Paulo Pinheiro: “Não há ninguém que não queira regressar a Portimão”

Por a 18 Maio 2021 13:30

Paulo Pinheiro fez o balanço do fim de semana da F1 ao AutoSport. Mais uma vez o Grande Circo voltou a visitar Portimão e confirmou as primeiras impressões. Uma pista desafiante, difícil que traz novos argumentos num calendário em que por vezes vemos “mais do mesmo”.

Portimão é uma pista única e nem sempre as imagens que vemos na TV fazem justiça à beleza do traçado e à forma como a montanha russa de asfalto sobe e desce. Ver carros de F1 ao vivo nesta pista será provavelmente dos melhores espetáculos do mundo. O reconhecimento que o Autódromo Internacional do Algarve recebeu ( e continua a receber) é um prémio merecido pelo trabalho feito pela equipa do AIA, com Paulo Pinheiro como líder. Falamos com o homem que tornou o sonho realidade, que nos fez o balanço de um fim de semana intenso, quer como organizador de uma prova de F1, quer como promotor do campeonato de Portugal de Velocidade quer como piloto e … pai.

O primeiro tema da conversa foi obviamente as críticas de Max Verstappen aos níveis de aderência dos pneus. Como seria de esperar, o tema foi minimizado, até porque Verstappen é um frequentador assíduo da pista, pelo que os comentários feitos no calor do momento não tiveram grande relevância para Paulo Pinheiro que falou também da postura conservadora da Pirelli:

“A Pirelli desde o que aconteceu no ano passado em Inglaterra, tem tido uma postura muito mais conservadora para não ter questões de rebentamento de pneus. É compreensível que assim seja, assim como é compreensível que os tempos por volta são mais lentos quando se usam borrachas mais duras. Se queremos que os tempos baixem temos de usar borrachas mais moles.”

O asfalto que tanto deu que falar durante o fim de semana não é muito diferente do que existia anteriormente pelo que, na prática, não há grandes mudanças nas caratisticas:

“O critério usado para a escolha do asfalto foi o mesmo que tínhamos anteriormente. A única diferença é a rigidez do asfalto que é maior neste caso, o que implica uma menor propensão para deformações, mas ao nível da malha e dos agregados não houve qualquer alteração ao que tínhamos antes.”

O sonho tornou-se realidade e em poucos meses a F1 e o MotoGP visitaram o AIA duas vezes. Paulo Pinheiro congratulou-se pelo que foi conseguido, em tão pouco tempo:

“No ano passado por esta altura era um sonho ter F1 e MotoGP e passado uns meses recebemos duas vezes as duas competições de topo. É o culminar do trabalho feito por esta equipa ao longo de uma década, é o reconhecimento de equipas, marcas, pilotos e opinião pública. A grande diferença que notamos agora é a forma como olham para nós, pois creio que finalmente temos o devido reconhecimento do que representamos e da nossa importância a nível mundial. É muito bom ouvir dos pilotos de MotoGP e de F1 elogios quanto à qualidade da pista e quanto à unicidade da mesma, pois é uma pista diferente de todas as outras, difícil, que distingue os bons dos excelentes pilotos. Foram oito meses muito complicados com tudo a acontecer ao mesmo tempo, num período difícil pois esta situação da Covid 19 não torna fácil organizar eventos de grande dimensão. A F1 fez cinco mil testes e no fim de semana de Portimão tivemos um caso positivo e ainda fizemos mais 800 para funcionários que não entravam dentro da bolha da F1, o que significa que os protocolos que as organizações estão a implementar são extremamente fiáveis e que dão a garantia que estamos preparados para trabalhar neste cenário. Isso são excelentes notícias para nós para podermos voltar a uma vida normal dentro das limitações que a pandemia exige e que não vão desaparecer de um momento para o outro.”

A pergunta que se impõe agora é a obvia… Será que temos condições para voltar a receber estas grandes provas? O otimismo é evidente:

“Olhando para a opinião dos espectadores, dos media, das equipas, não há ninguém que não queira regressar a Portimão. Isso torna-nos numa opção, apesar de não termos alguns argumentos que outros países têm em questões exteriores à competição. que nada têm a ver com a qualidade de pista e infraestrutura: mas como em tudo na vida, temos de agarrar o que temos a nosso favor e tentar majorá-los em relação aos outros e é isso que estamos a tentar fazer. “

Depois da estreia da F1 em 2020, a edição de 2021 foi mais fácil de organizar, com as lições da primeira visita a serem aprendidas:

“2021 foi um ano muito mais fácil em relação a 2020. No ano passado a prova foi feita com três meses entre contratação e execução da prova, teve público, o que em cenário de COVID traz uma complexidade completamente diferente. Em 2021 tínhamos a experiência ainda fresca que nos permitiu encarar o processo de uma forma muito mais fluida e isso refletiu-se na quantidade de esforço que foi colocado na organização desta corrida. O nível de exigência da F1 é muito elevado a todos os níveis, mas seja pela experiência e pelas rotinas que já tínhamos, foi tudo mais simples de fazer e isso também foi apreciado pela F1.”

Desafiado a explicar qual a lição mais importante que tinha sido aprendida, Pinheiro revelou que foi usado um novo estilo de organização que facilitou sobremaneira o contacto com a F1:

“A principal lição vinda do ano passado foi a da implementação de responsáveis por cada área. Nós temos uma estrutura muito horizontal que tenta fazer um bocadinho de tudo e isso na F1 não funciona. Na F1 precisamos de uma pessoa responsável para cada área e desta vez distribuímos muito mais o trabalho, criando departamentos quase autónomos, o que facilitou imenso a forma como trabalhamos. Isso torna o fim de semana mais intenso para os responsáveis,  mas permite uma articulação muito mais eficaz e tornou o fim de semana muito mais fluido, sem grandes problemas.  Mantivemos o número de pessoas, mas tivemos menos segurança, menos GNR, ou seja as contratações a entidades externas diminuíram bastante e pessoas que estavam alocadas a funções ligadas ao público puderam ser realocadas noutras funções.”

O CPV teve a jornada inaugural em Portimão, o que foi mais um desafio para Paulo Pinheiro, promotor do renovado campeonato:

“Como organizador, estar inserido num fim de semana de F1 é mais complicado pois as regras são mais rígidas e torna o dia a dia muito mais exigente e sendo a primeira corrida do ano em que não temos ainda distribuído os passes dos pilotos e das equipas, torna tudo mais trabalhoso, mas no final creio que correu bastante bem, tivemos uma grelha fantástica, não me recordo de ver uma grelha assim nos últimos dez anos no Nacional de velocidade, tivemos cobertura televisiva em dois grandes canais, a Sport TV e a Eleven, com uma qualidade de transmissão de F1, algo inédito creio eu. 

Tivemos um leque de pilotos fantástico com uma grelha de carros muitíssimo boa e variada. E a mim, em particular, deu-me muito gozo ter dez pilotos muito jovens, nomeadamente o meu filho que tem 17 anos, mas que neste fim de semana não foi o meu filho foi o Bernardo Pinheiro. Tivemos um piloto com 60, pilotos estrangeiros, Gentleman Drivers, até pilotos que já foram campeões do mundo, portanto uma mescla muito interessante, um nível de pilotos altíssimo. 

Acho que as pessoas em Portugal não têm muita noção mas o nível médio de pilotos jovens cá é altíssimo, todos excelentes pilotos. É algo que temos de nos orgulhar mais pois o nível de pilotagem neste país é muito elevado. E mais que isso, há um ambiente muito positivo no paddock. Dentro de pista somos obviamente todos adversários, mas cá fora acho que há um ambiente muito salutar, o que é importante e que gostei muito de ver. Num ano de pandemia arrancar com 2 Ferrari, 7 Porsche, TCR e GT4 acho que é motivo de orgulho para nós.”

FORMULA 1 HEINEKEN GRANDE PRÉMIO DE PORTUGAL, de 30 de abril a 02 de Maio, 2021, AIA Portimão – Paulo Maria / INTERSLIDE

Como em qualquer organização que começa há pontos a melhorar e um desses pontos é o BoP, que os promotores pretendem que seja o mais justo possível:

“Há coisas a melhorar, há um caminho a percorrer pois queremos trazer mais carros. Temos um desafio que é criar um BoP que seja justo nas suas diversas vertentes. Temos agora, por exemplo, de analisar se colocamos os 997 para a classe de cima ou se os colocamos nos GT Light (GT4) o que talvez faça mais sentido, porque não é muito justo para alguém que investiu num 991 ver um carro com 12 anos andar ao mesmo nível. Estas decisões são estratégicas, têm de ser justas para pilotos e equipas face aos investimentos feitos, mas ao mesmo tempo que proporcionem lutas em pista e que as corridas sejam interessantes. Acho que no primeiro fim de semana tivemos corridas muito interessantes com muitas lutas, ultrapassagens despistes, e no domingo à noite quando vi a transmissão fiquei muito satisfeito porque acho que eu e o Pedro atingimos o que era o nosso objetivo. “

A parte do fim de semana que mais complicada foi de gerir foi ver o seu filho a fazer a estreia nos automóveis, mas no final ficou o sentimento de orgulho:

“A parte de ver o Bernardo a conduzir foi a que me custou mais. O Bernardo nunca tinha andado num carro de corrida aqui na pista, foi a primeira vez. Tinha dado dez doze voltas num carro de série e fiquei muito surpreendido pela forma como ele encarou o fim de semana, com 17 anos, mas apesar disso com muita serenidade e um ritmo interessante. Mas tanto ele como o José Maria [Marreiros] estiveram muito bem para o carro que tinham, enquanto pai fiquei muito orgulhoso e acho que o Pedro [Marreiros] também. Na corrida três ele teve um problema, ficou sem travões mas manteve o sangue frio e fez o combinado, que é bater de frente pois os carros foram feitos para bater de frente e não de lado. E portanto não se podia exigir mais, estou muito orgulhoso mas agora ele tem de fazer o seu caminho e singrar pelo seu mérito. “

FORMULA 1 HEINEKEN GRANDE PRÉMIO DE PORTUGAL, de 30 de abril a 02 de Maio, 2021, AIA Portimão – Paulo Maria / INTERSLIDE

O AIA permite várias configurações que poderão ser usadas em breve para dar mais picante às provas do nacional:

“Sim, temos pensado usar outras configurações da pista e já tínhamos pensado nisso no ano passado. Temos uma variante em frente à Torre Vip que torna a pista mais curta e muda radicalmente o perfil da pista, pois passa a ser mais lenta, o que também acho que é interessante. Temos a chicane no final da reta da meta que também podemos utilizar e estamos a ponderar num fim de semana do nacional usar uma versão completamente oposta à que temos, muito mais fechada, precisamente para não rodarmos nas mesmas versões e darmos um bocado de sal e pimenta neste campeonato. Eu sou muito a favor da abordagem americana do desporto automóvel, ou seja isto tem de ser um espetáculo, sem desvirtuar a verdade desportiva. Quanto melhor for o espetáculo, especialmente se televisionadas, mais apoiantes vamos ter mais fácil e trazer patrocinadores e mais apetecível será para todos os que estão envolvidos e esse é o nosso objetivo, tornar um produto deveras interessante para quem está a ver.”

O objetivo passa por atraír mais carros para o CPV e tornar o campeonato no produto atraente a nível televisivo e assim abrir a porta novos investidores e marcas:

“Nós queremos atrair mais carros e se conseguíssemos chegar aos vinte ficaria extremamente satisfeito. Para nós seria importante trazer as marcas para o campeonato assim como os patrocinadores, mas isso vai depender da evolução da pandemia e é crucial tornarmos a prova mais apetecível. Queremos também envolver a imprensa, há uma série de coisas que queremos implementar, mas vai depender de como isto vai evoluir para que possamos criar algo bem estruturado. Quando se investe num desporto caro como é o automobilismo é preciso dar retorno a quem investe e é fundamental esta componente, sem descurar obviamente a parte desportiva,  que é a pedra basilar de tudo o que fazemos, mas temos tentar criar um excelente produto televisivo e é nisso que temos de nos focar.”

O projeto está a ser pensado a longo prazo, com um caminho definido que, agrade ou não será percorrido, para permitir que o CPV cresça:

“Nunca entramos em projetos a curto / médio prazo. No ano passado foi uma aposta que fizemos, num ano de transição. Este ano, com o apoio da FPAK, criamos um campeonato equilibrado e justo dentro do possível.  Vamos seguir um rumo que é o nosso, embora possa não agradar a algumas pessoas. O campeonato nacional no passado teve momentos muito bons,  eu recordo-me que em 2010 e 2011 foram talvez os tempos áureos do campeonato com pessoas à frente que percebem muito de corridas e com muita experiência como era o caso do Paulo Ferreira e do Nuno Couceiro. Temos sempre que aprender com tudo e com todos. Agora os tempos mudaram, temos de nos adaptar ao que temos, seja ao nível da escolha dos carros que podem participar seja no formato das corridas seja no sítio onde vamos correr. Mas o grande investimento pessoal que fizemos do ano passado para este ano foi ter a garantia que iríamos ter transmissão televisiva em direto, algo que não me recorde que tenha acontecido antes e que é a base para trazermos patrocinadores, carros, equipas etc, e achamos que este é o caminho. Mas para que fique claro, isto nunca vai ser uma democracia. Temos que ouvir as pessoas, mas também temos de definir um rumo e tem que haver alguém que manda, bem ou mal e que indique o caminho. Cometeremos erros, toda a gente os comete, mas de consciência queremos colocar toda a nossa energia em fazer o melhor possível para que todos digam que este é o campeonato em que queremos estar e que temos de apoiar. “

FORMULA 1 HEINEKEN GRANDE PRÉMIO DE PORTUGAL, de 30 de abril a 02 de Maio, 2021, AIA Portimão – Paulo Maria / INTERSLIDE

Com a velocidade a ressurgir, com novas competições a iniciarem-se e com competições existentes a ganharem força, Paulo Pinheiro vê com satisfação esta nova “era” que surge, e afirmou que o ambiente entre os promotes das diferentes séries é bom:

“Tem que haver espaço para séries de iniciação, troféus monomarca. Todos tem o espaço todos têm o seu público, por vezes vamos todos pelo mesmo rumo, por vezes vamos por rumos diferentes, mas isso é salutar e há que respeitar  cada um tem o seu projeto temos todos que nos ajudar dentro do que é possível, de maneira leal, correta e com frontalidade.

Quando há pontos de convergência e podemos trabalhar em conjunto, fantástico, se não há, ajudamo-nos no que for possível, mas cada um que siga o seu caminho e desejamos sorte e sucesso para todos. É um processo contínuo, vamos conversando com os vários promotores e noto que há um ambiente bom, em que todos falam e todos assumem uma postura construtiva.” 

Otimismo é a palavra de ordem para Paulo Pinheiro, numa fase em que a Velocidade começa a trilhar o caminho que todos desejam:

“Acho que é muito importante que a velocidade tenha grelhas decentes, com o número de carros suficiente, com um nível de piloto abrangente e acima de tudo cada um respeitar a missão a que se propôs. Por exemplo, não faz sentido numa classe de iniciação termos um piloto experiente. Tem de haver classes de iniciação, para gentleman drivers, para pilotos mais experientes e o nível dos carros tem de espelhar isso. Neste momento em Portugal temos uma série de promotores com experiência, com séries bastante sedimentadas e que têm feito um trabalho muito profissional e correto com grande satisfação dos participantes nesses campeonatos e isso é muito importante. Acho que neste momento as coisas estão no bom caminho, está-se a começar de maneira correta e agora é cada trilhar o seu caminho de forma clara.”

O balanço do fim de semana de F1 só pode ser positivo a todos os níveis. Para o homem que sonhou com uma pista de alto nível e que tornou esse sonho realidade, faltava apenas o reconhecimento que finalmente chegou. A montanha russa de Portimão conquistou o mundo e agora tem muito mais argumentos para atrair as grandes competições. Quanto à velocidade nacional o projeto é claro e ambicioso, mas só assim poderemos voltar a ter corridas como tanto desejamos… interessantes e com bons carros. O caminho ainda é longo, mas dez anos depois o trabalho deu frutos e Paulo Pinheiro e a sua equipa está de parabéns.

FORMULA 1 HEINEKEN GRANDE PRÉMIO DE PORTUGAL, de 30 de abril a 02 de Maio, 2021, AIA Portimão – Paulo Maria / INTERSLIDE
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2 Comentários
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CarlosBatysta 16
CarlosBatysta 16
2 anos atrás

Agora que venha a Formula 1 para 2022. Para o Algarve seria uma forma de sair da crise do turismo e para isso e preciso que o Estado Português de o aval. O publico Português esta cada dia mais adepto da Formula 1 e sem covid a casa devia encher. E tambem o MOTO GP devia de estar em 2022.

Pit Stop
Pit Stop
2 anos atrás

Parabéns Paulo,

Na senda do que fizeram César Torres e Domingos Piedade, Paulo Pinhero começa ter uma grande responsabilidade no desenvolvimento do desporto automovel em Portugal.
Bem haja

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