melhorar o WRC?

“Penso que devemos começar pelo formato das provas, o fim de semana é demasiado longo, penso que talvez se pudesse diminuir um pouco a quilometragem e dar mais estrutura porque a 6ª feira é igual a sábado chegamos a domingo fica tudo à espera da PowerStage a poupar pneus, e a quinta-feira, é pouco claro para que serve.

Eu acho que cada um dos dias deve ter um storyline. Isso é algo que a F1 faz muito bem, que passa pelo ir construindo o interesse do fim de semana, ter histórias em desenvolvimento todos os dias.

Nos ralis temos a quinta-feira, depois a 6ª feira é igual a sábado, a 5ª feira não conta, desta forma como se alimentam os media e por consequência o interesse do público?

Temos que ter uma narrativa para cada dia, por exemplo ter uma qualifying stage, na 6ª feira, ter um dia muito longo no sábado, e dar pontos em todos os troços no domingo, coisas simples como essas, não sei pode haver outras ideias, mas sei que temos de ter uma visão fresca da dinâmica do fim de semana.

Eu penso que as pessoas estão com consciência de que algo tem de ser feito. Sou de opinião que a F1 está a fazer ‘despertar’ para todas as outras disciplinas do motorsport que nada deve ser tomado como garantido.

Há 10 anos a F1 corria com bancadas vazias em muitos lados, e muita gente dava pouco pelo futuro da F1, mas vejam onde a F1 está agora. Não é só criar um precedente de como é possível mudar as coisas para melhor, mas igualmente mostra que o campeonato tem potencial para ganhar ‘market share’ e audiências junto das novas gerações e se ficarmos parados, na verdade andamos é para trás.

Portanto penso que há um senso de emergência de que alguma coisa tem de ser feita.

Vejam, perdemos 20 a 30 % dos Rally1 entre o ano passado e este. E como vai ser o próximo ano? Tem que ser feito alguma coisa. Estou super do lado da FIA e o Promotor do WRC e não quero criar antagonismo, temos uma parceria com eles, estamos na cama com eles, temos que fazer com que as coisas resultem. A situação é dura, e muito complexa”, disse Cyril Abiteboul.

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