Circuitos portugueses (menos) conhecidos: Granja do Marquês

Por a 17 Novembro 2022 11:08

O circuito da Granja do Marquês foi traçado na Base Aérea de Sintra, e pretendia ser uma forma de a região de Sintra/Cascais continuar a receber provas enquanto o Autódromo não estava concluído, fruto do interesse do Tenente-Coronel Hipólito da Fonseca, outro grande vulto do automobilismo português. O traçado era bastante rápido, com longas retas e uma zona ligeiramente mais sinuosa na parte final usando as ligações entre pistas, que levava à meta, tendo assim amplas escapatórias, que permitiam um incremento da segurança relativamente a Cascais e Montes Claros, com um perímetro total de 3.137 Km. E, ao contrário de Alverca, esta pista conquistou de imediato os pilotos, e embora o seu uso tenha sido muito limitado no tempo, é muito lembrada pelos condutores e pelos inúmeros espectadores que se deslocavam às provas.

O I Circuito da Granja do Marquês disputou-se em Junho de 1967, e foram organizadas duas provas. Na primeira, para viaturas de Turismo (Gr. 1 e 2), previa-se uma grande luta entre Carlos Gaspar (Alfa Romeo GTA), Ernesto Neves (Mini Cooper S) e António Peixinho (Ford Cortina Lotus), e na partida Gaspar e Neves saíram juntos. No entanto, o Alfa abandonou muito cedo e António Peixinho aproveitou a potência claramente superior do seu Cortina Lotus para tomar o comando e isolar-se na frente, vencendo com autoridade. Por fim, na prova de GT e Sport-Protótipos (Gr. 3 a 5), assistiu-se ao domínio esmagador dos Lotus 47 do Team Palma, que deslumbraram o público. Após uma partida à Le Mans, os Lotus destacaram-se e discutiram a corrida entre si, destacando-se apenas a vã tentativa de Ernesto Neves em manter o contacto com eles com um Lotus Elan, também do Team Palma, com a vitória a sorrir a “Mané” Nogueira Pinto.

Amplamente aprovado por pilotos e público, os automóveis regressaram à Base Aérea em 1968, e a prova de GT e Sport foi amplamente anunciada como uma das melhores disputas da época, já que “Nicha” Cabral decidiu aparecer com um fabuloso Lamborghini Miura, carro até então completamente desconhecido das pistas nacionais!!! Segundo a imprensa da época, o objetivo do piloto português – que havia regressado à competição em Montes Claros no ano anterior, depois do terrível acidente de Rouen em 1965 – era “provocar” Carlos Gaspar, que estreava um Ford GT40, o carro que o próprio disse recentemente ter sido aquele que mais prazer lhe deu pilotar na sua longa e bem-sucedida carreira. Cabral pediu o Lamborghini emprestado a um amigo, mas o carro estava com especificações quase de série e, pese uma razoável exibição nos treinos, não foi de todo capaz de se intrometer na luta pela vitória, desistindo cedo. Carlos Gaspar dominou os treinos e de imediato saltou para a frente, mas desistiu com problemas de motor passadas apenas três voltas, deixando a luta pela vitória entregue aos Lotus 47, com Luís Fernandes a prevalecer, na frente de José Lampreia e Carlos Santos. Já na prova de Turismos, Ernesto Neves venceu com grande à vontade no seu Ford Cortina Lotus, para se sagrar virtualmente Campeão Nacional de Velocidade.

Os bilhetes para 1968 tinham pura e simplesmente esgotado, motivando ainda mais os organizadores para 1969, que planearam fazer duas provas. A primeira foi disputada a 1 de Junho de 1969, e atraiu um luxuoso lote de pilotos. Pena é que, pese a sua inscrição na Taça Europeia, a prova de Fórmula V – a primeira vez que os monolugares visitaram a Granja – não tenha atraído pilotos estrangeiros, provavelmente devido à posição muito periférica do nosso país, mas também a alguma falta de dinamismo da organização. A prova foi totalmente dominada por Ernesto Neves no seu Palma V, claramente a melhor combinação nacional naquele campeonato. Na prova de Turismos de Série a vitória sorriu ao Alfa Romeo do Engenheiro Burnay Bastos, e na prova de Turismo e Turismo Especial, deu-se um interessante despique entre o BMW de José Lampreia e o Ford de Ernesto Neves, com o primeiro a conseguir a vitória depois de um erro de “Nené”.

Para terminar este recheado programa, a Taça ACP, para viaturas de GT e Sport, embora com apenas oito inscritos, apresentava um parque automóvel de excelente qualidade, destacando-se o Porsche Carrera 6 de “Mané” Nogueira Pinto, o Ford GT40 de Luís Fernandes, e os Lotus 47 de Ernesto Neves. Claro está que seria quase impossível derrotar o Porsche, e o abandono prematuro de Luís Fernandes deixou “Mané” na frente de um espetacular Ernesto Neves que, com um carro muito inferior, estava a dar luta pelo comando! Na primeira parte da prova foram constantes as trocas de liderança entre ambos, até que “Nené” errou e deixou de vez o Porsche impor-se na frente. Lampreia rodava isolado em terceiro quando, a meio da prova, teve que encostar com densa fumarada a sair do carro, que não tardou a ficar totalmente consumido pelas chamas, nada mais restando que uma carcaça enegrecida quando os bombeiros conseguiram finalmente apagar o incêndio. A segunda metade da prova foi, assim, marcada pela monotonia, com Nogueira Pinto a vencer destacado, mas Ernesto Neves ainda conseguiu a volta mais rápida, a uma espantosa média de 150,6 Km/h.

O contínuo sucesso desta pista levou a que, em 1969, se disputasse então um segundo fim-de-semana de provas, desta vez com uma prova de resistência para GT e Sport/Protótipos, com vários convidados internacionais. Começando pelas provas nacionais, Ernesto Neves voltou a dominar a prova de Formula V, enquanto a prova de Turismo e Turismo Especial dava uma vitória fácil ao BMW 2002 Ti de José Lampreia, após despiste dos dois Ford Escort Twin Cam do Team Palma, pilotados por Neves e Peixinho. Finalmente, a prova internacional era denominada de 3 Horas da Granja, mas a lista de pilotos internacionais presentes era bem menor do que o previsto pelo organizador Sport União Sintrense, registando-se as ausências das viaturas de Alain de Cadenet e os Alfa Romeo do Team VDS. Assim, além da elite nacional, estavam presentes apenas o Lola T70 Spyder com motor BRM para Max Wilson e um pouco competitivo Mini Marcos 1300 para o francês Didier Varsavaux. Os favoritos eram os Porsche 906 de Nogueira Pinto e Carlos Santos, o Lotus 47 de Ernesto Neves e o Lola de Wilson.

Depois de um excelente arranque de Américo Nunes, em Porsche 911, os favoritos não tardam a destacar-se, e Max Wilson liderou até abandonar ainda antes da primeira hora de prova com problemas mecânicos. Os Porsche rapidamente se isolaram e trava-se uma boa luta entre “Mané” e Carlos Santos, que acaba com o abandono de Nogueira Pinto pouco tempo depois, com os apoios do motor partido. Carlos Santos dominou assim as restantes duas horas de prova, seguido à distância por “Nené”, numa prova que acabou por ser bem menos interessante do que se previa, e que contou com poucos espectadores, dado coincidir com o fim da Volta a França, no ano de estreia do grande Joaquim Agostinho (em que foi 8º e venceu duas etapas, isto após menos de um ano como profissional e menos de dois a competir como ciclista!!!!). De qualquer modo, esta prova foi a última que se disputou na Granja do Marquês. Vários factores, nomeadamente económicos, terão contribuído para o fim da utilização da pista, e Montes Claros seguiria o mesmo caminho em 1971. Porém, em 1972, Portugal tinha finalmente o seu primeiro circuito permanente pronto, logo aclamado como um traçado extremamente interessante – o Autódromo do Estoril.

Contudo, em 2007, numa era de revivalismo (tanto da Boavista como de Vila Real), a FPAK organizou um programa completo de provas na Granja do Marquês, num circuito ligeiramente alterado, mas muito rápido, agora com um perímetro de apenas 2,192 Km. Embora muito antecipada, principalmente pelos eventos dos clássicos, e tendo atraído um público razoável, o Circuito da Granja do Marquês foi marcado por numerosos acidentes, e a organização atraiu várias críticas, principalmente a nível de condições de segurança e logísticas, o que terá decerto motivado a FPAK a não investir mais nesta “revival” da mítica pista. De destacar que, nas principais provas do programa, as duas jornadas do Campeonato Nacional de Velocidade (à data também para carros de turismo e denominado PTCC), os vencedores foram Ni Amorim (BMW 320si) e João Figueiredo (Peugeot 407 S2000).

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1 Comentário
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CBaptista
CBaptista
3 anos atrás

Por acaso nesse “revival” do séc. XXI até houve algumas corridas bastante interessantes.

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