O impacto do abandono da Honda

Por a 4 Outubro 2020 14:42

Ainda que inesperada, o anúncio de que Honda abandonará a Fórmula 1 no final de 2021 não é totalmente uma surpresa, mas ainda assim tem diversas ramificações para o futuro da categoria máxima do desporto automóvel. A continuidade do construtor nipónico para lá da próxima temporada era uma incógnita já há algum tempo, uma vez que não tinha ainda se empenhado na continuidade a longo prazo e em Sochi, durante o Grande Prémio da Rússia, Toyoharu Tanabe, o diretor técnico do programa de Fórmula 1 da Honda, esquivou-se à questão dos jornalistas quanto à possibilidade da marca japonesa abandonar o mundo dos Grandes Prémios, o que uma semana mais tarde foi confirmando oficialmente.

A decisão da Honda foi apontada à necessidade de alocar recursos para os desafios que a indústria automóvel enfrenta, com a electrificação de gamas e o desiderato de alcançar a neutralidade carbónica, mas segundo diversas fontes não terá havido consenso quanto à saída da marca da Fórmula 1 e terá sido Takahiro Hachigo, o CEO do construtor, a tomar a sentença final.

Contudo, esta resolução da Honda surge num período em que as marcas de automóveis estão a concluir que o futuro da generalidade da mobilidade não passa pelos carros elétricos, mas sim pelos combustíveis sintéticos obtidos através da captação de dióxido de carbono da atmosfera e da sua sintetização com hidrogénio obtido através de água.

Esta tecnologia mantém os atuais motores de combustão interna e é o caminho que os responsáveis da Fórmula 1 pretendem seguir no futuro, sendo, portanto, a justificação da Honda pouco consistente com o panorama futuro da indústria automóvel, podendo existir outro motivo para a decisão.

A debandada da Honda tem também um significado simbólico, uma vez que foi o único construtor a ser seduzido pelo novo regulamento técnico de motores, introduzido em 2014 – Ferrari, Mercedes e Renault já estavam presentes na Fórmula 1 anteriormente – criado precisamente para refletir o mercado automóvel que se vira cada vez mais para os híbridos e carros elétricos.

Apesar de ter produzido os motores de combustão interna mais avançados da história do automóvel, este conjunto de regras acaba por ser um falhanço, dado que não conseguiu cativar o interesse generalizado das marcas de automóveis, e aquele que atraiu deixou a Fórmula 1 ainda antes do fim do atual ciclo regulamentar, previsto para 2025, sem que se anteveja o ingresso de outro construtor.

Com a saída da Honda, do que a Red Bull precisava era precisamente de uma nova marca a potenciar os seus chassis, uma vez que, para já, não tem unidades de potência para 2023.

No entanto, isso será difícil de conseguir, uma vez que nenhum construtor vai desenvolver um dispendioso e complicado V6 turbo-híbrido para apenas dois anos de vida, o que obriga a que a formação de Milton Keynes recorra a um dos atuais fornecedores.

A Mercedes, a partir do próximo ano, terá quatro equipas a seu cargo – a sua estrutura oficial, a Aston Martin, a McLaren e a Williams – ao passo que a Ferrari continuará com três – a “Scuderia”, a Alfa Romeo e a Haas – ficando a Renault apenas com uma – a sua formação de Enstone.

A relação entre a Red Bull e os franceses terminou de forma abrupta e sem grandes laivos de amizade entre as duas partes, após algumas palavras duras de ambos os lados, mas esta poderá ser a única solução para Christian Horner e Helmut Marko.

A Mercedes e a Ferrari já recusaram no passado fornecer as suas unidades de potência à Red Bull por considerarem a formação de Milton Keynes uma ameaça aos seus resultados e, seguramente, que esta visão de cada uma delas não se terá alterado, entretanto.

Os homens da equipa financiada por Dietrich Mateschitz têm fortes possibilidades de cair no regaço da Renault para poderem animar os chassis resultantes da pena de Adrian Newey.

Por seu lado, o construtor gaulês não tem outra opção senão fornecer os seus motores à Red Bull, uma vez que é o construtor com menos equipas a seu cargo, o que a obriga a disponibilizar as suas unidades de potência caso lhe seja pedido.

A não ser que Mateschitz resolva abrir os cordões à bolsa e decida que a sua equipa conceba e construa os seus próprios V6 turbo-híbridos ou pague a um construtor para o que o faça. A Red Bull tem a capacidade financeira para qualquer um dos cenários e em Milton Keynes, com o fim da associação à Aston Martin no final do ano, existe a infraestrutura para tal. Esta seria a melhor solução para manter Max Verstappen feliz.

O holandês deixou escapar algumas afirmações fortes em que a visada era a Renault, quando tinha debaixo do pé direito cavalos-vapor de Viry-Châtillon, evidenciando que não confiava na capacidade técnica dos franceses.

O seu novo contrato assinado em janeiro último válido até ao final de 2023 tinha como aliciante a continuidade da Honda com a Red Bull um cenário que, subitamente, se esfumou e que deixa grandes dúvidas quanto a competitividade dos monolugares de Milton Keynes, no mínimo, a partir de 2022.

Um regresso às unidades de potência da Renault seguramente que não cairá no goto do holandês, que estará já a equacionar o seu futuro.

Verstappen assinou o seu atual acordo baseado em certas premissas que, com a saída da Honda, se modificaram, tendo, como é habitual, cláusulas de rescisão que lhe permitem antecipar o seu fim em determinadas circunstâncias.

Não será de estranhar se a equipa de gestão do holandês estiver já a realizar uma prospeção de mercado, tendo em vista 2023 ou, mais tardar, 2024, quando o seu presente acordo termina

Nas restantes duas grandes, a Ferrari tem o seu “line-up” fechado até ao final de 2022, com Carlos Sainz e Charles Leclerc, que tem contrato até ao final de 2024, mas a Mercedes poderá ter uma porta aberta, ou duas.

Valtteri Bottas tem o seu lugar seguro até ao início de 2022, ao passo que Lewis Hamilton, muito embora seja seguro que continue com a formação de Brackley, não tem ainda um acordo válido para o próximo ano.

É esperado que assine um contrato de, pelo menos, dois anos, o que levará até 2022, mas com, Max Verstappen no mercado, a sua capacidade negocial reduz-se substancialmente, até por que a Mercedes se mostra interessada no holandês desde os tempos de Fórmula 3 deste.

Assim sendo, a decisão da Honda poderá ter até implicações nas negociações entre Toto Wolff e Lewis Hamilton, seja porque o piloto de vinte e três anos poderá terminar ao lado do inglês, criando uma situação em que este talvez não se mostre interessado, ou porque substitua o hexacampeão mundial que se pode sentir tentado a rumar a novos ambientes ou deixar a Fórmula 1 para se dedicar aos seus interesses fora do automobilismo.

Por outro lado, com a introdução de um novo regulamento técnico em 2022, que poderá ter um impacto profundo no equilíbrio de forças entre as equipas, Verstappen poderá sentir-se tentado a permanecer na Red Bull mais dois anos e perceber se uma nova força emerge fruto de uma interpretação apurada das novéis regras. Seja como for, a decisão da Honda tem ramificações a diversos níveis e tem o potencial para alterar a constituição das equipas da frente e futuro de alguns pilotos de forma evidente.

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