Decorações para a eternidade

Por a 13 Abril 2023 12:00

Quem não se lembra dos Lotus da John Player Special na Fórmula 1, dos Lancia da Martini nos ralis ou das mil e uma cores de Valentino Rossi no MotoGP? Há decorações que ganharam um lugar cativo na História do desporto… e principalmente no coração dos adeptos

Era uma vez… um tempo em que os automóveis de competição não ostentavam autocolantes ou os logótipos de patrocinadores. Em vez disso, os carros de corridas usavam as cores de competição dos respetivos países de origem: os alemães eram prateados, os britânicos eram verdes, os franceses azuis e os italianos vermelhos (o rosso corsa). Foi só em 1968 que a federação internacional permitiu que fossem usadas decorações livres no automobilismo e visionários como Colin Chapman viram aí uma oportunidade de negócio.

A Lotus foi a primeira equipa de Fórmula 1 a utilizar os seus carros como meio de publicidade para patrocinadores, curiosamente através de duas marcas do grupo britânico Imperial Tobacco: primeiro com a Gold Leaf; depois com a histórica John Player Special. Estava aberto o caminho para os patrocínios multimilionários que hoje caracterizam todas as disciplinas de topo do desporto motorizado. Da Fórmula 1 ao Mundial de Ralis, da NASCAR ao MotoGP, do Dakar às 24 Horas de Le Mans, a competição passou a ser vista como um instrumento de marketing poderoso, convertendo um desporto outrora puramente amador e popular numa indústria altamente profissionalizada e que movimenta biliões de euros todos os anos. Contudo, existiram equipas e empresas que não se limitaram a colar autocolantes com as suas marcas nas carroçarias dos mais variados veículos.

Algumas decorações passaram à História como símbolos de uma equipa ou de uma era específica. Hoje é quase impossível falar nos Lotus de Colin Chapman sem pensar na emblemática decoração em preto e dourado da John Player Special, criada vários anos antes de albergar outro símbolo iconográfico do desporto automóvel – Ayrton Senna da Silva e o seu capacete amarelo.

Marketing poderoso… e veloz

Ao longo de cinco décadas, várias empresas potenciaram a sua imagem de forma exponencial através da associação ao desporto motorizado. Em alguns casos tornaram-se mesmo uma espécie de objeto de culto, conquistando a imortalidade – pelo menos entre os adeptos – devido à sua associação a determinados veículos ou campeonatos. Foi o caso da Martini nos Sport-Protótipos e no Campeonato do Mundo de Ralis. A destilaria Martini & Rossi começou a patrocinar automóveis de competição em 1968, numa prova disputada em Hockenheim. Na década de 70, a Martini Racing inscreveu modelos oficiais da Porsche em diversas competições, vindo a vencer as 24 Horas de Le Mans em 1971, 1976 e 1977. A Martini ligou-se depois à Lancia em 1981, também nos Sport-Protótipos. No ano seguinte, as duas marcas italianas juntaram forças no Mundial de Ralis, criando uma das decorações mais desejadas e recordadas da modalidade.

Os Lancia-Martini ganharam provas e campeonatos em diversas fases do Mundial de Ralis, desde os primeiros 037 de Grupo B aos Delta Integrale de Grupo A, passando, claro, pelo Delta S4. Menos profícua foi a associação à Ford entre 1999 e 2002, com os Focus WRC guiados por Colin McRae ou Carlos Sainz, entre outros. A Martini também patrocinou a equipa oficial da Alfa Romeo nos Turismos e até o Campeonato do Mundo de Powerboat, onde os barcos italianos venceram quatro títulos mundiais.

Outro dos patrocinadores históricos do desporto motorizado mundial é a tabaqueira Rothmans.

Nas décadas de 70 e 80, a Rothmans potenciou a sua projeção à escala global através de diferentes campeonatos de automobilismo e de motociclismo. Tornaram-se famosos os Rothmans- Porsche, que nos anos 80 venceram quatro edições das 24 Horas de Le Mans, além do Campeonato do Mundo de Sport-Protótipos em 1985. A associação à Porsche estendeu-se à areia do Paris-Dakar e ao revolucionário 959 que venceu a prova de 1986 pilotado por René Metge. No Mundial de Ralis, Ari Vatanen foi campeão do

Mundo em 1982 com um Opel Ascona 400 com as cores da Rothmans, enquanto no Mundial de Motociclismo a equipa Honda esteve decorada com o azul e branco da tabaqueira entre 1985 e 1993, sendo campeã mundial com Freddie Spencer, Wayne Gardner e Eddie Lawson. Os Williams também tiveram decorações da Rothmans na Fórmula 1 entre 1994 eE foi com os Williams azuis e brancos que Damon Hill e Jacques Villeneuve conquistaram os seus títulos mundiais, mas foi também ao volante de um Williams Rothmans que Ayrton Senna faleceu em 1994.

Curiosamente, a Rothmans acabou por estar na origem de outra decoração emblemática: os Subaru 555 do WRC.

Depois de apoiar a Prodrive/Subaru até 1992, a British American Tobacco transferiu o patrocínio para outra marca do grupo, a State Express 555. Foi assim que ‘nasceram’ os famosos Impreza em azul metalizado com o símbolo da 555 e outros pormenores em amarelo-dourado. A associação foi tão poderosa que a Subaru manteve as cores nos seus carros de ralis e de série mesmo após o fim do patrocínio da BAT, em 2005. Colin McRae e Richard Burns ainda hoje são recordados ao volante dos Subaru 555, enquanto Petter Solberg também foi campeão do Mundo com essa famosa decoração.

Menos popular foi a tentativa de dividir a meio a decoração do primeiro monolugar da BAR na Fórmula 1, em 1999. Inicialmente, a British American Tobacco queria que o carro de Jacques Villeneuve levasse as cores da Lucky Strike e o de Ricardo Zonta as da 555. Quando a FIA bloqueou essa intenção, a alternativa foi uma decoração repartida pelas duas marcas… com um fecho éclair a ‘dividir’ cada metade do BAR 001. É apenas um dos muitos casos de decorações que ficaram famosas sem terem conquistado vitórias em pista. Veja-se o Benetton B188 de 1988, com os tons da United Colors of Benetton, ou o Jaguar R1 de 2000, cuja competitividade ficava a léguas da bela decoração em british racing green e branco, com um felino desenhado no capot-motor.

E o Porsche 917/20 de 1971 também não ficou propriamente famoso pelo sucesso em pista, antes pela alcunha de… ‘O Porco’. Quando a Porsche encomendou o design aerodinâmico do novo protótipo à francesa SERA, recebeu uma carroçaria muito mais larga do que a anterior, com as rodas totalmente escondidas no interior das cavas. O aspeto do carro levou a imprensa a batizá-lo de ‘O Porco cor-de-rosa’, mas a Porsche surpreendeu ao apresentar o carro em Le Mans decorado com a cor de um suíno e o diagrama de um talhante com as várias partes do animal… O 917/20 teve uma participação modesta em Le Mans, mas a história da sua decoração tornou-o imortal.

A lendária Gulf Oil O acaso interveio a favor da Gulf Oil no final da década de 1960. A extinta petrolífera norte-americana tinha comprado uma empresa mais pequena chamada Wiltshire Oil Company. Desta herdou a agora lendária combinação de azul claro e laranja. Em 1968, a Gulf começou a patrocinar os Ford GT40 Mk1 nas 24 Horas de Le Mans, tornando-se imediatamente num dos binómios mais reconhecidos do desporto automóvel.

O sucesso da sua decoração continuou depois com os Porsche 917, adquirindo tal estatuto que as cores da empresa atravessaram várias décadas em carros de outras marcas, como a Aston Martin.

Nos Estados Unidos, também ficaram célebres as decorações de Richard Petty na NASCAR ou da equipa Brumos Porsche nos Sport-Protótipos. O ‘Petty Blue’ que decorou quase todos os carros do heptacampeão da NASCAR foi criado casualmente pelo pai do piloto, que misturou algumas tintas que tinham sobrado para pintar o primeiro carro de corridas do filho.

Quando a STP quis que o carro número 43 fosse laranja, Petty recusou abdicar do ‘seu’ azul e o histórico sponsor teve de aceitar uma (igualmente famosa) decoração de compromisso. Já a Brumos, que é concessionário da Porsche (assim como da Mercedes e Lexus na Flórida), usa há décadas o mesmo branco com duas listas centrais, em azul e vermelho, com o número 59, decoração com a qual venceu quatro vezes as 24 Horas de Daytona.

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