Entrevista Andrea Damo: “Somos todos inteligentes, o Ott (Tänak) e o Thierry (Neuville) sabem o que fazer”

Por a 21 Janeiro 2020 11:11

Por José Manuel Costa

Andrea Adamo será, por ventura, uma das personagens mais interessantes do Mundial de Ralis, não só pelo seu estilo descontraído e brincalhão, mas sobretudo pelas suas convicções, pelo seu compromisso e pela ambição bem controlada que impede a Hyundai Motorsport de dar “o passo maior que a perna”

Acordar às 3 da manhã para apanhar um avião é sempre um exercício complicado, mas ter a oportunidade de conhecer, por dentro, a Hyundai Motorsport e o seu responsável máximo, Andrea Adamo, justificou a soneira com que entrei no Airbus da Lufthansa e roncar durante mais de duas horas no desconfortável banco do A320 Neo. Quando, finalmente, cheguei à Carl Zeiss Str., na cidade de Alzenau, e entrei portas adentro da Hyundai Motorsport, senti-me em casa. Culpa, claro, da Nicoletta Russo, a responsável de relações públicas e imprensa da divisão desportiva da casa coreana e filha de Ninni Russo, um nome muito conhecido do mundo dos ralis por ter sido um dos mais importantes elementos da equipa oficial Lancia dos anos 80. Uma portuguesa (da parte da mãe, irmã do piloto português João Santos) que saiu da Motorsport Italia – onde esteve o Armindo Araújo – para a Hyundai Motorsport.

Eu que tive o privilegio de conhecer Ninni Russo ali em Alfragide quando a equipa Lancia vinha ao Rali de Portugal e o meu querido e saudoso pai usava a prerrogativa de ali trabalhar, para me levar a ver os carros. Confesso que, ao olhar para a Nicolleta, vejo o pai, e recuo com saudade e prazer aos tempos em que era garoto e queria, um dia, fazer parte daquela festa.

Apesar deste conforto lusitano logo à entrada, o rigor germânico obrigou ao registo da entrada e à impressão de cartões de identificação para tudo ficar registado. Estava chegada a hora de entrar no “santuário” da Hyundai Motorsport e nas suas duas grandes áreas de trabalho: competição cliente e Mundial de Ralis.

Quem é Andrea Adamo?

O pai foi comissário técnico da federação italiana de desporto automóvel e a família esteve sempre ligada à competição, pelo que o jovem Andrea bebeu golfadas de automobilismo que o foram entusiasmando e formado o seu desejo para o futuro da sua vida. “Tinha de ter boas notas pois só assim poderia ir com o meu pai ver ralis e não me esqueço das saídas para ir ver um rali. Lembro-me das discussões entre o meu pai e primo dele, com o meu pai a defender a Fiat, o primo a Lancia, via-os a fazer o farnel para irem ao Sanremo ou ao Monte Carlo, cresci a ler a Autosprint e depois a Rombo, pelo que a paixão cresceu muito nesses anos.” A família, claro, desejava que fosse um advogado ou um médico, mas a competição automóvel marcou-o de forma decisiva e aos 14 anos “decidi que queria ser um engenheiro mecânico dedicado à competição. Estive numa escola profissional antes de ir para a universidade, em Turim, para estudar engenharia mecânica.”

O seu percurso académico foi imaculado e, ainda como estudante, já trabalhava como colaborador na Abarth na área dos ralis e da velocidade. “É verdade, e estive em Portugal para a prova portuguesa do Mundial de Ralis no início dos anos 90 mais que uma vez.” Lá fui, uma vez mais, aos arquivos da memória e tentei reconhecer a face. Não estava fácil ate que Andrea Adamo me diz, “mas nessa época tinha cabelo grande e usava óculos.”

Cumpridos os estudos, ficou na Abarth e foi para a divisão que cuidava da participação da Alfa Romeo no DTM, como engenheiro estagiário de aerodinâmica, antes de passar para os Turismos com o 156. Foi durante algum tempo engenheiro de pista de equipas italianas e espanholas em campeonatos de super turismos. Manteve-se no grupo Fiat até que em 2008 decidiram reduzir a sua participação no desporto automóvel. “A Abarth prometia isto e aquilo, que fariam muitas coisas, mas a verdade é que nada arranca ou andava para a frente e decidi sair.” Foi nessa época que se tornou consultor de várias empresas e acabou a desenvolver o Lotus Exige R-GT, comissionado por Claudio Berro, na época responsável pela competição no grupo Lotus. Bernando Sousa fez parte desse projeto que acabou por não ir a lado nenhum devido à falta de dinheiro para desenvolver o carro. Esteve na N Techonology de Mauro Sipsz e Monica Bregoli, a formação italiana que era a responsável pela atividade desportiva da Fiat (Turismos com os 156, ralis com o Punto S2000, Fórmula Master, entre outros…), altura em que entrou para a Honda e trabalhou no projeto WTCC até 2015.

A sua carreira necessitava de um novo desafio e no final de 2015 um telefonema mudou tudo. “A Hyundai Motorsport contactou-me na altura para abraçar um novo projeto, no qual teria maior amplitude de funções e uma missão clara: implementar de forma cabal a Hyundai Motorsport Customer Racing.”

O desafio Hyundai Motorsport

Andrea Adamo lembra-se que quando chegou “eramos apenas três pessoas e o foco estava no programa R5. Tivemos de criar a Hyundai Motorsport Customer Racing do zero, construindo e desenvolvendo um carro para homologar num curto espaço de tempo. Por outro lado, tivemos de construir uma base de clientes de forma muito rápida. Foi um objetivo muito duro e ambicioso, mas conseguimos. E desde que juntámos o muito bem-sucedido programa TCR, estamos a conseguir construir uma sólida reputação para a Hyundai, a nível global, no que toca à competição.”

E o italiano lembra que foram tempos “muito duros, que ficaram piores quando me entregaram a responsabilidade de ser o CEO da Hyundai Motorsport. Os meus dias tornaram-se longos e raramente saía daqui antes das nove da noite. Mas, entretanto, separei as várias divisões, com o mesmo responsável máximo, que sou eu, mas com alguém para cuidar do departamento de clientes, o Andrew Jones. Isso permite-me sair daqui mais cedo, às oito da noite (risos)!”

Tudo isto porque o ano passado, “assim quando ninguém estava à espera”, Andrea Adamo ficou como o responsável máximo da Hyundai Motorsport, depois da saída de Michel Nandan, o responsável da equipa do Mundial de Ralis desde 2013. “Ninguém estava à espera que isso sucedesse e organizar tudo de um dia para o outro não é tarefa fácil. Foi um ano muito complicado, em que tive de reorganizar as coisas e manter a equipa focada e motivada para lutar pelos títulos no Mundial de Ralis. Nesta reorganização, que colocou o Andrew Jones a cuidar da divisão clientes, não fiquei com menos trabalho, pois quero sempre saber de tudo e manter tudo controlado, mas deixei de ser o funil por onde tinham de passar todas as decisões”, explicou o italiano.

Mas foi mais longe, lembrando que no “desporto automóvel, para vencer, tens de ser flexível e rápido nas decisões. Com o Andrew a cuidar dos clientes, ganhei essa rapidez de decisão e isso ficou evidente na temporada que fizemos.” Além de que, passa a ser tempo para “olhar para o futuro, pois no desporto automóvel há sempre coisas a mudar, nomeadamente, os regulamentos. Para 2022 teremos novos carros no WRC e o TCR também conhecerá novidades. Para lá disso, estamos envolvidos no e-TCR, o campeonato de carros de turismo elétricos, portanto, há muitas decisões a tomar e se não formos flexíveis e velozes, ficamos para trás. Já para não falar da politica que está envolvida na competição e uma das minhas funções é gerir, também, essa parte.”

Motivado pela paixão

Andrea Adamo confessa: “Sou movido pela paixão.” Diz-se um privilegiado porque tudo o que lhe aconteceu na vida “permitiu que tenha chegado onde estou, a cadeira de sonho.” Não esqueceu de mencionar alguém muito importante: “Ao longo de todos estes anos [tem sido uma pessoa que] me apoia muito e permitiu que tivesse tido a carreira que tive, com muitas semanas fora sem um queixume”, a sua esposa. “É uma parte muito importante da minha vida”, diz Andrea Adamo com alguma emoção.

“Estou muito feliz, vivo na Alemanha – brinco muitas vezes ao dizer que sou um emigrante italiano – e vivo, claramente, o meu sonho de criança quando decidi ser engenheiro, comprometi-me com esse desejo e empenhei-me fortemente nisso.” Não resisti a perguntar ao Andrea se não está um bocadinho cansado, e o italiano atirou de imediato: “Claro que não! Quando gostamos do que fazemos, quando cumprimos um sonho, vivendo a nossa paixão, não estamos a trabalhar, estamos a viver uma história, a nossa história!” Mas não deixa de confessar, com risos: “No final do ano passado, cheguei ao final da temporada realmente cansado. Foi um ano muito difícil, mesmo.”

Sendo um homem apaixonado pela sua vida, pela competição e pelo seu ‘bebé’ que é a Hyundai Motorsport, será a divisão de competição da Hyundai gerida pela paixão? “Eu tento passar a todos esta paixão pelas corridas, pela competição, mas só isso não chega para ganhar e para fazer as coisas bem-feitas. É uma grande fatia do sucesso, mas para lá chegar temos de ter determinação, compromisso e partilha. Para mim partilhar tudo aquilo que é possível com todos os colaboradores é fundamental para os manter motivados rumo ao objetivo. Só assim posso pedir-lhes que se esforcem um pouco mais, que façam um pouco mais, porque sabem a razão desse pedido, sabem por que é necessário puxar mais. Por isso eu partilho diariamente os objetivos, a estratégia e a visão do futuro.”

Um chefe duro e exigente

Com a conversa a um nível muito descontraído – Andrea Adamo é um excelente conversador e tem opiniões concretas e sagazes – ia lançar uma provocação, mas o italiano parece que leu o meu pensamento e adiantou-se. “Sou um gestor exigente e sei que não devo ser dos patrões mais fáceis de aturar (risos). Acho que todos vão dizer isso e eu sublinho (risos). Mas isso é porque quero ganhar! Ganhar sempre! Quando não ganho, dói! Muito! Por isso sou muito exigente, reconheço. Sabes, ganhar não é o mesmo que acabar em primeiro!” O meu riso e o meu olhar de espanto fez Andrea Adamo explicar o que queria dizer. “Acabar em primeiro pode acontecer uma vez esporadicamente ou ser um conjunto de factos ou situações que permitiram acabar no primeiro lugar. Ganhar é ser consistente, é estar sempre na luta pela vitória e acabar em primeiro várias vezes sem condicionantes. Por exemplo, dizem-me que devo estar feliz porque ganhei quatro provas do Mundial. Pois… eu digo que ganhei apenas três e acabei em primeiro uma.” Curioso ponto de vista.

Qual é o título que a Hyundai quer em 2020?

A conversa tergiversou para o Mundial de Ralis, com Andrea Adamo a surpreender-me, quando lhe perguntei se o objetivo era ganhar o título de pilotos. “Não!” Perante a minha incredulidade, Adamo foi muito claro: “Não é o nosso objetivo sermos campeões entre os pilotos, o nosso objetivo é sermos campeões do Mundo de Construtores. Fomos em 2019 e isso deixou-nos, a mim e à Hyundai, muito satisfeitos, e é isso que queremos repetir.” Mas a contratação de Ott Tänak não é um passo rumo a isso? Com um sorriso maroto replicou: “Sabes, estatisticamente é possível convidar para jantar a Gwyneth Paltrow, mas sem um contacto para a convidar é impossível que isso suceda. Já com um telefone ou um email, as probabilidades aumentam, mas não é certo que suceda (gargalhadas). Claro que a junção do Ott Tänak a Thierry Neuville, ao Dani Sordo e ao Sébastien Loeb torna-nos muito mais fortes, mas nada está garantido, temos de trabalhar muito para que as coisas aconteçam. Na vida nada está garantido, nem as amizades – os amigos têm de saber que estamos lá para eles – nem sequer o casamento (mais risos), porque se consideras a tua esposa como garantida, estás a desrespeita-la e não tarda muito estás sozinho. Portanto, temos todos os dias de confirmar o nosso trabalho e aproveitar o que temos do nosso lado para ser bem-sucedidos. Mas, repito, o nosso objetivo é o título de Construtores.”

São os custos uma ameaça para o WRC?

Malcolm Wilson apregoa aos sete ventos que a escalada de custos ameaça a disciplina. Estão a Hyundai e Andrea Adamo preocupados com este assunto? “Absolutamente nada! Aliás, não percebo porque se fala nisso, pois ninguém sabe quais as regras de 2022, por isso fala-se sobre nada. Eu sei que os jornalistas e as redes sociais têm de ter assunto sobre o que falar, mas como engenheiro e gestor tenho de ser pragmático e falar de factos: quando o novo regulamento chegar falaremos sobre o assunto e perceberemos se os custos são ou não mais elevados.”

E sobre isto, Adamo confessou: “Estive numa reunião há dias com os patrões do WRC e com as pessoas da FIA e outras equipas e partilhei a nossa visão do futuro e esta é a forma correta de fazer as coisas. Tudo o resto é bom para o Facebook e Instagram e para quem não tem nada de mais importante para fazer. Eu tenho de gerir e planear o futuro da Hyundai Motorsport e não tenho tempo para as redes sociais.”

E porque estávamos perto da oficina onde estavam a ser construídos vários i20 R5, incluindo aqueles que vão fazer parte da equipa oficial da Hyundai Motorsport Customer Racing, na categoria WRC2, atirei-lhe mais uma provocação. E os R5, não estão a ficar fora de controlo? “Mais uma vez são conversas de redes sociais. Diz-me lá: há tantos carros R5 em redor do mundo, os campeonatos regionais funcionam todos muito bem com estes carros, não é razão mais que suficiente para considerar que a disciplina é um sucesso?!” Anuí com a cabeça e o italiano aprofundou a sua visão. “Quando não houver mais nenhum R5 ou existir alguma dificuldade, aí falaremos. Claro que o meu trabalho é prever o futuro, mas não penso que nos dias de hoje o custo dos R5 seja exagerado. Porque o custo dos R5 não é só o carro. Quando esse custo for maior que o valor do carro e da competição, aí teremos um problema. Penso que hoje temos um bom compromisso entre o custo e o valor de exploração, pois não podemos contar apenas com o preço do carro, mas com tudo o que é preciso para o colocar a competir. O sucesso é tão grande que falar de custos não faz sentido.” E após refletir um pouquinho, Andrea Adamo disparou: “Sabes, eu acho que as pessoas procuram sempre a polémica. É um bocadinho como diz um provérbio em Itália, ‘faz mais barulho uma árvore que cai que uma que nasce’, ou seja, ninguém fala daquilo que é importante, falam daquilo que pode ser polémico.” E que dá audiência, acrescento eu.

Fica no ar então como não fazer escalar os custos do WRC a partir de 2021, quando chegar a hibridização ao Mundial. “Temos de lidar com isso de uma maneira inteligente. O problema dos carros do WRC atual é muito simples: o regulamento foi feito por engenheiros e não há controlo nenhum. Ora, o que queremos do novo regulamento é que os engenheiros fiquem sossegados e que sejam os gestores das equipas a falar e a tomar decisões. Eu estou à-vontade, pois sou um engenheiro e quando era apenas engenheiro, era a favor de gastar o mais possível (risos), mas agora que sou gestor vejo as coisas de outra forma e sei, claramente, como controlar as coisas.” Então vamos ter carros muito diferentes: “Não! O que nós queremos para 2021 é que se mantenham, exteriormente, muito semelhantes ao que temos hoje, pois precisamos de ter carros com aspeto agressivo e musculado para transmitir a paixão e a adrenalina aos espectadores – e desculpem, mas não consigo ver os R5 a serem o topo dos ralis, peço desculpa –, mas não queremos a aerodinâmica descontrolada como temos hoje. Na parte mecânica, precisamos de cortar algumas coisas que são caríssimas e que quem está na berma da estrada não faz a mínima ideia que o carro tem. Por exemplo, ninguém sabe que a válvula que controla o diferencial custa mais de 5.500 euros/cada e eu tenho duas no i20 WRC. Se não estiveram lá e o carro for espetacular na mesma, poupei uma série de dinheiro. E digo mais, se o carro não tiver o veio de transmissão especial que custa 15 mil euros, ninguém vai dar por isso. Não faz sentido. É preciso que os carros sejam espetaculares, façam barulho e desde que a minha mãe não perceba a diferença… estamos safos!”

E aqui Andrea Adamo tem uma visão muito particular, que partilho com ele e que remonta aos tempos das equipas oficiais, semioficiais e privados: a possibilidade de mais equipas surgirem no Mundial de Ralis com carros WRC. “Se todos gastamos menos dinheiro, podemos ter três carros oficiais, mais três carros semioficiais e alguns privados, tal como sucedia nos anos 80 e 90. Hoje isso é quase impossível e só pilotos do médio oriente têm dinheiro para comprar e manter um WRC, que aproveito para dizer, passa a ser um mercado onde a Hyundai Motorsport entrou, oficialmente, e teremos já três WRC vendidos. E não iremos, para já, vender mais nenhum.”

Ou seja, o sonho de Andrea Adamo é o de voltar aos tempos da Lancia e da Audi e outras marcas. “Não é um sonho, pois um gestor não se pode mover por sonhos, mas por objetivos, mas sim, tenho como visão ter mais carros WRC à partida de cada prova, com pilotos jovens que querem chegar às equipas oficiais, renovando e abrindo a oportunidade a mais gente de andar com os carros de topo dos ralis, tal como sucedia nos anos 90, tens toda a razão, quando havia a equipa oficial, a semioficial e ainda uma mão cheia de privados. Seria uma forma de gerar negócio para os construtores, para as equipas e uma forma de dar acesso ao Mundial de Ralis a uma série de jovens com talento. Temos de regressar a esses tempos e isso faz-se com um regulamento com menos influência dos engenheiros e mais dos gestores. A FIA, Malcolm Wilson e a Toyota, todos sabem que temos de regressar a esses tempos.”

Quando perguntei ao Andrea pelas novidades técnicas do i20 WRC, fiquei chocado! “Novidades técnicas? Não falo sobre isso! Desde janeiro de 2019 que disse que nunca falaria sobre esse assunto e mantenho a promessa”, e perante o meu esgar de desilusão, rindo, Adamo disse: “Faço isto a toda a gente, não é só contigo, não é nada pessoal!”

“Não chantageei o Ott Tänak para ele aceitar a Hyundai!”

A conversa foi-se alongando em temas que não cabem nesta entrevista, mas acabou por desaguar em Ott Tänak. E, claro, quis saber se era verdade que o estónio trocou a Toyota pela Hyundai apenas por dinheiro. “Sabes, é mais um assunto sobre o qual muito se diz e pouco se acerta, mais um tema de redes sociais. Certo é que não ameacei ou raptei a família do Ott Tänak para ele aceitar vir para a Hyundai. Quem pensa que foi apenas uma questão de dinheiro, não faz a mínima ideia do que se passou, de como é o desporto automóvel ou como se deve gerir uma empresa. E digo-te mais, se acham que a Hyundai tem mais dinheiro que a Toyota, então não percebem nada disto. Mesmo! Dito isto, acho que se percebe bem como é que o Ott Tänak veio para a Hyundai.” Digo eu que foi pelo projeto da equipa liderada por Andrea Adamo. “Sabes, eu li tanta coisa… que lhe paguei um avião privado, enfim, tanta coisa que nem vale a pena falar nisso.”

E gerir o campeão do mundo e o vice-campeão do mundo dentro da mesma equipa? “Deixa-me dizer-te: tudo está muito claro, quando és honesto e sincero com os teus colaboradores, tudo fica mais simples e fácil de gerir. Os problemas de qualquer relação, seja de trabalho, seja amorosa, é haver zonas cinzentas, coisas que não se contam e não se falam sinceramente, e quando surge qualquer pequeno problema será uma enorme dificuldade. Sempre que há uma dificuldade, o melhor é sentar e discutir olhos nos olhos o problema e a sua solução, porque se deixamos que o problema se resolva por si mesmo, estás acabado. Isso nunca acontece e vai-se tornar um problema cada vez maior ao invés de desaparecer. Quando somos sinceros e honestos com gente inteligente como todos nós somos – e o líder funciona sempre assim! – não há problema nenhum.” E sem se deter, explica: “Muita gente me pergunta, ‘e se tiverem um na frente do rali e outro em segundo e a concorrência longe, o que vais fazer?’. Confesso que me irrita, pois tenho tanta coisa para decidir e fazer que estar, nesta altura, a pensar nisso é uma fonte de distração. Se começo a pensar em todas as combinações possíveis, se hoje saio daqui às 8 da noite, começo a ter de dormir aqui, e essa não é a minha forma de estar na vida. E não vale a pena pensar que lhes vou dizer que não exagerem no Monte Carlo que é a primeira prova e tal e coisa. Nada disso!! Vou-lhes dizer que vão lá e ganhem! São inteligentes e por isso sei que vão fazer as escolhas certas. E o mesmo vou dizer ao Seb (Loeb), que pelo que vi nos testes está muito comprometido com a equipa. Vi nos seus olhos a vontade de ganhar e depois de estar mais envolvido com a formação e habituado ao carro… podemos ter surpresas nos seis ralis que vai fazer.”

A desilusão com o TCR

A deliciosa conversa com Andrea Adamo estava a chegar ao final – como ele diz, está organizado pelo Outlook e as reuniões chegam a ser às dezenas por dia –, mas não podia deixá-lo ir embora sem falar do TCR, até porque andam por aí uns rumores de que o italiano não gostou muito do que se passou em 2019. “Olha, tenho de te dizer que fiquei muito feliz por termos dois títulos de pilotos, um do Gabriele Tarquini outro do Norbert Michelisz. Por outro lado, não fiquei nada satisfeito com o rumo do campeonato o ano passado. Vi coisas no ano passado que me deixaram muito irritado e preocupado. Deixa-me colocar as coisas neste patamar: o WTCR é uma competição para os departamentos de competição cliente das marcas e não para presença oficial das marcas. Todos os construtores aceitaram as regras e os desafios, mas o ano passado não foi isso que se viu, levando o campeonato uma orientação que não gostei nada. E por isso não há ainda certezas que façamos o WTCR em 2020. Provavelmente faremos, mas não é seguro que isso aconteça. Irei analisar com atenção a questão, mas não estou nada satisfeito com o que sucedeu em 2019 e a forma como tudo foi gerido entre as diversas partes envolvidas. O trabalho que foi feito com o WTCR é excelente, mas estou a ver pessoas a destruir o campeonato. As mesmas pessoas que destruíram o WTCC com categorias estupidas como o TC1, que fez escalar os custos sem nenhuma necessidade. Portanto, como disse, vou meditar de forma empenhada sobre a situação e decidir se a Hyundai Motorsport Customer Racing vai ou não disputar o WTCR em 2020.” E Andrea Adamo deixou claro quem está a destruir o campeonato: “Como disse, este é um campeonato dos serviços de competição cliente, e quando há alguém que faz quatro carros para ganhar (ndr.: Lynk&Co) o campeonato, isso não é cumprir as regras do jogo. Se é este o caminho, não gosto e por isso terei de pensar no que vamos fazer e já deixei bem claro a quem os deixou fazer isso que não gostei nada e que a forma como abordaram o campeonato de 2019 não foi a que estava acordada.”

E, neste particular, Andrea Adamo foi buscar o que sucedeu em 2018. “Nesse ano, acusaram-nos de fazer um carro para ganhar a todo o custo – quando o que fizemos foi desenvolver o carro de forma árdua e competente segundo as regras –, mas provámos que isso não era verdade quando antes de começarem os treinos para a primeira prova da época, em Marrocos, já tínhamos vendido 25 carros e já havia i30 N TCR a competir um pouco por todo o lado. Outros não fizeram isso e só tinham quatro carros. É este o caminho? Se é, não estamos interessados!” Curiosamente, são os mesmo que já liquidaram outros campeonatos. “Pois… por isso não há razão para dar cabo do WTCR, um sucesso no formato de campeonato para clientes.”

Andrea Adamo confessou, no final desta longa conversa, que a sua preocupação está “para lá do WRC, do WRC2, do TCR, das corridas de turismos com carros elétricos e do forte apoio que damos ao Mundial de Ralis”, é dar outra imagem à competição, “e deixar de parecer uma vaca leiteira (risos), onde todos os promotores vêm ordenhar alguma coisa todos os anos. As pessoas têm de perceber que os construtores não são vacas leiteiras a quem podem espremer tudo e mais alguma coisa e acreditar que quando uma seca, virá outra com as tetas ainda mais cheias! Esses anos acabaram definitivamente. Há que proteger os construtores, pois se eles desaparecerem de cena, a competição acaba.” Ou seja, foram demasiados anos a ordenhar a vaca e o leite acabou: “É verdade, agora apanham pela frente com um tipo mal-encarado e que tem mau feito nesses assuntos! (gargalhada) Que sou eu!”

Remate final: se o programa do WRC tiver um desfecho muito negativo, fechará a Hyundai a divisão Motorsport: “Faz de mim um adivinho e tornar-te-ei um rei!” No meio de muitos sorrisos e de mais uma provocação com as redes sociais, Andrea Adamo lembrou: “As pessoas arranjaram muito tempo livre com as redes sociais. É bom ver que as pessoas, ao contrário de mim, têm muito tempo livre, mas, por outro lado, fico triste pois podiam usar esse tempo livre em coisas como caminhar, passear, pescar, enfim, qualquer coisa, sair com amigos e amigas. Também é verdade que as redes sociais criaram especialistas em tudo e mais alguma coisa, engenharia, comunicação, estratégia, tudo! E muita gente que acerta sempre no dia seguinte e muitos que são capazes de adivinhar o futuro. Lembro que um dia havia uma pessoa da empresa que me dizia sempre que devia ter feito isto e aquilo, sempre a colocar reparos no que fazia. Simpaticamente (risos) tive de lhe dizer o seguinte: se achas que fazes melhor que eu, do outro lado da empresa está lá o patrão e concorres ao meu lugar! Depois há os novos ‘jornalistas’, que são aqueles que abrem páginas no Facebook, que criam blogs e sites de internet e que por isso se julgam ‘jornalistas’. Desculpem lá, mas por tocar à campainha de um palácio ou de um teatro não me torno músico ou ator. Tocar campainhas não faz de mim um músico. Portanto, o futuro da Hyundai Motorsport está nas minhas mãos e por isso estou sempre a tentar encontrar coisas para fazermos e assim mitigar decisões futuras, porque tenho nas minhas mãos a sobrevivência de 250 famílias. E isso é um fardo pesado, mas que levo com todo o carinho e vontade.”

Bandeira de xadrez para esta entrevista com Andrea Adamo, o responsável máximo da Hyundai Motorsport, um homem com classe, carisma e que adora o que faz. Sabe bem o que quer, está sentado na sua cadeira de sonho e vai tentar conquistar mais títulos e mais vitórias: “Tanti auguri Andrea Adamo. Grazie!”

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