Opel Ascona 400 (1980-1983): O ‘outro’ Grupo B alemão

Por a 19 Fevereiro 2023 14:58

O Opel Ascona 400 foi o último dos românticos nos ralis do WRC. O último carro de tração traseira a vencer um Mundial de Pilotos. E o “outro” Grupo B alemão, numa época em que as regras eram quase livres, permitindo a criação de “monstros” quase imbatíveis, como o Audi Quattro.

Ora, não apenas o Opel Ascona 400 foi capaz de os bater como, ainda por cima, os humilhou, em 1982, garantindo o título de Campeão do Mundo a Walter Röhrl, com apenas dois triunfos – menos cinco que o Audi Quattro!

Na sua génese, o Ascona 400 foi o projeto nº 5516, lançado oficialmente em 6 de março de 1978. Baseado no Ascona B de série, na sua versão com carroçaria de duas portas, teve que ser produzido em 400 unidades, condição prévia definida pelas regras da então FISA para permitir a sua homologação em competição. Esta produção terminou no Outono de 1979 e o seu desenvolvimento levou dois anos a ficar completo e, logo em 1980, com Anders Kulläng ao volante, o Ascona 400 ganhou a sua primeira prova, na Suécia.

O Ascona 400 foi desenvolvido nas instalações (então recentes) de Russelsheim e os testes levados a cabo nos arredores. Diferente do carro de série, com uma carroçaria mais larga e com um spoiler dianteiro e um aileron colocado atrás, as suas suspensões eram também diferentes, mais duras e afinadas para competição em estrada. A caixa de velocidades era uma Getrag, de cinco relações e o motor, baseado no Cosworth, mas com partes do 2.4 Diesel usado então no Opel Rekord. O mago Keith Duckworth “agitou” todo este cadinho e o resultado foi um motor 2.4 de 16 v, com uma cabeça especialmente desenvolvida por Shrick e que ficou muito parecida com as dos motores de F2 da altura. Utilizava dois carburadores Weber 48 DCOE e a potência era de 240 cv às 7.500 rpm. A preparação estava a cargo da Irmscher, que já nessa altura era responsável pelas ideias da Opel para a competição e que, no Ascona 400, assinava a imagem exterior da carroçaria.

O Opel Ascona 400 era muito leve e muito equilibrado e, até chegar o Audi Quattro, foi um dos mais competitivos carros de ralis dessa época. O seu principal rival foi o Lancia 037 Rally e apenas quando foi ultrapassado pelos Grupo B mais rebuscados e poderosos, casos dos já referidos Audi Quattro, mas também o Lancia Delta S4, Ford RS 200 e MG Metro, todos eles com mais de 500 cv de potência e tração total. O último ano da equipa Rothmans Opel Rally Team no WRC, com o Ascona 400, foi 1983 e, a partir de 1984, passou a ser utilizado apenas por privados e, em muitos casos, acabou substituído pelo seu irmão Manta 400, que era mais um pouco mais potente, mas menos equilibrado.

Opel Ascona (1970-1988): Em nome de um lago… suíço

O Opel Ascona começou a ser produzido em 1970 e em produção se manteve por 18 anos, sendo descontinuado em 1988 e, então, substituído pelo Vectra. Durante a sua vida, declinada por três gerações, foram produzidas cerca de três milhões de unidades.

O Ascona deve o seu nome a um lago suíço, situado na região de Ticino e que, nos anos 50, marcou uma edição especial do Opel Rekord P1 – que foi vendido, como Ascona, precisamente na Suíça. Mais tarde, também neste país, foi vendido um outro Ascona, que mais não era que uma versão especial do Kadett, com um motor 1.7 derivado do Rekord que então ainda se produzia na Opel. O Ascona começou por ser um carro com tração traseira, mas terminou a sua vida com tração às rodas da frente.

O Ascona foi, na verdade, a segunda derivação de um projeto chamado internamente 1.450 e que tinha por objetivo o Opel Manta Coupé, que foi lançado a 9 de setembro de 1970; no dia 28, foi então lançado o Ascona, em três versões de carroçaria – duas, quatro e carrinha, conhecida por Caravan ou Voyage. O Ascona situava-se entre os então existentes Kadett e Rekord e foi produzido para competir com o Ford Taunus. A primeira geração manteve-se em produção até 1975, com motores de 1,2 a 1,9 litros, a gasolina. Foram produzidas 690 mil unidades e, em competição, foi utilizado, como Opel Ascona 1.9 SR, por Walter Röhrl, que com ele se sagrou campeão da Europa de Ralis em 1974 e, em 1975, o Rali da Acrópole.

O Ascona B foi apresentado em 1975, no Salão de Frankfurt, tendo sido produzidos mais de 1,2 milhões de carros até 1981, quando foi substituído pela última geração, o C – que em alguns locais foi vendido como Monza – e que foi o primeiro a ser produzido em Russelsheim, fazendo parte do projeto J da GM. Em agosto de 1988, deu lugar ao Vectra.

1982, o ano de ouro

1982 foi o ano em que apareceram os Grupo B – e foi também o ano em que o WRC foi ganho pelo Opel Ascona 400, naquela que foi a sua melhor temporada no campeonato. Uma temporada em que o carro alemão, com apenas tração às rodas traseiras e 270 cv de potência, embora muito leve e equilibrado, se bateu taco a taco, até ao último rali, com os “monstros” da Audi, os Quattro, pilotados por Michele Mouton, Hannu Mikkola e Stig Blomqvist, que tinham potências superiores aos 300 c v e tração às quatro rodas.

Nesse ano, a Opel e a Audi eram as únicas marcas com um programa completo, pois a Talbot e a FIAT retiraram-se e a Lancia limitou-se a preparar o seu futuro “joker” no WRC, o fabuloso 037 Rally. Mas, na verdade, as coisas não poderiam ter começado melhor para a Opel, que ‘roubou’ à Ford o patrocínio da Rothmans para financiar a sua epopeia (quase) final com o Ascona 400.

Logo no Monte Carlo, Walter Röhrl aproveitou a ausência da neve para, no asfalto sinuoso do sul de França, bater os Audi Quattro e os Porsche 911 SC. Na Suécia, Röhrl voltou a subir ao pódio, mas agora em 3º lugar, atrás de Ari Vatanen (Ford Escort) e de Stig Blomqvist, que tinha sido contratado pela Audi para pilotar naquela prova, que foi de facto liderada pelo Quattro oficial de Hannu Mikkola, até este se despistar, desistindo e quase obrigando Michele Mouton a fazer o mesmo, pois a francesa não conseguiu evitar o carro imóvel na estrada, atrasando-se bastante.

Em Portugal, a Opel liderou a prova com Henri Toivonen, até este abandonar – coisa que também aconteceu com Röhrl. Mas, no Safari, onde a Audi não se deslocou, a Opel aproveitou para levar o Ascona 400 ao 2º lugar (Röhrl), a meia hora do vencedor, Shekhar Mehta (Nissan Violet GT). E, na Córsega, onde o dominador foi Jean Ragnotti (Renault 5 Turbo), Röhrl ainda conseguiu levar o Ascona 400 ao 4º lugar, atrás do Porsche 911 SC (Béguin) e Ferrari 308 GTB (Andruet).

Nova subida ao pódio aconteceu na Acrópole, onde Röhrl – a demonstrar uma impressionante regularidade que, no final da temporada, resultou no título de Campeão do Mundo – foi 2º, atrás de Michele Mouton, que se mostrou imbatível com o Audi Quattro. Incomodado com a derrota, o gigante alemão despoletou a polémica, ao dizer que “até um chimpanzé me teria ganho com um Audi!” Na prova seguinte, Röhrl subiu ao 3º lugar do pódio, atrás dos dois estreantes Toyota Celica 2000 GT, que dominaram com Waldegaard na frente de Eklund. Seguiu-se o rali do Brasil, onde Mouton não teve dificuldades em dominar, mas Röhrl minimizou os estragos com mais uma subida ao pódio, agora ao 2º lugar.

Os Mil Lagos foram uma prova amarga para a Opel, com Röhrl a optar por não estar presente e Henri Toivonen a abandonar com problemas de aquecimento… mas positiva para o alemão, que viu Mouton, com quem estava a discutir o título, ficar pelo caminho e não pontuar. Regressado em San Remo, Röhrl foi de novo 3º, a apenas 11s do Audi de Mikkola e a pouco mais de 2m de Blomqvist, que ganhou. Melhor: o alemão bateu Mouton na luta pelo título, ao terminar à sua frente…

Este resultado colocou toda a pressão nos ombros da francesa que, para ser campeã, estava obrigada a ganhar a prova seguinte, na Costa do Marfim. Porém, Mouton – que recebeu a notícia da morte do pai na véspera da partida – não foi feliz e despistou-se quando estava na frente, entregando o triunfo ao seu rival, que desta forma arrumou com o título – o seu segundo, depois do conquistado em 1980, com um FIAT 131 Abarth. E nem sequer já se deslocou ao RAC, a última prova da temporada, garantindo o título com 109 pontos e duas vitórias, mais 12 que Mouton, que ganhou por três vezes. Nos Construtores, a Opel foi 2ª, com 104 pontos, menos 12 que a Audi, que venceu sete ralis… contra dois do Ascona 400!

wrc

Opel Manta 400: O mano mais velho

O Manta apareceu duas semanas antes do Ascona e era, muito simplesmente, uma versão de duas portas, mas com carroçaria coupé. E quando, em 1979, a Opel começou a pensar numa versão para os ralis mundiais, desenvolveu duas – uma com base no Ascona 400 e outra com base no Manta 400. Num balanço final, o primeiro foi muito melhor sucedido, graças a uma muito mais equilibrada distribuição de pesos, mas o Manta 400 foi também ele um carro notável e talvez a forma mais ousada e próxima de um verdadeiro Grupo B, mais tarde e quando os supercarros da Lancia, Ford e Audi estavam a dar cartas.

O Manta 400 foi fruto de uma parceria entre a Opel, a Irmscher e a Cosworth, que desenvolveu para tal um motor com base num bloco 2.0 de 16 válvulas e duas árvores de cames à cabeça. Por sua vez, a Irmscher já tinha começado a trabalhar no Manta, em 1977, num projeto que deu origem ao i2800. Os primeiros Manta 400 – que, na verdade, acabaram por ficar com um motor 2.4, por causa de uma certa dificuldade em maquinar as cabeças originais, tendo que ser produzidas novas cabeças – foram lançados em 1981, em duas versões – uma para estrada (o Manta B Coupé) e outra para competição. Estas eram facilmente reconhecíveis, pois estavam disponíveis com carroçaria Branco Ártico, jantes de 15” brancas Ronal e, lá dentro, o volante era em pele. O motor tinha uma injeção Bosch e 144 cv – que, nas versões postas a correr nos ralis, chegou aos 230 cv e, na última fase, aos 300/340, sempre com o motor aspirado. Atingiam os 225 km/h. No total, foram produzidos 245 Manta 400, sob homologação FIA para os ralis. Hoje, são muito raros de encontrar nas condições originais, pois os Manta 400 continuaram a ser, mesmo depois de descontinuados, procurados pelos entusiastas destas coisas dos ralis, que lhes fizeram barbaridades contínuas ao longo dos tempos, apagando-lhes muitas das suas caraterísticas únicas.

CARATERÍSTICA TÉCNICAS

Carroçaria: Berlina, 2 portas; Motor: 4 cilindros em linha; 2.410 cc; 8 válvulas; Potência Máx. (cv): 144; Binário Máx. (Nm/rpm): 210/3.800; Transmissão: Tração às rodas traseiras; Caixa manual de 5 velocidades; Aceleração 0-100 km/h (s): 7,7; Velocidade Máx. (km/h): 197; Relação Peso/Potência (cv/kg): 7,5: 1; Rodas: Jantes 15”; pneus 205/50/15; Peso (kg): 1.082

As quatro vitórias no WRC

  1. International Swedish Rally 1980 (15/17 – 02)

    Pódio: 1º Anders Kulläng/Bruno Berglund (Opel Ascona 400), 4h17m52s; 2º Stig Blomqvist/Björn Cederberg (SAAB 99 Turbo), a 1m30s; 3º Björn Waldegaard/Hans Thorszellius (FIAT 131 Abarth), a 3m47s

  2. Rallye Monte Carlo 1982 (16/21 – 01)

    Pódio: 1º Walter Röhrl/Christian Geistdörfer (Opel Ascona 400), 8h20m33s; 2º Hannu Mikkola/Arne Hertz (Audi Quattro), a 3m49s; 3º Jean-Luc Thérier/Michel Vial (Porsche 911 SC), a 12m05s

  3. Rallye Côte d’Ivoire 1982 (27/10 – 01/11)

    Pódio: 1º Walter Röhrl/Christian Geistdörfer (Opel Ascona 400), 8h43m30s; 2º Per Eklund/Erick Spjuth (Toyota Celica 2000 GT), a 1h33m30s; 3º Björn Waldegaard/Hans Thorszellius (Toyota Celica 2000 GT), a 2h16m30s

  4. Marlboro Safari Rally 1983 (30/03 – 04/04)

    Pódio: 1º Ari Vatanen/Terry Harryman (Opel Ascona 400), 6h36m; 2º Hannu Mikkola/Arne Hertz (Audi Quattro A1), a 6m; 3º Michele Mouton/Fabrizia Pons (Audi Quattro A1), a 59m

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1 Comentário
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hellrun
hellrun
1 ano atrás

Artigo interessante. E que saudades destas maquinas. A homologação obrigatoria foi das melhores coisas que ocorreram no campeonato do mundo de ralis. Graças a isso, ainda ha por aí algumas precisosidades. Quantos particulares vão ter um Toyota/Hyundai/Puma dos actuais WRC, daqui a 20 anos?

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