WRC, Rali do RAC 1992: Campeonato disputado até ao último dia

Por a 17 Dezembro 2022 16:25

A temporada de 1992 do WRC foi, decerto, uma das mais épicas da história da modalidade. A Lancia tinha terminado o envolvimento oficial com a criação do fabuloso Deltona, e era claramente a favorita para ambos os títulos depois de ter dominado nos Construtores desde 1987 e perdido nos Pilotos apenas em 1990, para Carlos Sainz. Com seis vitórias à entrada da última prova, o Rali RAC, Didier Auriol tinha tudo para ser o primeiro francês a tornar-se campeão do mundo…

Naqueles tempos, o Rali RAC disputava-se ainda por toda a Inglaterra ao longo de quatro dias, baseando-se maioritariamente em Chester. Para o primeiro dia ficariam tradicionalmente reservadas as especiais em circuitos e parques – as chamadas ‘Mickey Mouse stages’ em torno de Chester e do território das Midlands, seguido de um segundo dia nas habitualmente enevoadas florestas galesas, para partir em seguida para norte, através das florestas de Kielder até à paragem em Carlisle, disputando-se o último dia no sul da Escócia até ao regresso a Chester. Locais míticos para qualquer adepto que, tal como Arganil, a Lousã e Montejunto no Rali de Portugal, acabaram relegados para as memórias dos entusiastas devido à crescente concentração do formato dos ralis.

Durante o ano, o título pareceu não escapar às mãos da Lancia e, em particular, a Didier Auriol, que chegava ao RAC com seis vitórias numa época, um recorde que só seria igualado pelo seu compatriota Sébastien Loeb em 2004 e batido em 2005. No entanto, o seu colega de equipa e tricampeão em título, Juha Kankkunen, não estava longe, mas a surpresa foi mesmo a progressão de Carlos Sainz que, depois de haver começado o campeonato de uma forma algo apagada, tinha-se tornado num claro favorito graças a duas vitórias e a uma regularidade impressionante e, ao vencer em casa no Rali da Catalunha, tinha assumido o comando do campeonato com 124 pontos, seguido de Kankkunen com 122 e Auriol com 121 – o francês tinha sido perseguido pelo azar na segunda metade da época – o que conferia ao Rali RAC condições para uma luta verdadeiramente épica.

Observando a lista de inscritos, a Lancia parecia ser nitidamente a equipa mais forte, ao contar com Auriol e Kankkunen, além da jovem promessa Andrea Aghini, enquanto a Toyota só se apresentava com dois carros, para Carlos Sainz e Markku Alén. Já a Ford deixava François Delecour do outro lado do Canal e apostava em Miki Biasion e na ‘prata da casa’, através do experiente Malcolm Wilson, contando ainda com um Sierra pilotado por um dos melhores pilotos privados do campeonato inglês, o galês Gwyndaf Evans. A Subaru apresentava-se com um misto de juventude e experiência, através de Colin McRae e Ari Vatanen, com mais um carro preparado para Per Eklund e inscrito sob as cores da Clarion; enquanto os seus compatriotas da Nissan se despediam do WRC (até aos dias de hoje) após uma época falhada com os Sunny GTI-R com Stig Blomqvist e uma jovem promessa de seu nome TommiMäkinen. Para terminar com os favoritos aos primeiros lugares, a Mitsubishi trazia dois Galant VR-4 para Kenneth Eriksson e Lasse Lampi, este inscrito pelo concessionário finlandês. De realçar a presença de dois veteranos, Russell Brookes (Ford) e Ola Strömberg (Saab). As emoções do rali não se ficavam por aqui, já que estava em jogo a Taça do Mundo de Grupo N, e com a ausência do líder Hiroshi Nishiyama e de Carlos Menem Jr., assim como de outro concorrente de luxo, Mohammed Bin Sulayem (que já haviam disputado as seis provas que podiam nomear para o campeonato), o favoritismo deslocava-se para Grégoire de Mévius, segundo no campeonato, que alinhava com um Nissan Sunny GI-R da filial belga, o espanhol Fernando Capdevilla com o seu Sierra Cosworth provado e, finalmente, Jarmo Kytölehto, num Galant VR-4 inscrito pela Ralliart Finland. De salientar a presença, também num Sierra Cosworth de Gr.N, de Alister McRae, o irmão mais novo de Colin. Nas duas rodas motrizes, destacavam-se os Škoda oficiais de Pavel Sibera e Vladimír Berger, o Vauxhall de fábrica de David Metcalfe e um Peugeot pilotado por um certo Richard Burns. À laia de curiosidade, estava ainda inscrito um Trabant (!) para uma dupla alemã, que viria a concluir o rali na antepenúltima posição, para gáudio dos muitos espetadores, ‘encantados’ com a raridade.

Primeiros problemas

Era do conhecimento geral que a primeira etapa não iria marcar grandes diferenças, mas o mau tempo que se fez sentir cedo se tornou numa grande condicionante. Quase todos os concorrentes tiveram pequenos percalços nestas pequenas especiais, salientando-se um despiste que causou muitos danos a Mäkinen. No entanto, apesar de estar na luta pelo título, Carlos Sainz destacava-se nitidamente como o melhor naquelas condições, seguido por um surpreendente Biasion. McRae limitava os danos de um despiste para chegar ao terceiro lugar, seguido de Kankkunen, Wilson (também a rodar muito bem), Alén e Auriol. Vatanen atrasava-se com um despiste e problemas mecânicos, enquanto os Lancia se queixavam das más escolhas de pneus. Outra curiosidade: logo no dia das verificações em Chester, o local Bob Green via o seu carro roubado do parque da albergaria onde se encontrava alojado, sendo o Sierra Cosworth encontrado abandonado em Liverpool depois de ser usado para um assalto.

Muita chuva

A chuva continuou na segunda-feira e os pilotos depararam-se com classificativas alagadas no norte de Gales, o que não deteve a imensa massa de espetadores de aguardarem pelos bólides na estrada. Após um início excelente, Wilson seria uma das primeiras vítimas quando a quebra de um semieixo danificou demasiado o carro e o fez ficar demasiado atrasado. No Grupo N, quase todos os pilotos perdiam tempo de alguma forma, mas o primeiro a ‘sair de cena’ foi Kytölehto, quando partiu a suspensão ainda durante a manhã e teve que abandonar. Sainz continuava a liderar com grande à vontade, enquanto Basion, Vatanen e Mäkinen se atrasavam ainda mais por problemas mecânicos e os Lancia debatiam-se ainda com problemas de pneus. Ciente da sua posição no campeonato, Sainz optou por não responder à crescente pressão de Colin McRae, completamente endiabrado, que viria a tomar o comando a meio do dia, dizendo durante a paragem na assistência que ainda conseguia andar mais depressa!!! Colin no seu melhor!

Mesmo tendo batido numa pedra durante a tarde, Colin aguentava o comando por um punhado de segundos sobre Sainz, enquanto Auriol e Kankkunen estavam já razoavelmente longe, o que permitia ao espanhol respirar. Seguiam-se Alén, Vatanen, Biasion e Wilson, após uma excelente recuperação, enquanto os Nissan sofriam vários problemas e continuavam a atrasar-se. Quanto ao ‘homem da casa’, Evans, perdia todas as hipóteses de figurar no top 10 ao bater violentamente numa pedra na última especial do dia, vindo a abandonar na assistência. Ao amanhecer do dia seguinte, os concorrentes marchavam para norte, abrindo com as temíveis especiais nas florestas de Grizedale, que não tardaram a causar vítimas.

O McRae habitual…

Logo de início McRae perdia todas as hipóteses de lutar pela vitória quando sofria um acidente causado pelo otimismo excessivo de um condutor ainda durante a ligação, deixando-lhe danos ligeiros, mas que tiveram forte impacto nas duas especiais de Grizedale, levando o escocês a perder quatro minutos e a cair para o sétimo lugar. Com o abrandar da chuva, os Lancia iniciaram uma boa recuperação, com particular destaque para Auriol, mas mesmo assim não era suficiente para alcançar Sainz, agora líder mais do que isolado. No entanto, o dia continuava a deixar muitos pilotos de lado, o primeiro dos quais Capdevilla, que desistia com o diferencial partido, deixando Alister McRae na frente do Grupo N. Mesmo com alguns percalços, mas sem concorrentes diretos, de Mévius precisava apenas de um punhado de pontos para ser campeão e rodava tranquilamente em segundo. Nas 2 rodas motrizes, a luta entre Burns e Metcalfe, que durava desde o início do rali, acabava quando Richard perdia uma roda, e semelhante desventura acontecia-lhe pouco depois, obrigando-o a desistir. Já Auriol continuava a sua toada de ataque para alcançar Sainz, mas era obrigado a mudar o turbo na assistência e, no início da noite, o motor ‘entregava a alma ao criador’, arruinando de vez as hipóteses do francês, naquela que foi a sua época mais brilhante da carreira. Logo na especial seguinte, era a vez de Blomqvist abandonar depois de bater numa árvore, enquanto os dois Ford oficiais ficavam (ainda) mais atrasados devido a despistes. Por fim, Metcalfe perdia uma roda num local estreito e Eklund, a tentar evitar o Vauxhall, despistava-se e bloqueava a estrada.Metcalfe ainda terminou a especial e a etapa, mas os danos eram demasiado grandes e desistia na assistência, entregando a liderança nas duas rodas motrizes a Sibera.

Dia de decisões

Embora composto por apenas seis especiais, a quilometragem do último dia era elevada e Sainz sabia que 1 minuto e 16 segundos podiam não ser suficientes para manter Kankkunen longe. Seguiam-se Vatanen, Alén, Biasion, McRae e Eriksson, numa prova muito apagada por parte dos datados Mitsubishi. Porém, o arranque para a última etapa na Escócia, sob condições dantescas, não tardava a tranquilizar Sainz, já que Kankkunen batia numa pedra e ia parar a uma valeta, perdendo mais de três minutos. Aliás, incidentes com pedras e valetas foi o que não faltou, atrasando seriamente McRae, Biasion e Wilson, ao mesmo tempo que os sobreviventes eram arrasados por uma vaga de furos. No entanto, mesmo com uma má escolha de pneus, Sainz mantinha um ritmo regular que lhe dava para manter o comando e conquistar o título, enquanto Kankkunen, por muito que forçasse, tinha perdido demasiado tempo. Quanto ao Grupo N, de Mévius também optava por um ritmo prudente, não desafiando um excelente Alister McRae, já que tinha os pontos do título garantidos. Foi assim um pelotão de sobreviventes que disputou grande parte da última etapa, com Carlos Sainz a conquistar a sua quarta vitória da época e um merecido título de Pilotos, seguido de Vatanen, Kankkunen, Alén, Biasion, McRae (não fosse um despiste no início do último dia, podia ter chegado ao pódio), Eriksson, Mäkinen (apesar dos defeitos do Nissan, se não fossem os furos e problemas mecânicos menores o jovem finlandês teria decerto ido mais longe), o azarado Wilson e, para fechar top-10, Andrea Aghini, que aproveitou este rali para ganhar experiência na terra enlameada da ronda inglesa. No Gr.N, como já foi dito, a vitória coube ao mais novo dos McRae, seguido de Mévius, que se tornava num merecido campeão, enquanto nas duas rodas motrizes vencia Pavel Sibera. Sem dúvida, um dos melhores finais de temporada de sempre.

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