Logística no WRC: Com a casa às costas

Por a 18 Maio 2020 18:04

No Campeonato do Mundo dos Ralis, competição em que as regras foram feitas para reduzir os custos, há um aspeto que ao longo do tempo foi ganhando ganha cada vez mais predominância: a logística. Afinal, pode estar aí a diferença entre o sucesso ou insucesso de uma equipa.

Num Mundial de Ralis com 14 provas distribuídas pelos quatro cantos do Mundo, é fácil imaginar que as operações logísticas ao nível humano, mas principalmente na componente material, são um fardo muito pesado de carregar na estrutura e organização de qualquer equipa.

É fácil perceber que a logística é uma das partes mais importantes do orçamento de qualquer equipa e que, se bem gerida, pode evitar erros orçamentais graves. O dinheiro que se pode poupar é quase proporcional à forma como as equipas trabalham.

Planear a época

Em termos práticos, tudo se inicia com a criação de um plano que é traçado antes da época começar e que abarca todo o campeonato. Esse plano cobre todas as tarefas que os elementos das equipas têm de fazer, quer durante as provas, quer na sua preparação, levando também em linha de conta o grau de flexibilidade que exige o facto de um carro poder ser destruído durante uma prova e haver necessidade do substituir por outro na prova seguinte.

No fundo, o processo inicia-se com a elaboração de um cálculo de datas de quando os carros têm que sair das oficinas, a que não é indiferente a marcação dum plano de testes elaborado, mal é conhecida a calendarização das provas. A partir daqui é definido que tipo de trabalho é preciso fazer em cada carro, ao que se segue a planificação pessoal. Ou seja, são distribuídas tarefas aos elementos da equipa que se dividem em dois grupos distintos, equipas de prova e de testes, sendo também nessa altura que se define quem vai para onde e quando.

Com três carros por prova, em média, as equipas apuram quais as melhores soluções para rentabilizar tempo e dinheiro, dividindo os grupos de trabalho em dois, sendo que – e sem podermos garantir que é assim em todas as equipas – cada mecânico vai a metade das provas do calendário, ocupando o restante tempo na preparação dos carros de forma a que estes possam participar na prova para a qual foram concebidos. Era assim que a Citroën trabalhava. Neste momento, o processo passa por uma equipa que faz os ralis e uma equipa de testes, não havendo muita gente que passe de um lado para o outro, exceção feita aos engenheiros.

Depois há uma pequena equipa de oficina que garante que haja tarefas que vão sendo feitas enquanto a equipa, que de facto monta os carros, está nas provas. O caso da M-Sport é um pouco diferente porque têm normalmente muitos ‘rookies’ que vão fazendo de tudo um pouco.

Isso significa que há sempre carros a ser construídos nas linhas de produção, mesmo que metade da equipa esteja a disputar um rali.

No total, as equipas planeiam para uma temporada ‘X’ sessões de testes (depende dos dias de testes disponíveis e tentam agrupar-se ralis parecidos de forma a gastar menos dias e fazer o trabalho na mesma). Há ralis que tem duas sessões (Monte Carlo e Suécia, normalmente), há ralis com sessões divididas (México/Argentina, Portugal/Itália) e ralis que não tem nenhuma sessão (Austrália), o que quer dizer que não se está a falar de apenas 14 ralis, mas sim dos ralis somados com os testes, que somados obrigam ao trânsito de inúmeros veículos de apoio, cada um com funções claramente definidas e alguns deles a necessitar também de cuidados especiais de preparação.

Normalmente há seis carroçarias de prova onde se vão montando os componentes que fazem o carro. E depois há dois carros de teste e uma terceira carroçaria disponível, se necessário.

Afinar processos

A FIA tem-se esforçado para facilitar a logística das equipas, no entanto, nem sempre tem conseguido colocar em prática esse objetivo pois por vezes há boas ideias, mas a maneira como são postas prática não resulta. Hoje em dia, há dois ‘kits’ completos de todo o material necessário, um para as provas europeias e outro para as provas intercontinentais, sendo que se este fosse um ano ‘normal, esse ‘kit’ de material suplente mais banal e o do ‘service’ seriam transportados para a Argentina. Os carros voam de volta para a base entre cada rali (exceção feita ao passado entre os ralis da Argentina e do Chile em que a preparação foi feita ainda na Argentina, antes de se viajar para o Chile) juntamente com os componentes maiores como caixas, diferenciais, motores, suspensão. O resto das peças iria do México para a Argentina e daí para o Quénia, depois para a Nova Zelândia, e finalmente para o Japão.

Mas por onde poderá passar o futuro, nesta área área vital do Mundial para as equipas e respetivos orçamentos? Eis uma pergunta que não tem, para já, uma resposta objetiva, mas para a qual nos dizem que pode haver uma razoável solução: Elaborar o calendário ‘olhando’ para as deslocações e fazendo o calendário nessa lógica.

Por exemplo, colocando o Rali da Catalunha uma semana antes da Córsega ou da Sardenha, ou vice-versa, ‘ligar’ os ralis da Finlândia e da Alemanha. O AutoSport sabe que os ‘double headers’ são, de facto, uma solução que todas as equipas gostam, mas tem de ser feitos com muito cuidado porque um rali pode comprometer o outro.

O grande entrave neste momento é a extensão e dispersão do campeonato. As analogias com a Fórmula 1 não se podem fazer porque o WRC está oito dias em cada local (11 os das equipas que montam e desmontam as estruturas). São exemplos fáceis de perceber que ajudam a poupar imenso tempo, recursos e dinheiro. Fazer um sistema de emparelhamento, que como se percebe reduzem os custos de logística, mas com um calendário maior, a logística aperta-se fortemente, e tudo isso tem que ser posto em perspetiva.

Camiões transportam tudo

Uma parte importante do serviço de logística é assegurado pelo transporte de material em longos camiões que atravessam a Europa. Mas até aqui as complicações existem, devido à obrigatoriedade dos taquímetros que restringem as horas de condução dos condutores, o que obriga, muitas vezes, a delinear um plano para os substituir. Outro problema resulta da proibição de circulação ao domingo de camiões tanto em França como na Alemanha (normalmente os camiões das corridas estão autorizados mas são exceções pontuais), de forma que é também necessário fazer um plano muito rigoroso para que tudo chegue a horas aos locais do destino. Já houve casos bem complicados, por exemplo com o Rali da Turquia, na altura em que um vulcão da Islândia parou o tráfego aéreo na Europa.

Normalmente, dis camiões de 18 toneladas levam todo o equipamento necessário e apenas são usados os contentores para o transporte do material para os ralis fora da Europa, menos os ‘muletos’ para os pilotos treinarem já que esses vão dentro de camiões de 7,5 toneladas que. Longe vão os tempos em que oito a dez pequenos furgões transportavam todo o material. Curiosamente, a maioria das peças sobressalentes acabava por ser usada mais nestas carrinhas do que propriamente nos carros de competição…

As diferenças para a F1

Um dos maiores problemas da logística do Mundial de Ralis é o facto desta “ciência” estar agarrada às “pequenas coisas”. A facilidade da montagem de infra-estruturas é, por exemplo, diferente das que se veem na Fórmula 1. Para começar, nesse restrito meio de monolugares de sonho as equipas levam e instalam o seu equipamento em locais seguros e praticamente “à prova de água”, onde as condições de trabalho são quase perfeitas. Basta olhar para as imponentes motorhomes atuais. Ora, no Mundial de ralis, as coisas são diferentes, mas melhoraram muito ao logo do tempo, especialmente quando a Hyundai começou a ter um autêntico ‘Castelo’, depressa sendo seguido pelas restantes. A M-Sport é claramente a estrutura mais pequena, mas nem por isso menos eficiente.

E há outro dado. Há parques de assistência que nem sempre têm condições perfeitas e por isso as equipas podem ter que transportar muito mais material para dar resposta a este tipo de variações. Outro aspeto a reter é que enquanto na Fórmula 1 os “paddocks” ou as “motorhomes” tem chão de relva e proteções contra as más condições atmosféricas, nos ralis o espaço das equipas no Parque de Assistência é muito mais limitado e imprevisível, o que obriga a uma melhor coordenação de espaço e de material. A única semelhança é que, em ambos os casos, é obrigatório transportar material que se pode considerar, equipamento estúpido, mas indispensável e que não são mais do que mesas, cadeiras e toldos!

Pneus e gasolina são um descanso

Entre as múltiplas tarefas logísticas que ocupam as diversas equipas do Mundial de Ralis, duas há que se excluem. É o caso do transporte dos pneus e da gasolina. É a Pirelli, para o ano a Michelin, que levam as borrachas, embora as equipas levem as jantes que depois as entregam às fabricantes de pneus para os montar já no local do evento. É só mesmo coordenar o local e a hora onde a referida operação de montagem se irá processar. No que toca ao combustível que alimenta os motores dos carros, o princípio não varia muito. Há umfornecedor central que leva a gasolina que as equipas utilizam, sendo que as equipas apenas pagam a gasolina que utilizam e não têm que se preocupar com o transporte das bombas. É mais uma poupança de tempo e dinheiro que liberta a mente para outras preocupações. Este ‘circo’ itinerante é necessário, sendo muito pouco valorizado pelos adeptos. Não haveria ralis sem a logística. Tão simples como isso…

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