Entrevista a Mário Patrão: “Este foi o Dakar que mais me marcou”

Por a 17 Fevereiro 2020 13:50

Por David Pacheco

FOTOS KTM

Mário Patrão teve um Dakar para esquecer. Não tanto pela sua prestação desportiva, mas essencialmente pelo que passou em termos emocionais, já que perdeu um bom amigo, Paulo Gonçalves, e ainda testemunhou os primeiros momentos após o grave acidente de Edwin Staver, piloto que viria a falecer já depois de terminado o Dakar, prova a que o piloto luso tece severas críticas.

Não foi um Dakar fácil para Mário Patrão, que pouco depois de chegar a Portugal, fez o balanço da sua participação na prova, aproveitando a oportunidade para tocar em pontos muito importantes, que deverão fazer muita gente refletir sobre tudo o que se passou na prova que se realizou na Arábia Saudita. Patrão destacou vários aspetos, destacando o facto de ter conseguido concluir esta exigente prova, e por outro lado, revelando diversas situações mais complicadas que só quem está por dentro se apercebe em toda a sua plenitude. Por exemplo, na forma como o roadbook foi apresentado, com a exposição do descritivo das notas, que no entender do piloto apoiado pelo Crédito Agrícola não seriam suficientemente claras quanto à identificação dos perigos, crítica que assegura ter feito chegar ao diretor de prova, David Castera.

De resto, Mário Patrão terminou o Dakar na 32ª posição da geral naquela que foi a sua sétima participação no Dakar. Andou regularmente no top 40, durante a primeira metade do rali, mas já na segunda parte, melhorou um pouco. Contudo, o problema mecânico que sofreu na terceira etapa condicionou-lhe o resultado. Mas o pior de tudo, foi mesmo a notícia da morte de Paulo Gonçalves e o facto de ter encontrado o piloto holandês Edwin Staver gravemente acidentado. Ajudou a socorrê-lo, mantendo-se junto dele até este ser assistido, mas infelizmente este viria a falecer.

Mário, que balanço fazes desta prova?

“Em primeiro lugar quero agradecer ao grupo Crédito Agrícola pelo apoio que me tem dado. O Dakar foi um pouco como estava à espera. Falámos das nossas perspetivas, um Dakar noutro continente, diferente daquilo a que estávamos habituados. Um país com uma cultura diferente da nossa, e gostámos muito da maneira que nos acolheram. É um país muito desenvolvido”.

De resto, 2019 não foi um ano fácil para mim a nível de lesões, e por isso não me preparei da melhor maneira. Tinha intenção de fazer um Dakar regular e não comprometer o resultado logo à partida. Foi o que tentei fazer, fazer uma boa primeira semana, mais tranquila e na segunda semana atacar. Mas não correu como tínhamos pensado. Ao terceiro dia tive um problema elétrico na mota que me levou 2h30 para conseguir recuperá-la. Continuei em prova mas os planos alteraram-se. Fiquei para trás, no segundo pelotão, apanhei ali dois ou três dias com muito pó, até se conseguir recuperar, até chegarmos ao dia de descanso não na posição que queríamos, mas fisicamente bem. Conseguimos depois arrancar motivados para atacar a segunda semana. Logo no segundo dia dessa semana, tivemos a situação do Paulo (Gonçalves), que infelizmente nos deixou, e claro que tudo isso mexe muito connosco. Faz-nos pensar o que estamos ali a fazer e se vale a pena aquele risco todo. E isso não nos deixa realizar a performance que desejámos e que queríamos.

Já mais perto do fim, outra peripécia. Encontrei um colega, um piloto holandês, que caiu à minha frente e estava inconsciente. É daquelas coisas que mais uma vez te fazem pensar o que estás ali a fazer. Pensava no que faço aqui com este homem se conseguir mexer, sem falar, sem respirar? Chamei a ajuda, mas infelizmente não o conseguiram reanimar ali, embora tenha chegado ao hospital com vida. Mas o cenário era muito mau.

Tinha fraturado a vértebra C2, era uma lesão muito grave, e sabendo o tempo que ele esteve sem oxigénio, seria muito complicado sobreviver.

Levei a mota até ao final, sempre com aquele pensamento. A queda não foi muito forte, e ele fica ali. A nossa vida vale muito pouco e nota-se que estás ali, e às vezes a vida parece que deixa de fazer sentido. Uma coisa é cair, partires um braço, uma perna. Outra coisa é perder a vida a fazer aquilo que gostas. Foi um Dakar agridoce. Se me perguntassem quando cheguei, se voltaria lá, a minha resposta seria não, de certeza.

Também mostrei o meu desagrado aos organizadores, disse-lhes que há ali muitas falhas, que eles falharam onde não deveriam falhar.

Nós confiamos 100% em quem faz o roadbook, mas para terem uma ideia, acontecem muitos acidentes.

Para dar um exemplo mais prático, fácil das pessoas perceberem: descer estas escadas aqui é um perigo dois, e subir é um perigo dois, isto a 150 km/h. Para quem entende de motas, isto não é assim. O perigo dois, eu posso descer a 150 km/h e não me acontece nada, e se fizer aquilo a 120 km/h a subir vou ter um problema gravíssimo. Mas, para a pessoa que está a marcar é igual, mas não deve ser igual.

Eles devem ter mais cuidado com isso. Alguém tem de dizer que aquilo não é igual. Para um carro não sei, mas para uma mota não é.

São coisas totalmente diferentes. E o que aconteceu, na minha opinião, no caso do Paulo, é que nós apanhamos um perigo 2 a descer que não é nada, e depois outro, e ainda mais outro, e na nossa cabeça aquilo passa a não ser nada. Os pilotos metem na cabeça que para ele, isto é um perigo dois, mas para mim é um perigo 1, posso ir a fundo, posso acreditar. E em mil, acontece um perigo dois que é um perigo 3, e aí as coisas podem correr mal. Na minha sincera opinião, foi aquilo que aconteceu. Não se via a segunda lomba, e num caso desses o que fazemos quando não se vê é levantar a roda da frente, para tentar que essa roda não apanhe o segundo obstáculo. A roda de trás é que vai absorver esse obstáculo. Quando é só areia não há problema. Quando é pedra, ou uma raiz de uma vegetação. Isso, a alta velocidade faz um efeito na mota muito drástico e foi o que aconteceu. A mota cai lá com a traseira e ele é cuspido por cima da mota. Deve ter sido o que aconteceu.

Outra situação, nós saímos das dunas e apanhamos uma pista principal, muito grande, muito rápida, onde por vezes, teríamos que sair da pista e tornar a entrar porque tinha areia. Chamam-se línguas de areia, o vento traz a areia e faz com que fiquem línguas de areia a cortar a pista.

O que aconteceu? Para a organização se defender eles metem “pista principal durante 30 km com perigo 2, com perigos de areia em vez de nos dizerem por exemplo que ao km 100.4 têm uma língua de areia e um perigo dois. Não! Metem 30 km, pista principal com línguas de areia, é uma questão de defesa da organização.

Quem viu imagens (ndr, do local onde Fernando Alonso capotou), viu carros a voar de dunas cortadas, e houve quem partisse a coluna. E eles dizem, “vão num planalto de areia e vão ter dunas cortadas durante 60 km”. Agora, não dizem se vamos ter cinco dunas cortadas, uma ou 50.

Não é assim que eles deviam marcar, na minha opinião. Penso que eles marcaram porque não tiveram tempo suficiente para fazer o trabalho como deve ser, e então defendem-se com esses “60 km sujeitos a apanhar dunas cortadas”. Isto não é a maneira correta de se fazer. Aquilo não se vê.

Para terem a ideia, nós vamos num planalto, sem vermos, e ficamos sem chão durante 15 metros. Se formos muito concentrados, conseguimos apanhar aquilo, mas se nos distraímos um segundo é possível não conseguir travar e ter de saltar 15 metros.

Depois, podes saltar e apanhar o fim da duna, ou apanhar o vazio. Este ano houve algumas falhas da organização. O organizador vem dizer que foi fácil porque ele queria que fosse fácil. Na minha opinião não foi isso que ele fez. Foi fácil porque não houve tempo e ele fez um programa de casa, como eu posso fazer, chegou e vou ao Google Maps, meto na Arábia Saudita e começo a fazer um trajeto lá.

Não foi bem isso que ele fez, porque foi reconhecido, mas foi a indicação, aquilo que nos faz parecer é um pouco isso. É claro que ele tem condições naquele país para fazer grandes corridas. Agora, é preciso trabalhar mais. Nós sugerimos-lhe que houvesse um piloto de moto a abrir a pista, como há de carro, três dias antes de nós passarmos. Passa alguém de carro vai-nos dizer no roadbook se há alguma alteração.

Porque o tempo pode mudar. Ninguém faz isso de mota. A sugestão que lhe demos foi fazer esse trabalho. Alguém que entendesse as notas e as nossas dificuldades para chegarmos lá e estarmos mais seguros. Vamos ver se eles o fazem ou não. Espero que sim pois é a nossa vontade é estar naquela corrida.

Em todos os dias não houve um em que chegasse ao fim e dissesse “não me assustei” porque o roadbook estava bem”. Foi um sacrifício e não um prazer. Ok, estava marcado 60 km dunas cortadas, mas não estava que era naquele quilómetro específico. Por vezes, chegamos lá e o mal já está feito.

Outra questão. Houve duas corridas em outubro e novembro na Arábia Saudita, onde os carros puderam ir correr e as motos não. Não permitiram que as motos fossem. Eu perguntei porquê e depois vim a saber que não foi permitido as motos entrarem naquele país. São as regras deles. Fazem coisas que não entendemos, mas as regras são assim. De todos os que fiz, sem dúvida este foi o Dakar que mais me marcou. Mais triste porque perdi um amigo, mas não só por isso pois todos os dias chegava ao final e dizia “ele falhou não sei quantas notas”. Se eu corresse mais riscos, aleijava-me. Porque é que ele falhou aqui. Ou seja, para eu andar depressa num sítio onde nunca passei, tenho de confiar 100% na pessoa que fez o roadbook. Acreditar que ele viu aqueles perigos todos. E eu não notei essa segurança. Estava muito longe do que se quer para um rali.

Queria estar com um grau de segurança alto e que o meu cérebro não cometesse erros. Porque ao querer mostrar mais, entramos em loucuras e as lesões acontecem. As quedas acontecem e é muito fácil isso acontecer.

O que passa pela cabeça de um piloto ao lidar com a morte?

“Tivemos dias muito complicados. O Paulo era um amigo. Se alguém me perguntar se “pensas muitas vezes naquele moço holandês que faleceu?”. Ok, é uma vida humana que se perde, mas a verdade é que não o conhecia, só o vi ali uma vez. Mas claro que nós pensámos. Quando é um amigo teu, ficas com vontade de ter ir embora, questionaste da razão de estares ali…”

Isso pode condicionar uma próxima participação?

”Não, pois todos nós sabemos o risco que corremos. Medido ou não, tem muito que se lhe diga, e tem muito peso. Sabemos o risco e queremos sempre ir. Queremos ir à luta, à procura de coisas novas. O Paulo era uma pessoa, que se ainda cá estivesse, não iria permitir que algum de nós pensasse em não ir devido ao que aconteceu. No Dakar já faleceram 20 ou 30 pessoas, antes de eu ir já tinham falecido pilotos que eu admirava, mas não conhecia. Não seria por isto acontecer que nos iria faltar o foco. Sim, há que ter mais cuidado mas nós sabemos que isso pode acontecer.

Mas quando arranco com a mota, isso não me vai passar pela cabeça”.

Chegar ao fim dum Dakar destes é uma superação?

“Sem dúvida, esse era o principal objetivo. Chegar ao fim sem lesões, para começar a trabalhar e termos um ano pleno de trabalho para chegarmos ao final e estarmos bem e tentar atacar um pouco mais. A minha primeira vitória era acabar e não ficar nos 20, 30 ou 50. Porque tive dois anos péssimos.

Sempre houve aguadeiros no Dakar, achas que há um caminho novo para pilotos, por exemplo portugueses com a tua capacidade mecânica, que é muito acima da média?

“Se me perguntares porque é que a KTM me leva, eu diria 90% devido a essa capacidade mecânica, sem dúvida. Eles não precisam de mim para ganhar o Dakar. Eles querem o Mário que não chateie, que não seja conflituoso e que os ajude naquilo que é necessário e eles ajudam-me nalgumas coisas. Para eles acho que é importante. Agora se me perguntares, “já foste necessário?”, naquela equipa ainda não. Se perguntares “porque é que me foram buscar?” Em 2016 quando tive de ‘fazer’ o motor do Paulo Gonçalves numa etapa? 99% foi por causa disso. Sentiram-se apertados porque o Paulo estava em luta com eles e na altura foram buscar o ‘Mário’ por esse motivo. Eles próprios o reconhecem”.

Houve mais gente a sentir o mesmo que tu, a ter essas dificuldades, queixaram-se? Houve protestos, reclamações, sentem que esta prova foi muito perigosa face às anteriores? Gerou-se algum movimento nos pilotos de topo que fizesse a organização repensar a maneira de fazer as coisas?

“Sem dúvida que esse assunto é de todos os pilotos. Não foi só o ‘Mário’ que sentiu isso, outros também o sentiram. Pouca navegação, muita velocidade, perigos mal marcados, falta de indicações. Todos nós mostrámos o nosso descontentamento ao diretor de prova. E aquilo que ele nos diz é que esta corrida foi fácil, na opinião dele. Mas a verdade é que foi muito perigosa para nós, porque houve muitos erros, coisas que eles não marcaram. Não se pode defender – porque vais fora de pista – que é sempre um perigo dois, isso é muito curto. Não é uma linha reta, não é uma autoestrada, é linha reta com vegetação, altos e baixos, buracos, e havia muito poucas notas. Eles para se defenderem, meteram perigo dois durante dois quilómetros, ou ondulação durante dez quilómetros, em vez de identificar o perigo.

Isso parece irresponsabilidade da parte de uma organização, porque há vidas em jogo. Como é que os pilotos se posicionam em relação a isso?

“Na KTM, cada piloto dá a sua opinião e o Team Manager fala com a organização. Eu mostrei o meu desagrado (ndr, David Castera, Diretor de Prova) estivemos a conversar sobre o assunto, e ele percebeu. Ele sentiu que as coisas não correram bem. Claro que ele não quer que as pessoas morram naquela corrida. Não há ninguém que queira isso. Ele vem da América do Sul, onde tinha o trabalho todo feito, só alterava algumas coisas, e vai para um país completamente novo em que lhe dizem, o caminho é por aqui, e em cinco ou seis meses ele não consegue delinear a corrida e fazer as coisas tal e qual como era na América do Sul. Então facilitou e da maneira que as coisas estão, tão competitivas, torna-se muito perigoso para quem participa se eles não fizerem as coisas mesmo ao pormenor

Achas que a organização falhou numa prova tão histórica e com a importância do Dakar? Afirmas que a organização falhou e que por outro lado as duas fatalidades poderiam ter sido evitadas se tivesse havido mais trabalho da organização?

“O que estou a dar aqui é sempre a minha opinião. Se a organização esteve bem, não esteve. Se teve culpa nas fatalidades que houve, não creio. Agora, acredito que o local onde o Paulo caiu, aquela era a hora dele. Imagine quando ele troca o motor na terceira etapa. Há sinais que às vezes nos dão, o que é que nós queremos ver ou não queremos acreditar. Acredito mesmo que era a hora dele, ele foi chamado para outra missão e a hora dele estava ali. Não vamos culpar a organização. Imagine que ele caía numa daquelas dunas cortadas. Aí, 100%, a organização tinha culpa.

Naquele caso, vamos ao km 260 e a nota seguinte é 5 quilómetros depois, é um perigo dois. O Paulo sabia que aquilo era um perigo dois. O Paulo antes passou por vários perigos dois, que antes foram feitos a fundo. Acreditou que aquele também seria, mas ali as coisas não correram bem.

Não podemos com isso dizer que a organização teve culpa. Porque a organização não vai no acelerador a puxar e por isso é difícil ter essa consciência. Agora, há coisas que se o roadbook tivesse…

Imaginem que nos perigos que ele apanhou antes, tivesse apanhado um ou dois sustos. Tenho a certeza que ali ele aliviava um pouco. Tem a ver com isso, a mota pode tocar num sítio que não devia tocar. Acredito que era o dia dele e a hora dele”.

Esperas mudanças drásticas para a edição do próximo ano?

“Espero algumas mudanças. Ele não vai conseguir mudar de país porque eles têm um contrato, mas acredito que vai fazer muita coisa diferente.

Em 2018 a etapa mais rápida já tinha médias de 105 km/h, nesta edição, tivemos médias, em algumas etapas, de 130km/h. Ou seja, subiu-se muito, e estamos a falar de médias. E quando sobe a média horária, o perigo aumenta bastante…”

Apesar da diminuição de cilindrada de 690cc para 450cc, mas motas estão a andar ainda mais depressa. Já há limite de velocidade para os Camiões, para os Autos e para os SSV. Limitar a velocidade pode ser uma solução ou terá de se alterar as motos novamente para não andarem tão depressa?

“Está em cima da mesa esse plano, do limitador da velocidade, passar a 150 km/h, que já há no mundial. Mas se eu cair a 150 km/h ou a 180km/h, o resultado vai ser igual. Não é por ai. Para além disso, se vou a 140km/h e apanho um perigo, e vou precisar de motor para sair de lá, claro que posso levantar a roda, mas para sair de lá se o motor da moto não responder, aí o perigo vai ser pior. Acredito que vai ser pior. O caminho não será esse.

O caminho será complicar mais a navegação, marcar melhor, penso que será mais por aí. Os pilotos estão muito focados, a trabalhar a navegação e estão muito rápidos a navegar. De há cinco anos para cá, cada ano que passa eles melhoram a navegação e acreditam mais nas coisas. Agora é preciso que as pessoas que fazem roadbooks, e há várias a fazê-los, o façam com mais consciência, com mais cuidado e que marquem tudo o que é necessário marcar.

Achas que o facto do país não ser muito aberto, pode ter complicado a vida dos organizadores?

“Não. Não creio. Acredito que tiveram pouco tempo para montar 8.000km e então fizeram as coisas fáceis, e a direito. Infelizmente não havia navegação. Foi um rali sem história, sem conteúdo, não havia uma etapa que me dizia: aqui perderam-se dez pilotos. E normalmente nos ralis acontece isso. Há notas em que eles se perdem, mas ali não aconteceu. Era tudo muito fácil, muitas linhas retas. Agora é preciso que eles alterem. Tivemos um dia de dunas. Um dia de dunas e com dunas cortadas, ou seja. Daqui não têm ideia, mas nós arrancamos dois ou três dias, no dia 11, arrancamos e a primeira nota, a primeira duna era cortada e tinha cerca de 15 metros, e não estava marcada…”mas tu vais em perigo dois, aquele é fora de pista” dizia ele. Ok, mas eu venho numa zona ligeiramente plana, a nível de areia, começo a subir e lá em cima aquilo corta! Aquilo tem de estar marcado. Não pode não estar marcado. E ele diz-me “aquilo é um perigo dois, estás fora de pista, tu podes ir por aqui ou por ali.” Mas, para ele é fácil, se ele quiser marcar aquele sítio. Mete um WayPoint de segurança e nós temos de passar ali. Em zonas dessas, onde podes ir por aqui ou por ali, como ele alega, se ele quiser por um WayPoint, todos passamos ali, não há como não passar, senão, falhas o WayPoint.

Há ali uma série de coisas que ele pode fazer, mas se me disseres “Vai facilitar a navegação”. Ali não vai, pois trata-se de dar segurança às pessoas. Esta é sempre a minha opinião!”

Em relação ao roadbook, e à questão da segurança, qual a mais-valia na entrega dos roadbook pouco antes da etapa?

“A única, são os ‘map men’ que as equipas têm, não terem acesso a eles para estudarem as etapas. Não há mais valia nenhuma. Porque a nós tira-nos o acreditar. Um roadbook que me dão 20 minutos antes da etapa, eu tenho de olhar para lá três vezes, enquanto se fosse eu a pintar seria de uma cor que eu iria olhar para lá uma vez e identificaria logo…”

Ou seja, diminui ainda mais a confiança do piloto?

“Diminui ainda mais sim. O roadbook pode estar mais bem marcado, foi uma das instruções que lhes demos, com mais cor, mas há muito trabalho a fazer e espero que eles consigam fazê-lo…”

Que alterações drásticas têm de ser feitas no próximo percurso do Dakar. Falou-se disso?

“Não, aquilo que se falou foi com o diretor de corrida, e ele ouviu. Ele era um ex-piloto e tem experiência, ouviu e pareceu-me que anotou alguma coisa, algo lhe ficou na cabeça. Por isso é que a seguir ele diz que fez fácil, porque quis, porque não pretendeu complicar no primeiro ano.

Acredito que vai trabalhar nisso. Ele ali tem boas condições. Tem deserto para complicar. Se fizesse menos quilómetros poderia ser uma prova muito mais interessante, com mais navegação, do que linhas retas de 70 km sem navegação, que te convidam a acelerar. Ou seja, não tens navegação, não tens notas. Tens quilómetros, sendo que o próximo é só a 70 km, ou seja perigo 2 sempre, mas ou vais sempre a pensar, ou acabas por te esquecer que há esse perigo. Começas a ganhar ritmo, velocidade e acreditas que aquilo é sempre assim, até que chegas a um ponto e as coisas podem correr mal. Houve vários acidentes assim, que não sairam cá para fora, mas houve vários de pessoas caídas, com coisas que não estavam marcadas e dizes “foi ele, podia ter sido eu”.

As motos rodam na frente e sentem bem mais os problemas da má marcação?

“Sentem, claro que sentem. Eu falei com alguns navegadores portugueses que sentiram esta dificuldade, dunas cortadas, etc. Acho que têm uma vantagem grande das motos, porque eles vem muito de trás e já têm troços marcados. Conseguem perceber onde a mota travou, onde não travou. Ao fim de passarem 150 vezes, já tem marcas que o ajudam a ter a leitura melhor. Enquanto as motos, vão as da frente não podem ter aquela leitura. Acontece muito isso. A dificuldade que nós tivemos foram as mesmas que eles. A única diferença é que eles têm rodados no chão que ajudam.

Já tens alguma previsão se para 2021 vais de KTM?

“Ainda não. O meu contrato termina em abril, porque a KTM faz contratos curtos. Vamos ver. Acredito que se tiverem necessidade, sim. Mas se não, o Mário irá na mesma, com 90% de certeza e eu tenho um objetivo de fazer em ‘Malle Moto’ (ndr, corrida sem assistência externa). Não vale a pena perceber de mecânica e não ir um Dakar sozinho fazer aquilo. Acho que tenho o perfil indicado para isso. Irei lutar com pilotos do meu nível ou da minha luta, não o Toby Price e outros mais. Mas, serão pilotos com alguma experiência de mecânica, inclusive, classificações diferentes, porque não é só geral, também há para aqueles pilotos. Esse é um dos objetivos, e não quero sair do Dakar sem o fazer. É ir com a moto, uma mochila, uma caixa com material, e vamos lá. Esse é um dos objetivos. Poderá ser no próximo ano, depende do que acontecer…”

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