A outra faceta de Rui Madeira: Piloto e arquiteto

Por a 9 Abril 2024 09:53

O risco como profissão! Quer seja a traçar uma trajetória em pleno “power slide”, quer seja a traçar os alicerces de um edifício, o piloto/arquiteto de Almada sempre fez do risco o seu dia-a-dia. Mas onde é que Rui Madeira se sentia mais realizado: atrás do volante ou do estirador?

Conciliar o trabalho no atelier e em acompanhamento de obras com os ralis nem sempre era uma tarefa fácil

Rui Madeira foi um dos primeiros pilotos a levar a bandeira portuguesa ao lugar mais alto de uma competição automobilística de cariz Mundial. Decorria o ano de 1995 e, ao vencer a Taça FIA para pilotos de Grupo N, estavam lançados os dados para uma carreira internacional. Ainda que nunca tenha alcançado o tão almejado lugar numa equipa de fábrica do Mundial de Ralis, os excelentes resultados internacionais valeram-lhe um inquestionável estatuto interno e, com isso, um regresso em cheio ao Nacional de Ralis com as equipas oficiais da Seat, Ford e, mais tarde com a Skoda e a Peugeot.

Para além de uma carreira recheada de sucessos o piloto concluiu o curso de arquitetura, fruto de uma paixão em pé de igualdade pelos automóveis e pelo seu curso e mercê da «tradição familiar na área da construção civil», como confessa Rui Madeira, antes de explicar que, «inicialmente, não havia grande

abertura por parte da minha família quanto a uma carreira nos automóveis. Mas o Costa Bica (pai de Carlos, Jorge e João Bica), amigo dos meus pais, deu uma grande ajuda a convencê-los e, a partir do momento em que comecei, o apoio da família veio por arrasto.

Aliás, devo dizer que somente por ter começado a vingar nos estudos é que me foi permitido começar nos ralis, porque lá em casa imperava a regra de que em primeiro lugar estavam as obrigações e, só depois, o divertimento. Por isso, começar a correr foi para mim um grande triunfo,» recorda o iloto/arquitecto.

Mas entre uma e outra paixão, qual era aquela que mais despontava na juventude?

«Apesar da tradição familiar na área da arquitetura, sem dúvida que a maior ambição era a da competição, já que sempre gostei de conduzir, e estar ao volante de uma viatura de competição era o meu grande sonho. Lembro-me de aos seis anos ter uma moto de mini-motocross, mas a grande paixão passava mesmo pelas quatro rodas».

Atingida a maturidade como piloto e como arquiteto, conciliar estas duas facetas não era tarefa fácil. «Valia-me o facto de no meu gabinete trabalhar com mais três colegas arquitetos e lá íamos conseguindo gerir as situações mais difíceis. Mas com a experiência dos anos e graças à tecnologia existente hoje em dia, tudo é mais rápido e tornou-se mais fácil coordenar ambas as atividades. Por exemplo, quando fazia muitos ralis, nas vésperas de uma prova, prefirria tirar a semana para me dedicar por inteiro aos reconhecimentos, ao shakedown e ao rali em si, em vez de treinar no fim-de-semana anterior e interromper o processo com mais alguns dias de trabalho. Tornava-se mais fácil concentrar-me desde logo na prova, e evitava chegar ao carro a pensar nos projetos que tinha em curso». E como o tempo escasseia, como reagia a família no meio de tanta correria?

«A pior altura era sem dúvida quando estava entre provas e tinha de coordenar o trabalho entre o atelier e a obra. Nos momentos de maior aperto as minhas filhas eram as primeiras a ressentirem-se da minha ausência».

Traçar a trajectória ou a fachada de uma obra. Qual a mais gratificante?

«É difícil de dizer. São ambas grandes paixões, e das quais retiro grande prazer. Quero aproveitar, enquanto posso, a vertente dos automóveis, pois é aquela que tem ‘prazo de validade’, ao passo que posso fazer arquitetura até morrer…

Depois, ver obras concretizadas e loteamentos executados é de facto gratificante, por mais trabalho que exijam».

Será que nos automóveis essa concretização apenas se traduz quando os resultados são bons?

«Não é bem assim, porque existe o prazer da condução e da competição, mas quando tudo se conjuga para a vitória as recompensas também são grandes, como quando ganhei o título Mundial de Grupo N em 95.

O reverso da medalha sente-se quando as coisas correm mal e a desilusão é grande, como no Rali Solverde, em 2001, quando tivemos um violento acidente, que nos fez perder o título».

Recordar a carreira de Rui Madeira

Já vem desde 1989, e passados quase 35 anos ainda o vemos, e bem, a correr. este ano trocou o Mitsubishi Miragem R5 pelo Ford Fiesta Rally2 e foi quinto no Rali do Algarve. Nos últimos anos tem corrido nos Rally Legends, o do Bussaco com o Mitsubishi Lancer Evo III, lutou pelo pódio no Rally de Lisboa do ano passado, com um Citroën C3 Rally2, fez as Camélias o Rallyspirit, o Rallylegend em Itália, em 2022 com o subaru Impreza 555 semelhante ao que correu em 1997. A seu lado, Nuno Rodrigues da Silva, o ‘seu’ navegador de sempre.

Recordando a sua carreira, que arrancou em 1989, com o Seat Marbella do Troféu, passou pelo Citroën AX, dois anos depois. Em 1994 já guiava um Sierra Cosworth de Grupo N, com o qual foi o melhor português no Grupo N no Rali de Portugal, atrás de Jesus Puras, bem melhor equipado. No ano seguinte, 1995, surgia o primeiro título Internacional de um Piloto português em Ralis, com a dupla Rui Madeira/Nuno Rodrigues da Silva, aos comandos de um Mitsubishi Lancer, a conquistar a Taça FIA de Grupo N, a antecessora do atual PWRC, que teve este ano novo campeão português, Armindo Araújo.

Em 1996 deu-se a passagem para o Grupo A, e aos comandos de Toyota Celica 4WD venceu o Rali de Portugal, batendo, o na altura promissor, Freddy Loix, que ainda este ano correu ao mais alto nível no IRC, com a Peugeot Belux. Madeira realizou mais algumas provas do Mundial, com alguns resultados meritórios e um andamento que surpreendeu muita gente, especialmente no Rali da Finlândia.

Mas como é habitual em Portugal, os apoios tardarem a aparecer, e em 1997, integrado na equipa Subaru Allstars, realizou algumas – poucas – provas do Mundial, e do Campeonato Ásia Pacífico. No ano seguinte nova passagem para a Toyota, primeiro o 4WD, depois o Corolla e em 1999, de novo o Subaru, agora da Procar, com um programa reduzido. Em 2000 disputou o Nacional de Ralis com a Seat, aos comandos do Córdoba WRC e em 2001 e 2002, na equipa oficial da Ford Lusitana, com o Focus WRC.

A partir daí só regressou esporadicamente, por exemplo com a Skoda em 2003, a Peugeot em 2005 e 2006. Regressou aos grande eventos com o Rali de Portugal 2007, quando realizou duas provas do WRC num Mitsubishi Lancer Evo IX. Daí para a frente foi aparecendo num rali ou noutro, sempre de Mitsubishi, até que em 2014 quis experimentar os novos R5, ao mesmo tempo que festejava os 25 anos de carreira, fazendo um brilhante terceiro lugar no Rali Serras de Fafe, ao volante do novo Ford Fiesta R5 e depois o sexto posto do Nacional de Ralis no Rali de Portugal, o último da sua carreira.

Depois disso dedicou-se ao Legend e Rallyspirit, Almada Extreme Sprint, disputou nos últimos dois anos o ‘regressado’ Rali das Camélias, recuperou o seu Mitsubishi Lancer Evo II com que foi Campeão em 1995 – com as cores originais – e é com ele que pretende disputar várias provas no futuro, a exemplo do que já fez no Vosges Rally Festival e Rallye Festival Trasmiera. A ideia é marcar presença no Eifel Rallye e Rallylegend (onde já esteve com o Ford Sierra Cosworth), o pináculo deste tipo de provas.

E, quem sabe, o possamos ver novamente num R5 ao lado dos melhores pilotos do CPR, já que todos eles, os principais, são já bem ‘quarentões’…

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