Martin Holmes: Uma paixão inigualável

Por a 20 Janeiro 2023 13:41

No momento em que o WRC festeja 50 anos, é uma boa altura para recordar Martin Holmes, um nome incontornável do Campeonato do Mundo de Ralis, e uma personagem que deixa um legado inigualável, tal foi o seu trabalho ao longo de décadas, como jornalista. Depois de uma fulgurante carreira como navegador, onde acompanhou alguns dos melhores pilotos, tornou-se num dos mais conceituados especialistas do Mundial de Ralis como jornalista. Fez a cobertura de 520 ralis do Campeonato do Mundo e assinou trabalhos e reportagens para o AutoSport quase desde o seu início, em 1978. Já lá vão 42 anos! Para o homenagear, nada melhor que dar a palavra a algumas das pessoas com que se cruzou no seu trabalho, ao longo dos últimos 60 anos. Aqui fica.

Martin Holmes, visto pelo génio de Ricardo Santos Artwork

Francisco Santos (Jornalista, Editor, Promotor e Organizador)

O meu mentor partiu

Os últimos trinta dias foram muito deprimentes. Sentir, pelo telefone, a voz do Martin cada vez mais fraca, prenunciando uma debilitação galopante, o que, aliás, a Ursula, sua secretária de há tantos anos, já me avisara que os prognósticos dos médicos oncologistas iam nesse sentido, era cada vez mais triste. Por isso, quando o telemóvel tocou com uma chamada de Inglaterra na sexta-feira passada (12/6/2020), eu já estava preparado para a partida deste companheiro, amigo e parceiro. Foram 48 anos de parcerias, de amizade distante, mas sempre pronta para uma informação ou para uma questão sobre ralis.

No final dos anos setenta, já vivendo em São Paulo, e a organizar ralis, ele era a minha fonte de informação e, sobretudo, de conhecimento profundo, além dos contatos privilegiados em todo o meio, da FIA, das marcas e dos pilotos. O que para um organizador principiante, era de enorme importância.

Tive sempre o bom senso e sentido de amizade para o convidar para todos os mais importantes dos ralis que organizei. Também a presença do Martin Holmes nos meus ralis era não só a certeza de uma divulgação global – ela era há muitos anos o jornalista de ralis mais lido em todo o mundo -, como também um apoio pessoal muito importante pois os comentários diários que lhe pedia sobre a prova e a minha organização sempre provaram ser uma garantia que eu cometeria menos erros, e que os emendava com rapidez.

Nem todos saberão que Martin teve formação de advogado, tendo preferido os ralis, às PECs, as estradas de terra, aos tribunais. Talvez que essa formação lhe tenha tolhido um pouco a qualidade do seu texto, como acontece com muitos advogados. No entanto, seus textos, mesmo pecando muitas vezes pela qualidade – eu, ao editar os seus anuários Rallying em português e durante vários anos e o Filipe Mesquita, nas suas crónicas no AutoSport que o digamos… No entanto, se a prosa não era muito boa, as informações e os detalhes sempre foram excelentes.

Se com ele tanto aprendi como organizador, houve momentos que ele também serviu de fonte de conhecimento e de experiência a dirigentes da FIA e das marcas. Até mesmo de pilotos de nomeada pois ele foi também navegador internacional.

Foi sempre um prazer enorme estar com o ‘Mosca’ – alcunha que o António Raposo Magalhães lhe pôs. Fosse em S. José dos Campos, no Rio de Janeiro no meio das duas primeiras etapas do meu primeiro rali mundial, ou durante anos como seu motorista de serviço em infindáveis fins-de-semana a escrutinar cada metro dos troços de Arganil, para detetar as estradas que davam ou saíam dos percursos das PEC e lhe possibilitariam sair desse ponto depois dos primeiros 10 ou 20 carros serem fotografados por ele, nas duas máquinas fotográficas montadas numa base (uma com filme p&b outra a cores). Foram dias inesquecíveis pelas conversas sobre… ralis, e por reviver aquelas estradas de Arganil, Côja, de Pampilhosa da Serra, etc, que conheci como piloto nos anos 60 e continuavam as mesmas, felizmente.

Como jornalista, Martin era inultrapassável em detalhes técnicos e na análise da modalidade. Por isso posso dizer que grande, mesmo muito grande parte do que sei de ralis, aprendi com ele.

Nesta fase em que estou a pesquisar sobre a História dos Ralis em todo o mundo, vejo como ele foi mesmo o meu mentor, ao reconhecer nas estórias da história tanta coisa que ouvi dele. Podem não saber. Dirigentes, jornalistas, concorrentes. Mas todos vamos sentir muito a falta dele. Pelos seus conhecimentos e pela forma aberta, sem medos, como dava a sua opinião e, assim, ensinava.

Fernando Petronilho e Martin Holmes (Foto Esteban Delgado)

Fernando Petronilho (ex-diretor do AutoSport)

‘Take away’ em estreia!

Quando o José Luís Abreu me pediu para escrever uma história vivida com o Martin Holmes, a minha memória atirou-me logo para África, muito embora sem precisar o ano. Estamos a falar de mais uma edição do Rali Safari em que ambos estivemos presentes e onde era sempre problemático seguir a prova, pois a maioria dos locais eram quase inacessíveis e as estradas quenianas não primavam nessa altura nem por segurança pessoal, nem rodoviária.

Deste modo, preparávamos com alguma antecedência a forma como seguir a prova e nessa edição recordo-me que o rali tinha uma etapa na zona de Mombaça, ficando o quartel-general da prova, como sempre, em Nairobi, o que deve representar quase cinco centenas de quilómetros de distância.

Decidimos, então, formar um grupo de quatro elementos para fazer a deslocação, indo e regressando em voos regulares da Kenya Airways enquanto o Martin, com os seus inúmeros conhecimentos naquele país africano, ficou de garantir uma viatura com motorista a partir do aeroporto de Mombaça. Para além de mim e do Martin, viajaram igualmente o italiano Carlo Cavicchi, na altura enviado especial da revista Autosprint, e um jornalista alemão de que já não me recordo o nome, que era da Auto und Motorsport.

Lá fizemos a nossa reportagem e no final do dia regressámos ao aeroporto de Mombaça para apanhar o voo de volta a Nairobi. Fizemos o check in e quando olhei para o quadro das partidas, descobri que o voo estava algo atrasado e que tínhamos tempo para jantar, sugestão que foi prontamente aprovada pelos restantes três.

Subimos ao restaurante, que ficava no primeiro andar, fizemos o pedido, com uma entrada e um prato principal, que faziam parte do menu do dia. Eis senão quando, no final da entrada, nos chamam para o voo! Saltei da cadeira como uma mola, fui ver o que se passava e descobri que afinal o atraso do voo não tinha mais do que um mero engano da companhia. Avisei os demais e pusemo-nos logo a caminho do avião depois de cada um ter pago a sua conta na caixa. Para trás ficou Martin Holmes, o último a pagar!

O avião estava cheio e os nossos lugares eram todos distantes dos outros. Quase tudo pronto para o avião sair do estacionamento, só que nada do Martin… E quando as portas se estavam quase a fechar, eis que ele entra esbaforido no avião, com a sua mochila e nos braços um tabuleiro com quatro embalagens de ‘take away’ e respetivos talheres. Depois, chegou ao pé de cada um de nós e perguntou-nos o que tínhamos escolhido, dando-nos de imediato a respetiva caixa, um garfo e uma faca!!!

Todo o avião a olhar para nós, com os passageiros como que a perguntarem-se entre si quem seriam aqueles ‘VIP’s’ que tinham direito a uma refeição a bordo… Este era o verdadeiro Martin Holmes: não tinha pago o jantar? Então o prato principal não ia ficar no restaurante! E creio que esta foi a estreia do serviço de ‘take away’ do restaurante do Aeroporto de Mombaça…

Rui Pelejão (ex-diretor do AutoSport)

Martin Holmes fica para a história dos ralis

Martin Holmes sempre foi um daqueles nomes quase míticos que povoaram a imaginação de muitos amantes dos ralis das décadas de 70 e 80. Não haveria heróis como Toivonen, Alen, Mikkola, Kankkunen ou Rohrl se não houvesse homens como Martin Holmes para contar e fotografar as suas proezas no Mundial de Ralis.

A paixão de Martin Holmes pelo mundo dos ralis era absolutamente ímpar e a sua longevidade como repórter do Mundial de Ralis atesta bem que era acima de tudo um grande entusiasta e um profundo conhecedor da disciplina. Primeiro como jovem leitor e depois como diretor do AutoSport sempre tive por Martin Holmes uma verdadeira admiração por tudo aquilo que ele fazia pelo seu ‘desporto’.

Numa época difícil para o ‘AutoSport’ com cortes orçamentais leoninos, tivemos de reduzir a avença de Martin Holmes para metade, o que era uma verdadeira injustiça e que em qualquer outro caso, levaria o profissional a mandar-nos bugiar.

Martin Holmes aceitou esse corte, um pouco chateado é claro, mas nunca deixou de enviar os seus longuíssimos e minuciosos ‘reports’ com uma tremenda atenção ao detalhe e sobretudo com um sentido de justiça e imparcialidade que o levava a escrever histórias não só sobre as ‘estrelas’ dos campeonatos, mas também dos segundas linhas e de todos os profissionais que se moviam nos bastidores. Martin Holmes ficará para sempre ligado à história do desporto que tanto amava e um exemplo para o que deve ser um verdadeiro repórter de ralis.

Martin Holmes e um dos seus grandes companheiros de sempre: Maurice Selden. Somando os números de ambos, 970 ralis do WRC…

Filipe Mesquita (ex-jornalista do AutoSport)

Estar lá, sem estar… e fazer tudo igual!

Decorria o ano de 2002/2003 (confesso que não me recordo ao certo) quando o Rui Freire, então diretor do AutoSport, me telefonou e disparou, sem papas na língua, no seu habitual estilo: “’Mosca’ (era assim que me tratava), a partir de agora fazes o Mundial de Ralis para o AutoSport com o Martin Holmes!”. Num misto de sensações… caiu-me tudo! Por um lado, isso significava que ia trabalhar com o maior especialista do WRC, com quem tinha tudo a aprender e há muito admirava. Por outro, que era melhor começar a pensar em contratar um intérprete pois o meu inglês era de uma qualidade, no mínimo, duvidosa!

A verdade é que, com uma paciência de santo, nesses primeiros tempos o Martin sempre me conseguiu entender (imagino o esforço!) e foi aí que comecei a perceber que as suas qualidades humanas iam muito para além de um exímio profissional e profundo conhecedor dos meandros do WRC.

Sempre pronto a ajudar com aquela explicação que décadas experiência pareciam transformar numa clarividência ao alcance de qualquer criança, Martin Holmes só podia ser, efetivamente, uma pessoa especial. Jornalisticamente falando, e entre dezenas de outras coisas, com ele aprendi que os navegadores podem contar coisas que os pilotos preferem guardar para si, que os mecânicos mais simpáticos transmitem sempre informações muito mais preciosas que o discurso “institucional” de um diretor de equipa ou até que a busca e descoberta daquele pormenor técnico do carro “x” que está no segredo dos deuses, é quase sempre um “pormaior” fundamental para explicar vitórias ou derrotas.

Recordo com saudade que cada uma das suas abordagens no famoso “Detective Holmes”, que tantas vezes “coloriu” as páginas de reportagem das provas do WRC, eram, para mim, como uma lição de jornalismo e uma inspiração para tentar fazer mais e melhor.

Mas, de Martin Holmes, há coisas que me impressionaram ainda mais. Talvez a mais marcante foi no dia em que me avisou que, devido à sua cada vez mais avançada idade, naquele ano, não iria marcar presença em todas as provas do calendário do WRC! Lembro-me de pensar: “não vai correr bem”! Mas, não podia estar mais enganado! A verdade é que a primeira vez me enviou as suas notas do Rali do México desse ano, “estando lá, mas não estando… “, elas eram ainda mais completas do que as que habitualmente me enviava “in loco”! As suas fontes eram, afinal, tão vastas e preciosas, e a sua capacidade de análise tão eficientemente pormenorizada que interpretava e descrevia tão sobejamente um rali do Mundial, a partir de um Parque de Assistência, com um bloco de notas na mão, como sentado à mesa do seu escritório usando como únicos recursos o telefone e o fuso horário bem “afinado”!

Por tudo isto e certamente por muito mais, Martin Holmes era uma personagem singular e muito respeitada no mundo dos ralis e na arte de transformá-los em emoções a partir de uma simples folha de papel. Mas era, sobretudo, um Homem com “H” grande, onde a imparcialidade, retidão e capacidade de fazer amigos, era ainda maior que o seu profissionalismo. Até sempre, Martin! Vamos ter saudades tuas e, eu em particular, do teu “Hi Felipé!”, aquela nota introdutiva que anunciava os bons momentos que se iam seguir…

Martin Holmes a contar ao Nuno Banco as suas memórias. Assunto para ‘meses’…

Nuno Branco (jornalista do AutoSport)

“Legado será o retrato fiel da evolução dos ralis”

Quando a história de um homem se confunde com a história do desporto

Quis a ironia do destino que Martin Holmes, um homem de narrativas mas também de estatísticas, nos tenha deixado numa altura em que o Mundial de Ralis parou por tempo indeterminado após completar a prova número 600 da sua história. Destas, o britânico esteve presente em mais de 500, o que fez dele uma das figuras mais emblemáticas do circo do WRC e o mais respeitado jornalista da modalidade. Martin ganhou notoriedade numa altura que pouco tem a ver com os nossos dias. Durante décadas, sem o imediatismo da internet, os adeptos de todo o mundo souberam o que se passava nos quatro cantos do planeta, sorvendo cada palavra saída da pena do homem que preteriu a advocacia em favor da enorme paixão pelas provas de estrada. Martin cultivou essa paixão enquanto navegador, enquanto fotógrafo e enquanto jornalista, chegando a desempenhar os três papéis no mesmo rali.

Quando folheamos reportagens do passado, não raras vezes entra pelos nossos olhos a figura de um repórter com duas Nikon em punho, acompanhando a trajetória do carro para ilustrar da melhor maneira as histórias que escrevia ao fim do dia. Holmes continuará a entrar pelos nossos olhos através das suas objetivas e os seus relatos permanecerão na nossa memória porque a sua história se confunde com a história dos ralis.

Conheci-o há cerca de dez anos, no Estádio do Algarve e estreitámos laços meses depois quando o projeto Mini viu a luz do dia e a zona de Ponte de Lima foi o local escolhido para os primeiros quilómetros de testes. Impossibilitado de se deslocar a Portugal, Holmes soube que eu iria ao Minho e pediu-me para recolher o máximo de informação e de fotos daquele momento histórico. Horas depois, as imagens do Mini camuflado corriam o mundo e, se o projeto acabou por ser bruscamente interrompido, a nossa afinidade duraria até ao momento em que nos deixou.

Sempre respeitei o jornalista mas havia em Martin Holmes alguns traços que justificavam a minha profunda admiração pela forma como encarava o seu trabalho: viveu uma época em que tinha os meios especializados aos seus pés. Com uma máquina de escrever e duas câmaras fotográficas, dava a conhecer ao mundo o que passava em Nairóbi, Auckland, Jyväskylä, Ajaccio ou Arganil. Atravessou o romantismo do Grupo 4, a loucura do Grupo B e as lutas titânicas dos anos 90. Com o advento da internet, das redes sociais e da informação ao segundo gerada pelas próprias marcas, podia ter cedido ao “no meu tempo é que era bom” mas sempre resistiu a isso porque acreditava genuinamente que, tal como em tudo na vida, podemos e devemos recordar o passado mas, a evolução é algo a que não podemos virar costas e é para a frente que devemos olhar quando procuramos o caminho a seguir. Fascinava-me ainda no britânico a sua inabalável paixão pela modalidade que, curiosamente, nunca esmoreceu com o passar dos anos. Quando vinha a Portugal e nos sentávamos à mesa para jantar, Martin gostava de relatar o quão produtivo havia sido o seu dia, dizendo com a alegria de um menino que acabara de entrar numa loja de brinquedos: “hoje correu bem. Entrevistei a Michèle Mouton!” Aquela era certamente e enésima vez que entrevistara a francesa mas revelava-o com o entusiasmo de quem o fizera pela primeira vez!

Sempre apreciou Portugal, a paixão que o nosso país nutre pelos ralis e o entusiasmo dos espectadores. O seu legado ficará em centenas de jornais, revistas e livros que perpetuarão o retrato fiel da evolução dos ralis, desde o seu nascimento até aos dias de hoje. É costume dizer-se que ninguém é insubstituível mas o lugar de Martin Holmes jamais será ocupado…

Colin McRae e Martin Holmes: Duas lendas dos ralis

Luís Caramelo (ex-jornalista do WRC e organizador)

A paixão segundo Martin Holmes!

Martin Holmes tinha uma paixão enorme por Portugal, pelo Rali de Portugal e por Arganil. Fez parte integrante e foi um dos mais influentes jornalistas do WRC durante mais de 40 anos, transmitindo verdadeira paixão a todos nós. Conheci-o ao lado de Colin Taylor – outro dos grandes fotógrafos de Inglaterra – e trabalhei diretamente com ele, com Hugh Bishop e com Maurice Selden, nas mais de seis dezenas de provas do Mundial que acompanhei, isto para além dos anos em que fui responsável pelo Gabinete de Imprensa do Rali de Portugal.

Fazia parte do grupo da Lousã, que era recebido nas instalações do COTF, na noite de Arganil, em que estiveram presentes ano após ano, nomes como, Michel Lizin, Ricardo Muñoz, Maurice Selden, Hugh Bishop, John Davenport, Xavier Bueno, Bernard Gautier, Rolando Sargenti, Guido Rancati, Pipo Lopez, Jean Paul Renvoizé, Esteban Delgado, Alberto Don, Maurizio Ravaglia, Vincent Lemay, António Catarino, Adalberto Ramos, Jorge Cunha, enfim, toda uma geração de grandes jornalistas/fotógrafos, que marcaram os ralis naquelas épocas. Tinha uma paixão enorme por Arganil e pela Serra do Açor, como ele próprio nos conta. Até sempre Martin!

O Significado de Arganil

Como fotógrafo de ralis, Portugal sempre foi um desafio especial. Eu feito a prova anteriormente como navegador e sabia que havia muitos locais maravilhosos à volta do percurso do rali, onde por certo poderia obter fotos fantásticas.

O problema é que os mapas públicos da área eram tão, maus que nunca conseguiria encontrar as estradas de acesso para alcançar esses lugares no dia do rali. A verdade era que nunca soube exatamente onde estava! As colinas de Arganil eram realmente um grande problema.

Estive sempre muito em contacto com o Rali de Portugal. Os organizadores do rali sempre foram amigos e cooperantes “qb”, mas nunca totalmente esclarecedores, no que se refere à Serra do Açor. Uma noite, após o trabalho do dia, perguntei a Luis SalesGrade, o Director da Prova da altura, se me poderia indicar alguém que realmente conhecesse as estradas e caminhos, e pudesse ter mapas detalhados da área Arganil; A polícia, as autoridades locais, ou quem mesmo? Foi-me dito que era um segredo bem guardado, e que mesmo que me dissesse, teria que prometer que nunca abordaria ou incomodaria as referidas pessoas. OK, eu concordei e ele disse que era “alguém” do corpo de bombeiros.

Um ou dois anos depois, o meu antigo colega português, Francisco Santos concordou em fazer uns reconhecimentos do percurso antes do Rali de Portugal com o seu Daihatsu 4×4, verificando as estradas de Arganil, procurando locais e vias de acesso aos troços, para não andarmos perdidos no dia da prova. Ao fazer esse trabalho ao longo de vários anos e cruzando os livros das estradas do rali, fizera mapas bastante detalhados da Área de Arganil, mas ainda assim o percurso da prova mudava de ano para ano e era difícil escolher locais adequados, com a luz ideal para fotografar, evitando as sombras e os contra-luz… enfim sempre um grande trabalho.

O reconhecimento estava a correr bem até que, de frente, apanhámos com o Clio de José Carlos Macedo e o Miguel Borges! O impacto frontal foi repentino e, para o Clio de Macedo, definitivo. O Daihatsu não tinha nada, mas o Clio ficou imóvel. Pegámos nos dois – um pouco contra a minha vontade – e levámo-los para Arganil, com a promessa de que nos diriam qualquer coisa de importante referente aos reconhecimentos…

O Macedo e o Miguel indicaram-nos-nos o caminho para o centro de Arganil e fomos parar a um pátio fechado que reconheci à primeira; Estávamos no meio no Quartel dos Bombeiros de Arganil, que eu recebera ordens para nunca visitar e… surpreso, pude ver, forrando as paredes os mais fantásticos mapas detalhados da região, enfim a solução para os meus problemas…

Tive nessa altura, a fortuna de conhecer o homem que fazia Arganil funcionar. Eduardo Ventura era o Sr. Fix-It da cidade, dono de hotéis e grandes lojas, e mais importante para mim, comandante do Corpo de Bombeiros. Era conhecido como o “comandante” e era incrível o que sabia acerca ralis e quantas pessoas e equipas eram seus amigos pessoais… Histórias muitas, mas no meio da conversa acerca da paragem e assistência da Ford, numa das paragens da “Grande Maratona” na qual o Escort MK1 depois vencedor, garantiu uma nova vida, avançámos para a questão de 1968, quando a Lancia – “alegadamente”, como agora se diz – trocou “provisoriamente” os dois Fulvia no pátio dos bombeiros no meio da prova… Uma ação que os organizadores sabiam ter acontecido, tendo eventualmente persuadido o piloto Tony Fall a realizar uma violação pública das regras no final de o evento para se excluir com honra… O Sr Comandante Ventura foi um pouco evasivo…

“Sinceramente, não posso dizer, mas era possível.” E começou a contar mais histórias sobre as colinas de Arganil e sobre o Rali de Portugal. Muitas coisas pareciam acontecer no quartel de bombeiros; Uma vez François Delecour, forçou os mecânicos da Ford a trabalhar muito tarde uma noite depois um acidente nos testes pré-rally. Às 11 da noite os mecânicos começaram a ficar cansados e a pedir comida. Tudo fechava em Arganil por vota das nove horas, mas uma senhora idosa viúva cujo prazer na vida era fazer rissóis, concordou em ajudar. Prontamente trouxe os rissóis durante a noite para o quartel de bombeiros em intervalos regulares, enquanto os homens desesperados da equipa inglesa tentavam reparar os danos que o piloto francês havia causado! Ventura disse-me: “Na verdade, acho que controlo a maioria das coisas na região, não apenas o próprio Arganil! Eu não costumava controlar o convento, mas sei muito sobre o que aconteceu lá. Um dia, Michele Mouton foi convidada para uma festa lá, durante a qual ela achou que seria bom orar ao patrono, para lhe dar sorte no rali. Ela ganhou a prova …! ” O Didier Auriol, quando se viu a dormir num convento, ligou para toda a gente e estava maravilhado com a experiencia. Como colaborador da organização, os espectadores eram no entanto, a maior preocupação, pois alguns eram mesmo irresponsáveis. Um dia encontramos uma criança que havia sido deixada no carro de um espectador durante toda a noite até de manhã, porque os pais desesperados tinham-se esquecido onde o mesmo estava estacionado. Noutra ocasião, com grande aparato e muita eficiência, uma senhora deu à luz quando assistia ao rali… Aventuras, Martin”. “E lembranças felizes? ” Eu sempre gostei de organizar uma partida de futebol para os pilotos, e Carlos Sainz sempre foi o primeiro voluntário. Ninguém jogava grande coisa, mas ao volante eram grandes pilotos. O Martin sabe. Passou aqui alguns dias connosco e agora com os novos mapas, já conhece Arganil melhor que… eu. ” O problema é que o rali (em 2008) deixou de ir a Arganil… Martin Holmes (25 Agosto) 2008 Nota: Texto redigido em 2008. Felizmente para o Martin e para todos nós, o Rali de Portugal já voltou a Arganil!

Martin Holmes no seu ‘meio’… (FOTO Esteban Delgado)

Esteban Delgado (Jornalista/Fotógrafo WRC)

‘Vademecum’ Holmes

Diz o Dicionário da Academia Real diz que ‘Vademecum’ é um livro ou manual de pequeno volume, e fácil de consultar, que contém as noções elementares de uma ciência ou técnica. E décadas antes do aparecimento, popularização e massificação da Internet, esse foi o papel disfarçado de ser humano, que um inglês chamado Martin Holmes desempenhou no mundo dos ralis.

Advogado, co-piloto de renome e fotojornalista, foi responsável pela divulgação, todos os fins-de-semana, do que se passava nos ralis, tanto a nível mundial como europeu, distribuindo comunicados de imprensa e fotografias na era analógica. Lembro-me quando a minha revista, Motor 16, decidiu não ir ao Rally da Nova Zelândia em 1990 devido à impossibilidade de regressar a tempo do fecho para impressão, na segunda-feira, pedi ajuda ao Martin e ele envolveu-se, facilitando e enviando-nos por ‘correio’ duas ou três fotografias durante as provas anteriores e uma fotografia fantástica de Carlos Sainz com o agora Rei de Espanha, SAR Felipe VI visitando aquelas terras que serviram para ilustrar a minha crónica.

Educado, vocalizando as suas palavras para que o seu interlocutor pudesse compreendê-lo, recetivo às novas gerações que queriam seguir os seus passos e fazer o seu caminho, nunca hesitou em partilhar dados que tinha na cabeça, com jornalistas mais novos, pois tinha uma boa memória que significava muitos ‘Gigas’. O seu profissionalismo levou-o a continuar depois de ter encerrado a etapa dos 33 anos do livro ‘World Rallying’, hoje uma verdadeira bíblia, nas provas do Campeonato do Mundo, sempre à procura da fonte das notícias, apesar de já lutar contra a doença e com os desejos da sua mulher Sally – com quem já se reencontrou – de ficar em casa. Descansa em paz, querido amigo, maestro, catedrático, graças a ti em boa parte, hoje os ralis são o que são.

18.12.96 num teste da Subaru, em Ostersund, com 25 graus negativos

Hayley Gallagher (Delegada de Imprensa da FIA WRC)

“A sua determinação era insuperável”

“Martin era o personagem mais conhecido, significativo e mais antigo do Parque de Assistência do WRC, e todos terão muitas saudades dele. Não será esquecido neste desporto, e a muitos níveis diferentes. Globalmente, o seu conhecimento sobre ralis era enciclopédico e a sua determinação em documentar a história do desporto era insuperável. Ele perseguiu com entusiasmo o mais pequeno pormenor por cada história que escreveu e as suas palavras e imagens ilustraram publicações em todo o mundo, durante décadas.

Foi-lhe atribuído o estatuto de membro honorário do corpo de imprensa da FIA pelo seu extraordinário empenho e contribuição para o jornalismo no desporto automóvel, tendo celebrado orgulhosamente o seu 500º evento do WRC, no Rali de Portugal 2016. Era sempre igualmente feliz enquanto falava e partilhava histórias com absolutamente toda a gente no parque de assistência dos ralis. Martin é uma enorme perda para o desporto e envio as minhas mais sinceras condolências a toda a sua família e amigos”. A foto que ilustra foi tirada a 18.12.96 num teste da Subaru, em Ostersund, com 25 graus negativos!

Hayley Gallagher (Relações Públicas da Subaru World Rally Team (1996-1998); Diretora de Relações Públicas da Toyota Team Europe (1999); Responsável pelas Comunicações, Mitsubishi Ralliart (2000-2005); Delegada de Imprensa da FIA WRC (2006-2018).

Martin Holmes by Rheinhard Klein

Richard Millener (WRC Team Principal, M-Sport)

“Vai levar muito tempo para que alguém preencha a lacuna”

“Foi mesmo muito triste ler sobre o falecimento doe Martin Holmes durante a passada semana. Só conheci o Martin nos últimos anos, por isso não vivi tantas ‘histórias’ com ele, mas embora tenha sido um tempo relativamente curto, consegui certamente compreender o carácter do Martin!

Por vezes, se soubéssemos que se passavam algumas coisas no mundo dos ralis, que não queríamos, ou não podíamos falar na altura, então era certo que tentávamos evitar o Martin, o máximo de tempo possível, porque sabíamos que ele saberia tudo sobre o assunto e quereria perguntar-nos! Martin era de longe um dos jornalistas mais atualizados e conhecedores no parque de assistência. Antes de cada evento, ele costumava pedir-nos os números de matrícula e de chassis de todos os carros que utilizávamos, para poder manter os seus registos atualizados. A sua atenção ao pormenor era absolutamente incrível.

Pessoas como o Martin fizeram muito pelo desporto, os seus livros de ‘World Rallying’ foram a enciclopédia do Mundial de Ralis durante muito tempo e as suas publicações, estou certo, levaram à criação das bases de dados online a que todos estamos agora tão habituados.

Martin fará muita falta e vai levar muito tempo para que alguém tão apaixonado, intensamente conhecedor e entusiástico preencha essa lacuna”.

Poucos levaram tão longe a sua paixão e profissionalismo como Martin Holmes

Rui Francisco Soares (Engenheiro Toyota Gazoo Racing WRC)

O ‘Sherlock’ Holmes da minha infância partiu

O Martin Holmes foi uma figura que acompanhou a minha infância. O meu Pai, um grande fã do desporto automóvel e dos ralis em particular, colecionava os seus anuários ‘World Rallying’, que descansavam ao lado dos ‘Rallyes e Velocidade’ e de ‘O melhor rallye do mundo’ de João Anjos e depressa se tornaram a minha leitura preferida enquanto crescia.

Longe ainda de imaginar que seria a minha profissão, essas ‘bíblias’ cultivaram o meu gosto pelos detalhes mais pequenos de um mundo tão grandioso como o WRC, que ele tão bem descrevia. As suas fotos a pormenores como as condutas de ventilação nas jantes dos Lancia Delta ou ainda dos amortecedores com reservatório externo da Kayaba no Nissan 200SX de ralis no final dos anos 80 (quem mais tiraria foto a tal pormenor hoje tão generalizado?!), alimentavam a minha curiosidade e ficaram cravadas até aos dias de correm! Já para não falar das fantásticas tabelas com as descrições técnicas dos principais carros de rali e o facto de que poderíamos ver fotos e ler a história dos pilotos da frente, mas também dos que apareciam muito mais atrás.

Dito isto, é fácil entender que a 1ª vez que nos cruzámos, eu não tinha muitas palavras e não precisava. Era a minha primeira participação fora do conforto de uma equipa Nacional, o Rali de Portugal em 2011. Estávamos no parque de assistência do estádio do Algarve e apercebi-me que ele estava a ‘rondar’ o carro. Depressa fui na direção dele, sem saber o que iria dizer, tantas eram as perguntas que eu tinha imaginado quando lia os seus livros. Antes que eu pudesse abrir a boca ele confirmou-me todas as provas que aquele chassis tinha feito, numa conversa desprovida de qualquer arrogância. Eu apenas acenei. Disse-me que não me conhecia e eu apresentei-me, mas apenas até dizer que era português… e não pude dizer nada mais. O seu fascínio pelo nosso país veio ao de cima e em vez de ser eu a ‘gabar-lhe’ o nosso cantinho à beira mar plantado, era ele que me falava com um carinho que eu nem sabia absorver tal era a sua abertura. Não era só um apaixonado pelas corridas, era também pelos países onde passava. As suas histórias transcendiam os troços e as pessoas “dos ralis”. Ele conhecia tascas e até polícias pelo nome.

Ao longo dos anos cruzámos-nos muitas vezes e era visível que o seu trabalho, era mesmo seu. Não tinha mensageiros ou informadores, era acarinhado e respeitado, e isso dava-lhe acesso a toda a informação que precisava para escrever. Das histórias generalistas, aos pormenores que apenas uma mão cheia de jornalistas tem acesso. Quando se dirigia ao carro em que eu estivesse a trabalhar dizia-me com um sorriso o seu número de chassis e eu apenas acenava, como da 1ª vez que nos cruzámos. A última vez que falámos foi no rali da Alemanha de 2019 onde, no final de sábado, nos disse “amanhã pode acontecer algo raro” e assim foi, mas nunca mais nos cruzámos. Sabíamos que a sua condição era débil, mas nunca esperamos ouvir a notícia. O ‘Sherlock’ Holmes da minha infância partiu, mas o seu legado ficará para sempre pois o historiador ficará na história. Até sempre! Um grande Abraço!

Martin Holmes com Armindo Araújo

Armindo Araújo (Piloto do Team Armindo Araújo/The Racing Factory)

“Vai ser recordado como um grande símbolo do WRC”

“Conheço o Martin Holmes há 18 anos, e esta é para mim uma notícia muito triste. As primeiras imagens que tenho dele são do Rali da Madeira de 2002, em que foi muito simpático para mim, esteve a ver-me andar durante toda o rali e no final convidou-me para ir fazer o Rali de Antibes, um rali em França onde ele tinha boas relações, fez tudo para que eu pudesse lá ir correr.

Depois o Martin sempre acompanhou o Rali de Portugal, como nós sabemos, foi sempre duma delicadeza extrema, uma pessoa com grande conhecimento, grande historial no Mundial de Ralis, sobre todas as equipas e pilotos. Com a minha ida para o Mundial, acarinhou-me sempre muito, ele gostava muito de Portugal e dos portugueses, acompanhou toda a minha carreira do Grupo N, mesmo a do WRC, tivemos longas conversas sobre o projeto WRC da Mini, é uma pessoa que vai deixar muitas saudades, e este é um momento muito triste para o Mundial de Ralis. Mas é uma pessoa que vai ser recordada para sempre como um grande homem e um grande símbolo do WRC. Descansa em paz, Martin.”

Hugh Bishop e Martin Holmes, Estoril, Rally Portugal 1986

Henrique Sequerra (ex-Chefe de Redação da Turbo)

Sherlock Holmes

É-me impossível recordar as longas noites e madrugadas de Arganil sem imaginar aquela figura magra e longilínea, com o seu cabelo branco revolto e a pele avermelhada pelo sol português. Ao peito, as inseparáveis máquinas fotográficas. Ao lado, sempre presente, o anafado Hugh Bishop, outro britânico que corria mundo atrás do pó acelerado dos ralis, mas que também sentia a prova portuguesa como um dos seus destinos de eleição e de paixão. Juntos, pareciam o D. Quixote e o Sancho Pança. Mas em vez de moinhos imaginários, os dois cavaleiros andantes traziam na alma uma enorme bateria de conhecimentos que os colocavam justamente entre os mais dotados na magia dos ralis.

Amigo de longa data do Fernando Petronilho, o Martin Holmes tinha o condão de se integrar sem preconceitos entre a arraia-miúda dos repórteres portugueses que marcavam encontro no final de cada troço do Rali de Portugal. Apuravam-se os registos do cronómetro e tentava-se, por todas as vias, chegar à fala com os pilotos das equipas oficiais em busca de informações que pudessem enriquecer a prosa jornaleira ou, noutros casos, abrilhantar a mensagem a debitar para as rádios que acompanhavam a prova em direto. Nessas ocasiões, quando se pressentia que algo de anormal se passara no troço, era comum ver o Martin Holmes adotar uma de duas táticas. Ou era o primeiro a dirigir-se ao carro recém-chegado ao controlo, inteirando-se rapidamente da situação ou, pelo contrário, deixava-se ficar para trás. Esperava que assentasse a ‘poeira’ levantada pelos repórteres portugueses e só depois ia, sereno e afirmativo, tirar os nabos da sua púcara. Quando o via movimentar-se com toda a agilidade e segurança entre os pilotos e os chefes das equipas de fábrica, dava por mim a apelidá-lo como o verdadeiro Sherlock Holmes dos ralis, tal o respeito que inspirava pelo estatuto construído ao longo de muitos anos; primeiro como navegador, depois como jornalista e editor de anuários de referência. Para ele, não havia segredos. E se, como cheguei a testemunhar, algum piloto lhe desse uma explicação que não o satisfazia, dobrava o seu longo esqueleto para o interior do habitáculo, baixava o tom de voz e acabava, tenho a certeza, por sacar a informação que a sua enorme audiência de leitores, espalhados por todo o mundo, sabia ser a justa e a correta.

Onde quer que passe um carro de rali, no meio do pó, à chuva ou ao sol, a figura ímpar do Martin Holmes continuará a ser recordada e homenageada pelo seu tributo enorme à competição e, também, à promoção do nome de Portugal além-fronteiras.

António Catarino (jornalista)

Arganil, dicas e livros como moeda de troca

Figura carismática do mundo dos ralis, Martin Holmes era, acima de tudo, um jornalista não só muito conhecedor da matéria; mas, muito em particular, alguém reconhecido pela valia das suas fontes. A paixão que nutria pelos ralis era enorme. A fotografar e a escrever, Martin Holmes era um amante vibrante da causa que abraçara. De tal modo, que ganhou, muito justamente, o estatuto de lenda. Era alguém sempre predisposto a questionar, a procurar saber mais este e aquele pormenor, por vezes a tentar encontrar uma explicação, um fio condutor para contar (bem) uma história. Afinal, a essência do jornalismo.

Em muitos anos que já levo a acompanhar ralis como jornalista, aquém e além-fronteiras, a convivência com mister Holmes foi óbvia. Apaixonado por Portugal e pelo nosso rali, pretendia sempre, quando nos encontrávamos, saber o que por cá se passava. Um belo dia, creio que na Córsega, abeirou-se de mim, no seu estilo peculiar, sentou-se na mesa em que eu estava a escrever e tratou de disparar perguntas relativas ao Rali de Portugal. Estava no horizonte o regresso da prova ao Mundial e a grande novidade, muito falada nos bastidores, era a mudança de palco para o Algarve. Martin Holmes queria saber pormenores do traçado, que tipo de classificativas.

A certo trecho da conversa, abanando a cabeça, dizia não compreender o motivo porque Arganil ficara fora da estrutura do rali.

De sublinhar, que Martin Holmes foi, desde sempre, um fervoroso adepto dos troços da serra do Açor e um grande divulgador das classificativas da região. Fez amizades na vila e em 1992 colocou mesmo na alta roda a Renault 4 L de António Pinto dos Santos, o engenheiro do Município onde Francisco Vasconcelos era outro elemento fundamental na logística do rali.

Para Martin Holmes era quase uma blasfémia excluir Arganil. Mais conformado, falou um pouco da atualidade do Mundial e entendeu-me dar uma ou outra dica, pistas para meter pés ao caminho e tratar de averiguar, de fazer notícia, se fosse o caso.

Mas, a generosidade do mestre não acontecera por acaso: senhor de um sarcástico humor britânico, iluminado por sorriso à mistura, Martin Holmes indagou: «Importas-te de levar alguns exemplares do World Rallying para Portugal e entregar a alguém do AutoSport?».

Claro que anuí de bom grado a transportar os livros. Mas, reforcei a ideia, transformada em princípio, de que tudo na vida tem um preço, ou seja, uma moeda e troca. Todavia, se fossem pagas em libras, as dicas de mister Holmes teriam, certamente, ficado mais caras…

Foi atribuído a Martin Holmes o estatuto de membro honorário do corpo de imprensa da FIA pelo seu extraordinário empenho e contribuição para o jornalismo

no desporto automóvel, tendo celebrado orgulhosamente

o seu 500º evento do WRC, no Rali de Portugal 2016

Bruno Magalhães (piloto do Team Hyundai Portugal)

“A morte do Martin Holmes, é sem dúvida uma grande perda. Lembro-me perfeitamente a primeira vez que me entrevistou, em 2005, no Rali de Portugal. Veio ter comigo após a primeira secção, no Algarve devido ao ritmo que tínhamos colocado no início da prova, sendo a sua imagem de marca a máquina fotográfica de tamanho reduzido, que tinha sempre na mão. Na altura foi um grande privilégio poder falar com uma pessoa tão sábia acerca de ralis em todo o mundo”.

Martin-Holmes (McKlein-Photography)

Reinhard Klein (Editor e fotógrafo)

“Recordo uma história engraçada, passada em 1981. Juntei-me a Martin Holmes no seu carro para acompanhar o Rali da Argentina naquele ano, pois não tinha transporte. O Martin conduziu tão depressa, e louco no trânsito normal naquele dia que eu fiquei realmente assustado, e daí para a frente nunca mais voltei a andar com ele. Mas sempre fomos amigos.”

Filipe ‘Fifé’ Fernandes (navegador)

“Tive o grato prazer do ter conhecido ao vivo e a cores no Rali de Monte Carlo em 73. Uma pessoa de um espírito sempre aberto e muito conhecedor de tudo o que era ralis. Fez de tudo na vida , de foto-jornalista a navegador e sempre em grandes equipas. Ao longo de vários anos fomo-nos cruzando e sempre que podíamos trocávamos opiniões sobre as nossas máquinas fotográficas Nikon, mas também trocávamos opiniões sobre os ‘atalhos’ para os troços. Num dos ralis de Monte Carlo, a meio da noite do Turini , entre as duas passagens, resguardávamos-nos no hotel Trois Vallé e sempre a atualizarmos as nossas conversas. Senti a sua revolta num Rali de Portugal, quando os Vauxhall Chevette não puderam alinhar por causa da embraiagem não homologada. Já na sua fase final , e muito debilitado, a sua chama continuava acesa. Todo o mundo nunca se esquecerá dele. Até já Martin.

Jorge Cardoso (leitor do AutoSport)

No Rali de Portugal 2010 concretizou-se um jantar entre a inseparável dupla Martin Holmes/Maurice Selden e um grupo de amigos, já com bastantes Ralis de Portugal no currículo. Não faltaram inúmeras histórias e estórias, sempre com o mesmo denominador comum. Já na saída do restaurante, comentou-se algo sobre filhos e o Martin Holmes perguntou-me se tinha descendência. Que sim, respondi-lhe, e que um deles, não fossem as obrigações escolares, provavelmente também por ali andaria.

Nesse ano, tinha colocado na bagagem o World Rallying 1, que no entanto me esquecera de levar para o jantar. Falhada uma oportunidade de ouro para o almejado autógrafo daquele que era o Yearbook de referência, no dia seguinte, já no parque de assistência do Estádio do Algarve, com o livro na mochila, toca a abrir os olhos. Lá estava ele, de caneta e pequeno bloco de notas, de volta dos famigerados números de chassis. Quando lhe pedi o autógrafo, perguntou-me se queria com dedicatória, e de pronto acrescentou, que se assim fosse, o meu filho ganharia menos dinheiro quando um dia o quisesse vender no eBay. Respondi-lhe que preferia com dedicatória e vi abrir-se um sorriso cúmplice. O livro, na companhia dos restantes 32, bem como da edição exploratória de 1978, por cá continuam, repletos de memórias. Será sempre a Referência; que descanse em paz.

Vasco Morgado (leitor do AutoSport)

Ainda em Abril passado – na altura da celebração do seu 80° aniversário – aqui lhe enderecei os meus parabéns e agora sou confrontado com a triste notícia do seu falecimento. A vida é mesmo assim mas custa muito ver partir pessoas como o Martin, com o calibre de conhecimentos adquiridos ao longo de décadas dedicadas a uma das suas grandes paixões; os Ralis, não só como fotógrafo mas também como jornalista e navegador. Pessoalmente tive o privilégio de ter estado com o Martin e com o seu inseparável amigo Maurice Selden, num jantar durante um dos ralis de Portugal ocorridos no Algarve. Foi um prazer enorme ouvir histórias por ele vividas ao longo da sua longa e riquíssima carreira, quer como navegador fotógrafo e jornalista. Até sempre Mister Holmes.

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christopher-shean
christopher-shean
3 anos atrás

Belo artigo… DEP!

luis.fideles
luis.fideles
3 anos atrás

Nunca conheci o Martin mas lembro-me de lhe reconhecer a escrita desde que me apaixonei pelos ralis. Ler o que ele escrevia era saber algo mais, era conhecer detalhes que mais ninguém publicava, era ter a certeza que “ralis” eram lingua sagrada e ele era o Santo que tinha sido escolhido para escrever a sua Biblia. DEP e continua a divertir-te algures com todos esses ases que tão bem conheces e que agora acompanhas em mais um qq rali 🙂

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