Que Fórmula 1 teremos no final do túnel?

Por a 3 Abril 2020 15:36

Por José Manuel Costa

A pandemia de Covid-19 forçou uma violenta travagem na economia e colocou o mundo á espera, não sabemos bem do quê, mas á espera. Estamos num túnel escuro onde não se vislumbra luz que nos alegre ou conforte e para os amantes da Fórmula 1, a pergunta é óbvia: que Fórmula 1 teremos quando chegarmos ao fim do túnel?

O mestre da guerra, Sun Tzu, disse que “triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando esperar” e John F. Kennedy disse um dia que a palavra chinesa para Crise tem dois significados: perigo e oportunidade. Nenhum estava a pensar, naturalmente, na Fórmula 1 e nem sequer faço ideia se algum deles tinha alguma ponta de razão no quer disseram. Mas a verdade é que as frases de ambos oferecem uma visão perfeita do que se passa na Fórmula 1 face ao Coronavírus, um inimigo invisível natural ou a soldo de alguém, que nos obriga a lutar pela sobrevivência, a saber esperar pela melhor oportunidade de regressar à ação, mantendo uma espada sobre o pescoço da competição, perigo esse que pode vir a oferecer a oportunidade de mudar a face da Fórmula 1.

Não tenham dúvidas: nada será igual depois da devastadora pandemia de Covid-19 e a Fórmula 1 também será muito diferente, oferecendo este vírus, em bandeja de prata, a oportunidade de cambiar a face da competição. A nível competitivo e, sobretudo, financeiro.

Esta é uma oportunidade para a Liberty, a FIA e as equipas ligarem o Zoom e conversarem entre si para esgravatar nos escombros que o Covid-19 vai deixando à sua passagem soluções para a Fórmula 1 que vai resultar ultrapassada a pandemia.

A Fórmula 1 tem estado a perder valor e a competição, cotada no NASDAQ norte americano (como FWONA), já perdeu mais de 60% do seu valor em 30 dias. Quando a Liberty comprou a F1, em janeiro de 2017, as ações subiram para os 28 dólares, mas três anos depois, tocou os 48 dólares, uma valorização de 42% em 36 meses. Mas o dia 17 de março deu a mão ao Coronavírus e a Fórmula 1 foi esbofeteada com uma quebra para 18,86 dólares quando um mês antes estava cotada a 46,49%, ou seja, um despenho, como referimos, de 60% em apenas 30 dias. O NASDAQ recuou, apenas, 20%. Fica evidente que para lá de tudo, a Liberty tem um grave problema financeiro entre mãos.

Equipas à mingua

Mas à desgraça junta-se o prejuízo, pois as grandes marcas presentes na Fórmula 1, conheceram dias horríveis após a declaração de pandemia: a Daimler (dona da Mercedes) perdeu 45% do seu valor em bolsa, a Renault viu a sua capitalização recuar 53% e a Honda perdeu 30% do seu valor. A Aston Martin, que vai regressar à F1 em 2021, em termos de equipa oficial, perdeu 57% do seu valor, obrigando a injeção de capital por parte de Lawrence Stroll, o dono da Racing Point F1 e da Aston Martin. No meio da tormenta, a Ferrari manteve o seu estatuto perdendo, “apenas”, 25% do seu valor bolsista.

Podem os economistas dizer que a capitalização bolsista não passa de um indicador e não reflete a saúde financeira das empresas. Porém, quanto mais alto é o valor bolsista, mais fácil o financiamento e a capacidade de enfrentar as crises cíclicas que o Mundo enfrenta.

Obviamente que tudo irá mudar quando atravessarmos este túnel escuro e encontrarmos a saída, com as ações a recuperarem, o mundo a voltar aos seus hábitos de sempre e o mundo a tentar morder a cauda. Mas não é isso que se quer. O que se deseja é que o SARS Cov.2 não regresse – e há fortes possibilidade que ele regresse no Inverno – mas que haja a capacidade de perceber que nada pode ficar igual. Principalmente, na Fórmula 1! Não pode a Liberty ser apanhada com as calças na mão, sem planos de fuga ou opções validas para evitar que um “circo” que vale mais de 6 mil milhões de dólares fique refém de uma pandemia, um conflito ou outra coisa qualquer.

O novo regulamento desportivo e financeiro entra em vigor em 2021

Portanto, este é um tempo de reflexão e de ação para sustentar a competição e resgatá-la das mãos deste poderoso inimigo. As primeiras medidas são conhecidas: desenho de um calendário com 15 a 18 corridas ente julho e dezembro, os chassis de 2020 vão ser usados em 2021, com a ideia de congelar o desenvolvimento de novos componentes e as regras desportivas devem ser as mesmas que estavam desenhadas para 2021. Uma decisão tomada pela Liberty despois de uma reunião à distância com a gestão de topo da F1, os responsáveis da FIA e quase todos os patrões das equipas. Para surpresa de muitos, a Mercedes e a Racing Point fizeram-se representar por figuras menores da sua gestão.

Uma decisão importante, pois, quando a cauda da pandemia passar, veremos que os estragos a nível financeiro serão violentos. Por isso, não estranha que nessa reunião magna tenha ficado decidido por maioria que a implementação das novas regras financeiras e desportivas de 2021. Mas, ainda mais importante, ficou claro que a FIA, a Fórmula 1 e as equipas, vão trabalhar para encontrar formas de reduzir, ainda mais, os custos com a competição. O que não deixa de ser um sinal, claro, que o Covid-19 está a deixar marcas profundas nas finanças das equipas e que a necessidade de reduzir custos é premente.

Obrigar as equipas a aderirem ao teto orçamental já em 2021 com os carros de 2020, pode parecer uma grande ideia, adiando para 2022 a implementação da nova regulamentação técnica. Perante a pandemia e a erosão financeira que as equipas estão a sofrer, ninguém, mesmo as “big three” Mercedes, Ferrari e RedBull, vão despejar rios de dinheiro no desenvolvimento do carro de 2022. Portanto, se em 2020 a FIA não pode impedir que as equipas gastem o que quiserem nos novos projetos, a partir de 2021 tudo é diferente e isso não vai ser possível.

Isto não quer dizer que as equipas mais poderosas não tenham já gasto milhares de milhões de euros nos projetos, agora, de 2022, pois a regulamentação foi lançada em outubro de 2019 e dai até agora, sabe-se que Mercedes, Ferrari e RedBull já alocaram muitos recursos aos novos carros. Desenvolvimento travado pelo Covid-19 – as equipas estão todas paradas – e, agora, pelas regras desportivas e financeiras de 2021. Naturalmente que as equipas podem ter reuniões técnicas, mas dai não podem nascer novidades em termos de desenvolvimento até ao final do mês de outubro. Com as dificuldades financeiras, acredita-se que nada será feito para poupar recursos.

Outra razão para aplaudir as decisões da Liberty e da FIA, reside no congelamento da evolução dos atuais carros que assim nivelar um pouco mais a competição. Sabemos, todos, que ao longo de uma temporada, os carros ganham competitividade graças ao desenvolvimento contínuo, cifrando-se essa evolução em cerca de um segundo por volta entre a Austrália e o Abu Dhabi.

Evidentemente que a hierarquia da Fórmula 1 dificilmente vai mudar, mas a competição deverá ser interessante e acredita-se que o fosso entre as três equipas da frente e as restantes irá reduzir-se significativamente.

Há mais alguns problemas com esta decisão de levar os carros de 2020 para 2021, congelando o desenvolvimento. Um deles diz-nos que a Ferrari andou, claramente, a esconder o jogo na pré-temporada, pois se o carro fosse assim tão mau, a casa de Maranello não iria aceitar o congelamento da evolução arriscando-se a passar dois anos na sombra da Mercedes e da Red Bull.

Por outro lado, equipas como a Racing Point, Alpha Tauri e Alfa Romeo, que tiveram a oportunidade de copiar os carros de 2019 das equipas das quais são satélites (Mercedes, RedBull e Ferrai) serão muito competitivas em 2020, mas em 2021 terão carros com dois anos ao passo que todos os outros serão mais novos. Apesar do congelamento de peças novas, há sempre evolução possível e os carros mais antigos terão maiores dificuldades.

Novo Pacto da Concórdia inalterado

No meio de toda esta turbulência, há algo que continua imutável: o acordo comercial da F1 termina no final de 2020 e vai entrar em vigor um novo Pacto da Concórdia 2021 – 2025, ainda não assinado, é verdade. Este novo acordo oferece uma nova governança, mais inclusiva com todas as equipas a terem igual direito de voto, exceção feita á Ferrari que, vá lá saber-se porquê, continua a ter direito de veto. A repartição dos lucros também é mais equitativa, ficando de lado o valor histórico de cada equipa, todas sendo candidatas a receber bónus por desempenho competitivo, mesmo que as equipas de topo ganhem mais (agora menos) que as outras. Ou seja, o novo acordo dará ás outras equipas uma maior possibilidade de lutar por mais que o quarto lugar. Não quer dizer que isso vá acontecer, mas mais dinheiro de um lado, menos do outro e limitação de desenvolvimento com teto orçamental, aumenta as possibilidades.

O Pacto da Concórdia 2021-2025, como referi, ainda não está assinado, mas esta pausa forçada pode ser uma boa oportunidade para a Fórmula 1 não perder mais tempo e colocar o preto no branco para que 2021 seja o ano de relançamento da disciplina, pois 2020 será sempre uma temporada manca.

Mas também está na hora da Fórmula 1 aproveitar esta onda negativa que está a ajoelhar a competição para alterar o teto orçamental, fazendo-o cair dos 175 milhões de dólares para os 125 milhões ou até para os 100 milhões. Razões para isso? A realidade económica com que nos vamos defrontar depois da pandemia, irá trazer constrangimentos a todos, da Liberty à FIA, das equipas aos construtores, dos patrocinadores aos fornecedores, da bilheteira aos subsídios estatais, enfim, tudo irá diminuir. Se a Fórmula 1 perdeu mais de 50% do seu valor em bolsa, acreditam que todos os participantes no “circo” também não sofreram ou vão sofrer perdas abundantes?

Outra reflexão que terá de ser feita reside no salário dos pilotos. Faz sentido que Lewis Hamilton continue a ganhar 50 milhões de dólares por ano, Sebastian Vettel embolse 45 milhões de dólares anuais ou que Max Verstapen leve para casa 20 milhões de dólares, numa situação como aquela em que vivemos? Tal como sucede no futebol, os pilotos vão ter de encolher os seus salários, tal como as equipas vão gastar bem menos em túnel de vento, em tempo de CFD, número de pessoas deslocadas para as provas. São tempos de apertar o cinto e por isso, ideias como o DAS da Mercedes vão ser banidas e o paddock vai mudar de cenário, pois os “palácios” das equipas terão tendência a desaparecer.

Tempos difíceis

O limite orçamental de 175 milhões de dólares com variadíssimas exceções foi acordado para dar algum conforto às equipas maiores, evitando que estas tivessem de emagrecer de uma forma violenta. Mas perante o estado atual das coisas e a certeza que a recessão poderá ser superior a 10%, a Fórmula 1 terá de encolher.

Mas a Liberty e a FIA terão de agir depressa e tomar decisões, pois há equipas que já estavam com muitas dificuldades e o evento do Covid-19 poderá ser o último prego num caixão que poderá amputar a Fórmula 1 de uma mão cheia de carros. Aliás pelo estado de equipas como a Williams, a Alfa Romeo, a Haas ou a McLaren, desconhecendo-se como resistirá a RedBull, a Fórmula 1 pode implodir se não forem tomadas medias rápidas. Convirá lembrar que os contratos com os promotores dizem que o plantel tem de ter um mínimo de 16 carros, sendo que o regulamento desportivo diz que as corridas não podem ser feitas com menos de 12 carros, 25% menos que o contratado. Este risco é real e por isso, a Fórmula 1 tem de ser ágil a responder.

Para a Fórmula 1, no atual quadro, uma semana é demasiado tempo e há que ter em atenção o que se passa nas casas mãe das equipas, ou seja, a Daimler, a Ferrari, a Honda, a Renault e a Alfa Romeo. Acreditamos que Ola Kallenius, CEO da Daimler, não ficará contente ou disposto a assinar um cheque de 400 milhões de euros numa altura em que as fábricas estão paradas e as vendas caíram, em média, 85%, o mesmo se passando com Louis Camilieri (CEO da Ferrari), Luca de Meo (Renault) ou Tim Kuniskis (Alfa Romeo).

Portanto, a solução está na redução do teto orçamental para valor mais reais, acabar com o pagamento de 200 milhões de euros como “fee” de acesso à Fórmula 1 e assim estimular a chegada de novas equipas com um teto orçamental mais real de 100 milhões de euros e menos exceções. Convirá não recuar ao ano 2000 quando a FIA lançou a ideia do teto orçamental que não foi por diante e criou várias equipas que morreram quase de imediato. A Liberty deve acabar com o “fee “ de entrada e manter o teto orçamental. Por isso é que dizemos que este período de pausa deveria ser aproveitado para rever algum do articulado do Pacto da Concórdia 2021 – 2025 e criar condições para evitar a falência das atuais equipas em dificuldade e potenciara chegada de novas formações.

Porque, não tenham dúvidas, a Fórmula 1 necessita de novas equipas e tem de fazer tudo para as seduzir ao invés de se fechar numa concha de inacessibilidade bafienta e sem nexo nos dias que correm. O Covid-19 oferece à Liberty e à Fia a oportunidade de preparar melhor a ideia do teto orçamental, reduzindo-o e tornando a competição mais sustentável. Acabar com a “guerra” das “motorhomes”, perdão, dos palácios das equipas no paddock, uma forma de exibicionismo que não se coaduna com aquilo que vai ser a nova Fórmula 1 depois do Coronavírus. As equipas vão ter de reduzir os fastos com marketing e comunicação, evitando andar com 20 camiões de um lado para o outro apenas para a vaidade pessoal. Ajudam na sustentabilidade económica e ambiental. Esta na hora de, como diz alguém que conheço, “por os pés no chão e as mãos no ar” e acabar com esta feira de vaidades.

Ninguém se pode equivocar: o Covid-19 vai cobrar uma fatura pesada ao mundo e a Fórmula 1 não vai escapar! Organizadores, patrocinadores, promotores, espetadores, pilotos, mecânicos, condutores, enfim, todos teremos a necessidade de nos adaptar a novos tempos, aos novos tempos que vão surgir no final deste túnel escuro que estamos a atravessar. Alguns vão ver a luz ao fundo mais cedo e outros vão sair deste caminho de trevas mais fortes, mas a maioria vai sair mais pobre, mais fraca e mais vulnerável. A Fórmula 1 é um espetáculo e não pode sair destas trevas mais fraca e a chave do sucesso está na forma como todos vão encarar os novos tempos.

Nestes dias sombrios há clareiras que nos dão esperança como o anúncio que as equipas prescindiram dos seus direitos de aprovação de alterações aos regulamentos, nomeadamente, o refazer dos calendários, dando carta branca à Liberty para fazer o necessário para defender os interesses da Fórmula 1. E isso são ótimas noticias, assim a Liberty saiba honrar e usar sabiamente essa liberdade.

Como disse John F Kennedy, crise em chinês pode significar perigo, mas também oportunidade, e todos acreditamos que o perigo vai ser contornado e que a Fórmula 1 vai agarrar com as duas mãos a oportunidade de sair deste longo período de trevas com um sorriso nos lábios, mais forte e com um espetáculo que vai nos oferecer longos momentos de diversão.

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