Corridas elétricas: O futuro inevitável

Por a 25 Junho 2020 14:10

O desporto motorizado vive tempos conturbados quanto a uma definição do que serão as motorizações do futuro. A própria indústria automóvel vive numa encruzilhada, extremamente pressionada pelas narrativas governamentais e pela intolerância de uma sociedade em mudança. Se o impacto da pandemia da COVID-19 é mais uma incógnita no meio desta equação polinomial, a realidade diz-nos que não há volta atrás possível.

“Eu tenho andando a dizer que daqui a dez anos vamos ficar apenas com corridas eléctricas e competição-cliente”, prevê Stéphane Ratel, o homem que nas últimas três décadas está à frente dos destinos das corridas de GT. “Parece-me que com esta crise vamos assistir a um acelerar desse movimento. As questões ambientais vão ainda estar mais presentes que anteriormente”.

A componente eléctrica é já uma necessidade para justificar a presença dos construtores no desporto motorizado a nível oficial. A Fórmula 1 continuará a apostar em sistemas híbridos, simplificando a tecnologia ao retirar o MGU-H, e o Campeonato do Mundo FIA de Endurance (WEC) também, apesar deste estar igualmente atento ao desenvolvimento de motores alimentados a hidrogénio. Em 2022, o WRC irá introduzir um sistema híbrido igual para todos, fabricado pela Compact Dynamics. “Nós precisamos de tecnologia, é importante para o espectáculo e nós queremos que este desporto seja um laboratório”, Yves Matton, o Director de Ralis da FIA, que sabe que esta é uma necessidade para tentar cativar mais construtores.

O sucesso da Fórmula E, que na próxima temporada terá pela primeira vez o estatuto de campeonato mundial da FIA, é unanimemente reconhecido e ninguém quer “perder o comboio”. Para precaver o futuro, o Eurosport Events ficou com os direitos para organização do mundial do ETCR, o “mano” eléctrico do TCR, enquanto que o Campeonato do Mundo FIA de Rallycross (WRX) continua o seu caminho para a electrificação, após várias falsas partidas e algumas derrotas pesadas que quase custaram a vida ao campeonato. O DTM, antes de entrar numa profunda crise, preparava-se para introduzir um sistema híbrido na Class One em 2022. Por seu lado, Ratel, a FIA e os construtores vão estudando um novo conceito de corridas de GT que está a ganhar forma e que poderá mudar a fisionomia da categoria num futuro não muito distante. Chama-se E-GT e, como o nome indica, é a porta de entrada da electrificação na disciplina.

A necessidade de alguma forma de electrificação também já chegou aos monolugares das chamadas “fórmulas de promoção”. O KCMG KC MG-01, o Fórmula 4 que foi estreado nos FIA Motorsport Games de 2019, tem um MGU de 12kW da Magnetti Marelli capaz de facultar 10% de potência suplementar. A Ford, o fornecedor de motores do Campeonato Britânico de Fórmula 4, está a avaliar a utilização de um sistema “mild-hybrid” de 48v acoplado ao motor 1000cc de três cilindros EcoBoost visto no Ford Fiesta R2. Veremos nos próximos anos o surgimento de vários outros projectos com monolugares eléctricos ou com sistemas híbridos.

Igual a Oeste e a Oriente

A necessidade de mudar o “status quo” não é um algo apenas da egolátra Europa. Do outro lado do Atlântico, as principais competição já perceberam como se irá desenhar o que há-de ser. A conservadora NASCAR planeia introduzir uma tecnologia híbrida de forma a manter o campeonato relevante para a Chevrolet, Ford e Toyota, isto sem comprometer o som dos actuais motores V8. A NASCAR acredita que mostrando uma tecnologia híbrida limitada permitir-lhe-á atrair fãs mais novos, que conduzirão carros híbridos e eléctricos no futuro, e ao mesmo tempo diminuir o consumo de 40 litros aos 100 km dos seus motores. Isto, iria melhorar a imagem do campeonato, reduzindo a pegada carbónica, sendo este um complemento à política de plantação de árvores e reciclagem de fluídos automóveis já em curso.

Antes da crise sanitária colocar o mundo do avesso, a IndyCar planeava introduzir os seus novos motores V6 2.4-litros twin-turbo com KERS em 2022. A hibridização talvez seja atrasada em um ou dois anos, uma decisão que será tomada no verão, mas o caminho está traçado, mesmo que primeiro venha a introdução dos novos motores e só depois do sistema híbrido uma ou duas épocas depois. Este atraso propositado iria dar um precioso tempo extra à Chevrolet e à Honda, os dois únicos fornecedores de motores da categoria. Ambas as marcas estão envolvidas e a trabalhar em novos projectos no IMSA Sportscar Championship, competição que em 2022 terá novos protótipos na classe principal (LMDh), carros que serão equipados com um sistema híbrido (às rodas traseiras) idêntico para todos os construtores.

A Oriente, a componente híbrida será introduzida na classe GT500 do campeonato Super GT talvez em 2023. Contudo, a organização nipónica já deixou claro que não será colocado em causa o “impacto sensorial” das corridas. Para alegria da maioria, os cinco sentidos dos fãs não serão comprometidos, com o barulho dos carros e o cheio a gasolina a continuarem a serem parte do pacote emotivo. Numa altura em que se fala da electrificação nos mais variados campeonatos automobilísticos pelo mundo fora, por agora, o Super GT não pensa enveredar por esse caminho, prometendo no futuro estudar o bio-etanol e todo o tipo de bio-combustíveis disponíveis. Por enquanto, a Super Formula (ex-Fórmula Nippon) não tem qualquer plano para trocar as suas motorizações, apesar da Honda ter testado um sistema KERS num chassis Dallara SF14.

Ainda pelo continente asiático, o Campeonato da China de Carros de Turismo (CTCC) pondera a introdução de um sistema híbrido semelhante ao do BTCC no seu próximo regulamento técnico, enquanto que mais a sul, na Austrália, se avalia um sistema semelhante. Em 2022, o popular campeonato britânico irá introduzir um botão “push” que irá proporcionar aos pilotos 40 cavalos extra por um máximo de quinze segundos por volta, fornecidos por um sistema híbrido da Cosworth Electronics, que poderá ser alugado por 18,500 euros por época, cujo peso rondará os 64kg e fará a regeneração através das travagens.

E os motores a combustão?

Apesar do rápido desenvolvimento destas novas tecnologias ditas amigas do ambientes, todos concordarão que nos próximos anos estas continuarão inacessíveis à competição-cliente. A realidade é que o trabalho da FIA nesta área está por fazer, pois cabe ao órgão máximo que rege o desporto traçar o mapa da descarbonização gradual. Mesmo podendo ter um rótulo negativo aos olhos de alguns sectores da sociedade, estes motores de combustão interna de grande eficácia energética vão continuar a ser aqueles com um custo mais adequado à carteira do automobilismo semi-profissional ou amador.

Por outro lado, combinar as corridas eléctricas com a competição-cliente é algo que por agora é praticamente impossível, dada a atracção e preferência de quem usufrui pelos motores de combustão tradicionais. Ratel tira o véu a uma das incógnitas da equação: “acima de tudo, o que nós vendemos são sensações aos nossos pilotos…”

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